Mundo Lusíada com Lusa
A criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que entra em funções no final do mês, preocupa os imigrantes em Portugal, que se queixam de falta de transparência e temem o aumento da burocracia.
“Já não vai ser o SEF a tratar dos meus papéis? Mas eu fui ao SEF”, diz à Lusa Ravi, um paquistanês que iniciou o seu processo em janeiro e encontrou, na zona do Martim Moniz, em Lisboa, um “sítio tranquilo para se trabalhar”.
As autorizações de residência são tratadas atualmente pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e pode demorar anos até que um imigrante consiga regularizar a sua situação em Portugal.
Enquanto isso, os estrangeiros podem trabalhar e fazer descontos, mas não podem, por exemplo, ausentar-se do país porque estão em situação irregular.
“Eu já faço descontos para Portugal, já pago impostos como os portugueses, só quero um visto”, reclama Marielle Santos, cidadã brasileira que aguarda há dois anos pela conclusão do processo. A trabalhar num café perto da zona do Saldanha, Marielle teme perder o emprego.
“Estou a dois meses de ter direito ao subsídio (de desemprego), mas o meu patrão diz que vai vender o café. Como é que eu vou ficar? O que me vai acontecer?”, desabafa, sem sequer saber que vai ser criada uma nova agência para substituir o SEF.
Portugal tem “quase 300 mil processos pendentes no SEF” e, com a nova AIMA, o dirigente da Associação Comunidade de Bangladesh do Porto, Alam Kazoi, teme o aumento da burocracia e dos problemas, porque a investigação judicial ficará nas mãos das polícias, já que a nova agência não tem essa competência.
Por isso, “parte do processo vai estar na agência e outra parte na polícia e isso vai ser ainda mais complicado e mais burocrático”, alerta o responsável, que estima em 50 mil o número de cidadãos do Bangladesh em Portugal, muitos ainda à espera de vistos.
“Estamos muito preocupados porque muitos estrangeiros estão à espera de ser chamados porque o SEF não consegue dar resposta”.
“A imigração está aberta e todos os dias entram centenas de imigrantes, fazem o registro e o sistema não consegue dar resposta”, resume, salientando que as listas de espera são muito longas e, “no mercado negro, vendem-se por 100 ou 150 euros as vagas para marcações” no SEF.
Amadou Diallo, líder da Associação de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal (APIRP), considera que a falta de informação aos parceiros tem marcado a criação da nova agência.
“Não posso comentar porque estou mal informado”, afirma o dirigente, que tem lugar no Conselho das Migrações e não sabe como vai funcionar o novo organismo, que deve começar no dia 29 de outubro.
“Nós já criticamos muitas vezes o SEF” pelos atrasos, que permanecem, e “a coisa não está a mexer, porque acho que o problema não é o nome [da instituição], mas sim a falta de recursos humanos”, diz o dirigente.
Para o refugiado costa-marfinense, que chegou a Portugal há mais de 15 anos e criou a APIRP por sentir falta de respostas do Estado, a lei deve mudar “para facilitar a vida dos imigrantes e refugiados em Portugal”.
“Nós ajudamos as pessoas a procurar trabalho e depois o SEF demora mais de um ano a dar um papel”, apesar de o imigrante “já estar a trabalhar e a descontar” para o Estado português, observa.
O processo de extinção do SEF tem data marcada para 29 de outubro e as competências deste serviço de segurança vão ser transferidas para sete organismos.
A AIMA, presidida por Luís Goes Pinheiro, vai suceder ao SEF nas suas funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros e ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) quanto às questões do acolhimento e integração de imigrantes em Portugal.
A menos de duas semanas do início da nova agência, as críticas sucedem-se, com os sindicatos a queixarem-se de falta de transparência e de informações.
Além destas funções administrativas, as competências policiais do SEF vão passar para a PSP, GNR e PJ, passando também a existir uma nova configuração do sistema português de controle de fronteiras ao ser criada a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, que vai funcionar sob a alçada do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Esta divisão do SEF “vai ser o caos”, avisa Alam Kazoi, que critica o fato de o organismo agora extinto não ter resolvido os processos pendentes: “Isto só fazia sentido se fosse para começar do zero, agora começam por menos do que zero”.
