Esta semana uma imagem trágica sintetizou problema sistemático que vem acontecendo na região que limita Europa e Oriente Médio há tempos: o drama dos refugiados. Em mais uma das muitas tentativas de escapar de área em grande tensão, embarcação repleta de desesperados virou em pleno mar e afogou vários de seus tripulantes, incluindo crianças. O corpo do bebê sírio Aylan Kurdi foi encontrado, levado pelas ondas, à praia da ilha grega de Kos e sua imagem gerou grande comoção. Estampou a manchete: ‘vítima da humanidade’. Sim, mais uma.
De acordo com a ONG Anistia Internacional – AI, somente neste ano de 2015, já morreram, por afogamento no Mediterrâneo, 1700 refugiados e migrantes. É uma evidente emergência humanitária que acontece, mas, na prática, além de gerar imagens comoventes, não tem sido apresentada nenhuma solução mais concreta. No ano passado, a Itália e a UE decidiram pôr fim a operação Mare Nostrum da marinha italiana que resgatou mais de 166.000 pessoas em apenas um ano. Trocaram por uma ação muito menor, denominada Triton, que patrulha principalmente as fronteiras perto da terra firme, em vez de salvar vidas em mar aberto, utilizando assim menos barcos, menos helicópteros e menor pessoal, sobrando trabalho para barcos comerciais e para a guarda-costeira. Em verdade, a Europa vem se fechando a esses agredidos. Cada vez mais bloqueia a chegada dessa gente, vítima em suas origens, e que enxerga a saída com um sério risco: pagar milhares de dólares a traficantes para atravessar o mar em embarcações com segurança duvidosa. Não há muitas opções além desta.
Segundo AI, entre os migrantes, há famílias com crianças pequenas, que escapam de países com prisões arbitrárias, torturas, violência sexual, repressão e guerra, como a Síria (43%), o Afeganistão (12%), a Eritréia (10%), a Somália, o Sudão e o Iraque. Desta forma, esses grupos buscam asilo internacional, conforme as convenções assinadas posteriormente à II Guerra Mundial pela maioria dos governos. Porém, o combinado não vem sendo concretizado e, quando ocorre, acontece desarticuladamente. A AI exemplifica, mostrando que os europeus ofereceram um total de 40.137 lugares de reassentamento para refugiados sírios, sendo que 30 mil deles somente a Alemanha ofereceu. Comparativamente, cinco países vizinhos da Síria acolheram 3,9 milhões de refugiados. Desta forma, os europeus deveriam dar apoio logístico e econômico à Itália e a ilha de Malta para patrulharem seus mares, buscando salvar as pessoas em fuga por essa repetida rota, além de dividir custos com aviões, helicópteros e pessoal, assim como repensar uma divisão entre todos para este momento de caos.
Além do mar Mediterrâneo, a Hungria se converteu em um local de trânsito de migrantes. Em agosto, 50.000 pessoas chegaram com a intenção de seguir para a rica Alemanha e outros países da Europa ocidental. Esta é a conhecida “rota dos Bálcãs do Oeste”. O caminho de sírios e iraquianos que fogem da guerra, assim como albaneses, kosovares e sérvios. Milhares de migrantes tentam avançar de ônibus, de trem ou a pé. A Hungria, buscando rechaçar a massa de refugiados, construiu um muro de arame farpado, que se estende ao longo de 175 km da fronteira com a Sérvia. A atitude húngara foi criticada pela França. Um sofrimento sem fim e sem igual: expulsos de sua terra natal e rejeitados no estrangeiro. A Espanha disse que vai estudar medidas para ajudar. Portugal calcula receber 3 mil imigrantes. Onze mil famílias na Islândia se dispuseram a receber refugiados sírios. É a maior quantidade de refugiados desde a segunda Guerra Mundial.
A Comissão de Inquérito da ONU para crimes na Síria é liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro que alerta: a guerra constante e o conseqüente tráfego de pessoas sob o terror colocam a região em permanente desequilíbrio. Para ele é ‘imperativo que a comunidade mundial atue com compaixão e realize canais legais para recebimento dos refugiados’. Sem dúvida, ele tem toda razão. O Papa Francisco, em julho de 2013, já chamava a atenção para os migrantes e a violência sobre eles alertando para a responsabilidade de todos sobre esta situação desumana. Inclusive porque as potencias internacionais tem grande peso como motivadoras para vários destes conflitos e crises explodirem no Oriente Médio, na África e Europa Oriental. Muitos reflexos de intervenções econômicas e geopolíticas de seus governos e de grandes corporações envolvidos. Basta lembrar as incursões dos EUA e OTAN sobre o Iraque e a Líbia, por exemplo, ou os envolvimentos das potências estrangeiras em regiões que acabaram resultando em movimentos radicais, como o Talibã e o Estado Islâmico.
Vale notar que a esperança de tanta gente ao ir para a Europa encontra a resistência de vários governos e também dos movimentos de extrema direita, os neonazistas, prontos para a violência contra os refugiados. Uma situação muito complexa que exige realmente a cumplicidade de todos para a sua resolução. Todos mesmo: aqui em São Paulo, há um mês, seis imigrantes haitianos foram baleados em dois ataques diferentes na Baixada do Glicério. A suspeita é que o crime tenha sido praticado por xenofobia. Como disseram o comissário da ONU e o Papa, o problema deve ser resolvido em conjunto com participação geral. Esses refugiados são mesmo ‘vítimas da humanidade’. São Paulo, 4 de setembro de 2015.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo