Da Redação
Com Lusa
Em Lisboa, a vigília em homenagem ao estudante cabo-verdiano que morreu depois de uma agressão em Bragança acabou por se transformar numa marcha que percorreu a Avenida da Liberdade, obrigando ao corte de trânsito, no sábado.
De acordo com fonte do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, em declarações à Lusa, depois de terem estado reunidas no Terreiro do Paço, para onde estava marcada a vigília, pelas 16:45 “cerca de três mil pessoas” começaram a dirigir-se para o Rossio, iniciando depois a partir daí uma marcha até ao Marquês de Pombal.
A PSP, que “acompanhou sempre a marcha”, acabou por optar por cortar ao trânsito as faixas centrais da Avenida da Liberdade.
Neste dia 11, estavam marcadas várias vigílias de homenagem ao estudante cabo-verdiano Luís Giovani, que morreu a 31 de dezembro no hospital de Santo António, no Porto, dez dias depois de ter sido vítima de uma agressão em Bragança, onde estudava.
Pouco depois da hora marcada para o início da vigília em Lisboa (15:00), centenas de pessoas juntaram-se no Terreiro do Paço, muitas vestindo camisetas brancas com a fotografia do jovem e segurando panfletos com a mensagem #justiçaparaogiovani.
Os participantes começaram a juntar-se frente à estátua de D. José I onde estiveram em silêncio, formando primeiro um círculo que no seu interior tinha velas e flores brancas.
No Terreiro do Paço, onde eram visíveis muitas bandeiras de Cabo Verde, reuniram-se pessoas de todas as idades, que respeitaram o silêncio pedido pelos organizadores, empunhando cartazes exigindo justiça.
Na estátua de D. José I foi colocada uma tarja onde se lia: “Contra o Racismo do Estado, Punição dos Crimes Racistas”.
À Lusa, José Pereira, que pertence aos movimentos Consciência Negra e Em Luta, explicou a necessidade de, “acima de tudo e em primeiro lugar o Estado português esclarecer o que se passou”.
“O Estado tem o dever de esclarecer”, disse José Pereira avançando haver um “duplo padrão de comportamento do Estado quanto à prática deste tipo de crimes”.
José Pereira denunciou também que as autoridades “agridem e brutalizam” quando vão aos bairros onde vivem pessoas “racializadas, negros, emigrantes e ciganos”, acrescentando que “agem de forma diferente quando se tratam de não brancos”.
As pessoas mantiveram-se em silêncio que, conforme Kleisy Ferreira de Pina, da organização, estava em consonância com Giovani “que esteve também dez dias em silêncio”.
“Estou aqui para fazer justiça por aquele jovem que morreu. Portugal está a ficar inseguro. Estou aqui também pelo meu filho que tem a idade do Giovani. Também ele já foi vítima de agressões”, disse à Lusa Maria Mendes.
No panfleto com #justiçaparaogiovani tinha ainda a letra de uma morna feita de forma a homenagear o jovem que, escrita em crioulo, fala da morte, de sentimentos, tristeza e sofrimento, explicou Maria Mendes.
Ivanilde Gomes, que veio de Cabo Verde para Portugal há três anos, contou à Lusa que veio à Praça do Comércio “em paz” para homenagear o jovem que morreu “barbaramente” em Bragança.
“Estou aqui não para conflitos, mas como um símbolo de paz e para que outros jovens não tenham de morrer como ele”, disse Ivanilde, acrescentando esperar que a morte de Giovani “sirva para que os cabo-verdianos sejam ouvidos e não tenham de se calar com injustiças como a que aconteceu”.
Em Cabo Verde
Elementos do corpo de intervenção da Polícia Nacional cabo-verdiana tiveram que impedir a progressão dos manifestantes que se concentraram à porta da residência da embaixadora de Portugal, na Praia.
“Queremos justiça” e “Justiça para o Giovani” eram algumas das palavras de ordem ditas pelos manifestantes junto à residência da embaixadora de Portugal, Helena Paiva, na Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde.
Os manifestantes, que participavam numa marcha de homenagem ao jovem Luís Giovani, irromperam pelo edifício do Palácio da Assembleia Nacional e foram travados pela polícia.
Seguiram para a residência oficial do Presidente da República e depois para a casa da embaixadora onde estavam pelas 17:20 locais (mais uma hora em Lisboa) concentrados e contidos pelos elementos do corpo de intervenção da Polícia Nacional.
Na tarde deste sábado, mais de um milhar de manifestantes forçaram todas as barreiras policiais e conseguiram chegar à porta da Embaixada portuguesa, gerando-se momentos de tensão.
Além de Lisboa, estavam marcadas vigílias em Bragança, Coimbra, Porto, Covilhã, Guarda, Praia (Cabo Verde), Londres, Paris e no Luxemburgo.
No dia 9, o parlamento de Cabo Verde recordou o caso do estudante, pedindo que se faça justiça e acabando os deputados por cumprir um minuto de silêncio.
A posição, pedindo que a “Justiça seja feita”, foi levantada na Assembleia Nacional pelo deputado do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) Francisco Pereira, no segundo dia de trabalhos da primeira sessão parlamentar de 2020.
“Tendo em conta os laços históricos e de cooperação que marcam as nossas relações com Portugal, devemos agir com inteligência, dando vez à diplomacia, com serenidade e responsabilidade, assumindo plena disponibilidade de colaboração com as autoridades, para garantir que todos os esforços necessários sejam empreendidos com vista ao pleno esclarecimento dos factos e para a condizente justiça que o caso requer”, afirmou o deputado do PAICV.
Em Portugal, O Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou que “justiça será feita” em sua conta no Twitter. “Os responsáveis pela sua morte serão identificados e julgados e o seu ato hediondo não perturbará a amizade entre Portugal e Cabo Verde”.