Extinção radical
Para o antigo diretor do SEF Daniel Sanches é “radical” e sem “vantagem efetiva” a extinção deste serviço de segurança, dizendo que a solução encontrada pelo Governo não faz sentido e destrói competências que levaram muitos anos a construir.
Daniel Sanches foi um dos primeiros diretores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), entre 1988 e 1991, e foi com ele aos comandos que o SEF iniciou as competências no controle de fronteiras e na fiscalização e investigação dos crimes relacionados com o auxílio à imigração ilegal, tendo também sido criado na altura o primeiro curso de inspetores.
“Estive em três serviços de segurança. Polícia Judiciária, SEF e SIS. O SEF foi algo a quem eu dei muito para criar um serviço novo, nomeadamente na área da fiscalização e investigação (…), e era algo que funcionava com eficácia”, disse à agência Lusa Daniel Sanches, que foi também ministro da Administração Interna do PSD entre 2004 e 2005.
A propósito do fim do SEF, que vai acontecer dentro de uma semana, o antigo diretor deste serviço de segurança considerou negativa esta medida, sustentando que “em princípio não há uma vantagem efetiva” em repartir as competências do SEF.
“Pelo contrário, talvez haja uma perda de eficiência do próprio serviço”, estimou.
Daniel Sanches referiu que em alguns países da União Europeia houve “algumas alterações ao nível do controle de fronteiras e dos serviços de fronteiras”, mas não como uma disseminação tão grande” como aquela que se vai fazer em Portugal.
“Esta extinção foi de tal maneira radical que Deus queira que corra bem. Faço votos para que assim o seja, mas tenho algumas dúvidas, vai demorar conseguir os ritmos necessários para se conseguir o nível de eficácia semelhante ao que existia”, desabafou.
Daniel Sanches chegou ao SEF em 1988, mas nessa altura, apesar de já existir desde 1986, apenas funcionava como um serviço de estrangeiros, designadamente um serviço administrativo de registo e de concessões de autorizações de residência.
“Era um serviço que tinha evoluído da PSP e que se tinha automatizado como SEF. Quando fui para o SEF a ideia do Governo era transformar o SEF naquilo que a lei dizia, que era passar a ter o controle das fronteiras e ter uma atividade não só junto dos estrangeiros, como também nas fronteiras”, contou.
Na ocasião, adiantou, foi criada uma estrutura ao nível do pessoal e o principal objetivo foi a formação de inspetores que conseguissem “levar a bom termo a fiscalização das fronteiras, a coordenação de serviço em relação à fiscalização de estrangeiros no interior do território e conseguir obter algo semelhante ao que acontecia em outros países da União Europeia”.
Assim, segundo Daniel Sanches, que esteve à frente deste serviço até 1991, o primeiro curso da carreira de investigação e fiscalização do SEF aconteceu em 1990.
Sublinhou também o fato das competências de investigação criminal na área do auxílio à imigração ilegal terem surgido no SEF quando era diretor nacional, quando o número de estrangeiros residentes no país “era francamente inferior ao que existe atualmente”.
Mesmo assim, nos quatro anos e meio que esteve à frente do SEF foram feitas as primeiras campanhas de legalização de imigrantes em Portugal, essencialmente estrangeiros oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Daniel Sanches disse ainda que o SEF é atualmente uma estrutura diferente, tendo ao longo dos últimos tempos vindo a adquirir novas competências.
A reestruturação do SEF foi decidida pelo anterior Governo e aprovada na Assembleia da República em novembro de 2021, tendo sido adiada por duas vezes.
1 comentário em “Imigrantes em Portugal temem mais burocracia com nova agência para Migrações”
Quem se queixava do SEF e apelava à sua extinção vai ter muitas saudades do SEF.
Tudo o que é feito pelo governo de António Costa, é para pior e nunca para melhor.