Da Redação com Lusa
Vários imigrantes que frequentaram o ensino secundário em Portugal estão a ser impedidos de entrar como alunos nacionais no sistema de ensino superior português, ficando obrigados a pagar mensalidade de estrangeiros, por questões burocráticas.
Nalguns casos são os atrasos no reagrupamento familiar – em que os alunos já frequentam o ensino obrigatório em Portugal mas o processo não está concluído -, noutros verifica-se demora na certificação de documentos e ainda há situações como problemas de moradas ou documentação por concluir.
Hermen Aguiar é um desses casos. O jovem angolano fez todo o ensino secundário em Portugal e como estava numa residência estudantil a morada que tinha não era considerada permanente pela universidade e teve de entrar como estudante internacional.
“Fiz exames nacionais mas entrei pela quota dos estudantes estrangeiros e estou a pagar as propinas por inteiro”, afirmou o estudante de Comunicação Social, em Lisboa, que tem a ajuda dos pais, em Angola, para suportar os encargos das propinas.
“É muito difícil, mas a minha família está a fazer o esforço para ter um filho com formação europeia”, afirmou à Lusa.
O valor das ‘propinas internacionais’ varia entre os três mil e os sete mil euros anuais, uma verba que foi incomportável para Pamela Stoffel, uma jovem brasileira de 19 anos que está em Portugal desde o oitavo ano.
“Tinha quatro autorizações de residências mais antigas” e “não tinha tempo legal contínuo” para ser considerada como estudante nacional, dois anos.
“Os valores eram impossíveis para mim” e “estive mais um ano à espera” para cumprir os requisitos e concorrer ao curso de Serviços Jurídicos, no Instituto Politécnico de Leiria.
“Tudo isto não faz sentido. Estou aqui desde o oitavo ano, tenho formação portuguesa, amigos portugueses, vida em Portugal. E sou considerada estudante internacional?” – questionou.
Geraldo Oliveira, dirigente da associação Global Diáspora, tem-se dedicado ao apoio de imigrantes, com particular destaque ao intercâmbio de estudantes internacionais.
O dirigente aponta a discricionariedade das instituições de ensino, que, muitas vezes optam por condicionar o acesso dos estudantes, de acordo com o decreto-lei de 10 de março de 2014, que regulamenta o estatuto do estudante internacional, e que “está ultrapassado”.
“Para efeitos de acesso ao ensino superior, hoje o maior constrangimento no acesso dá-se por conta da necessidade de ter dois anos de residência legal no ano em que o aluno vai ingressar no ensino superior”, explicou.
Ora, existem casos de processos de residência dos pais que demoraram quatro anos a serem terminados e “ainda não foi possível reagrupar os filhos”, que estão a estudar nas escolas portuguesas.
“Acompanho filhos de imigrantes legais que não conseguiram reagrupar-se” e “tenho casos de alunos que estão a estudar em Portugal há vários anos”, mas não estão integrados numa família, pelo que nunca se conseguiram regularizar.
Mesmo nos casos em que os alunos apenas têm visto de estudante – para o ensino secundário – isso não garante acesso ao ensino superior como candidato nacional – e “está sujeito aos 697 euros da propina”.
“Pode estar reagrupado ou numa família já toda legal. Mas isso muitas vezes não acontece”, explicou.
E depois, os custos das propinas afastam muitos desses jovens do ensino superior: “mesmo que tenham boas notas nos exames nacionais, esses alunos ficam pelo caminho”.
Esses jovens só sabem que só podem concorrer como estudantes internacionais no momento da matrícula, em que têm um prazo para apresentar uma morada e documentos que atestem a sua regularização.
“Quase todos só sabem quando se vão inscrever. Já tiveram as notas, já entraram e é na matrícula que são confrontados com uma situação que não previam”, afirmou.
Esta situação é comum a outros escalões de ensino, que têm muitos jovens estudantes imigrantes que não têm processos totalmente concluídos.
“Tem de existir informação e uma atenção especial por parte da sociedade”, alertou o dirigente.
“Se não alertarmos esses alunos e os encarregados de educação desses estudantes, corremos o risco de formar mão-de-obra subqualificada” porque depois não podem seguir os estudos, devido aos custos das propinas, acrescentou Geraldo Oliveira.
Para tal, a Global Diáspora tem tido reuniões com os partidos com assento parlamentar para que o concurso de acesso ao ensino superior “leve em consideração as dificuldades” do processo para quem não está legal, mas fez o ensino secundário em Portugal.
“Há universidades que facilitam nos prazos e outras não. Tem de existir uma regra única para estes casos”, salientou, defendendo que as condições de acessos contemplem “não o tempo legal de permanência, mas o tempo de frequência da escola portuguesa”.
Taís Oliveira, 18 anos, é caloira de Serviço Social e soube que a morada que tinha não era regular. Apesar de viver há seis anos no país, a “certidão emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não estava conforme” e teve um prazo de poucos dias para regularizar o processo.
Caso contrário teria de entrar como estudante internacional, explica Taís Oliveira, que elogiou o comportamento da sua instituição de ensino.
“No meu caso, deram mais algum tempo, compreenderam os atrasos, e consegui cumprir. Hoje estou bem, graças a Deus”, afirmou a brasileira.