Greve: Presidente diz que simpatia da opinião pública pode virar-se contra os professores

Docente do 6.º ano tem de “preparar quatro tipo de materiais diferentes para cada dia de aulas”, porque tem alunos brasileiros, que chegaram a Portugal sem nunca terem tido uma aula de inglês, alunos estrangeiros “que não percebem português” e outras dificuldades e burocracias que deixam professores “exaustos”.

Mundo Lusíada com Lusa

O Presidente de Portugal voltou a apelar a um entendimento entre Governo e sindicatos dos professores, e manifestou-se preocupado com as consequências deste período prolongado de greves para famílias e alunos.

A partir desta quarta-feira os professores e o pessoal não docente, que estão em greve convocada desde dezembro, por tempo indeterminado, vão ter de assegurar serviços mínimos nas escolas.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou hoje que “há um momento em que a simpatia que de fato há na opinião pública em relação à causa dos professores pode virar-se contra eles”.

Interrogado sobre até quando é o que sistema de educação aguenta esta situação, o chefe de Estado respondeu: “Não é um problema de o sistema de educação aguentar, é o problema de ser um ano letivo substancialmente perdido ou não”.

“E é essa é a avaliação que todos têm de fazer, até por isto: há um momento em que a simpatia que de facto há na opinião pública em relação à causa dos professores pode virar-se contra eles”, considerou.

O Presidente da República acrescentou que “como tudo na vida, também nestes processos, que são processos sociais, mas também políticos, há uma avaliação política que Governo de um lado e professores do outro e sindicatos do outro têm de ir fazendo”.

Serviços mínimos obrigam a manter todas as escolas abertas

Os serviços mínimos que hoje começaram nas escolas garantem que nenhum estabelecimento de ensino esteja encerrado, independentemente da greve a que aderem professores e funcionários.

“A ideia dos serviços mínimos é as escolas não estarem fechadas. Foi essa a resposta que nos deram do Ministério”, disse o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Filinto Lima explicou que a associação questionou a tutela sobre “se os serviços mínimos teriam de ser levados a cabo mesmo com várias greves em curso e a resposta foi que mesmo havendo greves sobrepostas, os serviços mínimos teriam de ser acionados”.

Neste momento estão a decorrer quatro greves convocadas por diferentes estruturas sindicais, sendo que na semana passada um Colégio Arbitral decidiu decretar serviços mínimos apenas para o protesto do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP).

Numa resposta enviada à ANDAEP, a que a Lusa teve acesso, o Ministério esclareceu os diretores que “os serviços mínimos que foram determinados têm de ser cumpridos em todos os estabelecimentos de educação e ensino, nos dias definidos, independentemente do número de pré-avisos de greve para cada um desses dias”.

Nos últimos dias, os diretores tiveram de convocar funcionários e professores para operacionalizar a decisão do colégio arbitral.

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), criticou a decisão da tutela de transferir essa tarefa para as mãos dos diretores, deixando-os numa situação de “grande desconforto”.

“Os diretores são professores como os outros e esta situação só veio criar mais conflitos entre professores e diretores”, disse Manuel Pereira, sublinhando que a definição de serviços mínimos não resolve o real problema das escolas.

“Ninguém pode apagar o descontentamento que existe nas escolas, com ou sem greves, com ou sem aulas. É contra isso que é preciso lutar e não decretando serviços mínimos e é por ai que vale a pena trabalhar”, disse.

“Apesar de considerarmos ilegais estes serviços mínimos, que foram decididos por um colégio arbitral e não por um tribunal arbitral, não vamos apelar a desrespeitá-lo”, disse o presidente do STOP, André Pestana.

Professores exigem redução das tarefas burocráticas nas escolas

Professores queixam-se das tarefas burocráticas que dizem retirar-lhes tempo para ensinar, como é o caso de Catarina Carvalho, que entre atas, relatórios e papeladas, ainda atende os encarregados de educação e gere os conflitos entre alunos.

Em janeiro, o ministro da Educação, João Costa, anunciou que iria apresentar um plano para eliminar “documentos e plataformas que não contribuem para a qualidade do processo de ensino e aprendizagem”,, mas as medidas ainda não chegaram e nas escolas os professores dizem-se “exaustos e frustrados”.

Catarina Carvalho é professora há 22 anos e tem agora a seu cargo a direção de sete turmas. Os diretores de turma e os professores do 1.º ciclo são os mais penalizados, segundo os sindicatos, que alertam para o fato de raramente conseguirem cumprir a legislação, que prevê um horário de trabalho máximo de 35 horas semanais.

“Eu só tenho aulas da parte da manhã. Começo as aulas às oito, mas invariavelmente fico a trabalhar até às oito da noite, muitas vezes a tratar de burocracias que acabam por prejudicar o trabalho pedagógico”, contou à Lusa a professora de Inglês da Escola Maria Veleda, em Loures.

A docente do 6.º ano tem de “preparar quatro tipo de materiais diferentes para cada dia de aulas”, porque tem alunos brasileiros, que chegaram a Portugal sem nunca terem tido uma aula de inglês, alunos estrangeiros “que não percebem português”, e “alunos que acompanham melhor a matéria e outros com dificuldades”.

Todos os dias, a diretora de turma tem um conjunto de tarefas que não podem esperar, como verificar o registro de faltas dos alunos.

“Tenho sete turmas e tenho de contar as faltas de todos os alunos, verificar se há casos que precisam de justificação dos encarregados de educação. Se isso acontecer, tenho de contactar os pais, o que nem sempre é fácil, porque os pais esquecem-se e nós temos de andar atrás deles a insistir”, exemplificou.

Os sindicatos alertam que também são pedidos aos professores relatórios para entregar aos médicos, tribunais e outras entidades.

Também os diretores escolares têm chamado a atenção para as inúmeras tarefas das escolas, que vão desde realizar as matrículas dos alunos a fazer listagens de dados sobre alunos e encarregados de Educação e atualizar esses mesmos registos biográficos.

São os diretores de turma que tratam dos processos quando chega um aluno com necessidades educativas especiais ou quando chega uma aluna, como a menina da Guiné – que chegou a Portugal há três anos para ser operada e andava no 3.º ano de escolaridade – que “dizia que não tinha fome para almoçar”, recordou.

“Comecei a achar estranho porque ela levantava-se às cinco da manhã, não comia nada durante a manhã, e depois dizia que não tinha fome para almoçar. Chamamos a mãe e apercebemo-nos das dificuldades econômicas”, recordou a docente, explicando que a mãe fazia limpezas em casas, não estava legalizada e por isso a filha não tinha acesso ao Apoio Social Escolar (ASE).

A escola uniu-se: uns deram roupa, outros deram dinheiro para compras, comida e até para ir cortar o cabelo ou fazer o cartão do cidadão, contou à Lusa a diretora que, num dos dias, fez à aluna um horário com as disciplinas, as salas de aula, e os autocarros que tinha de apanhar para conseguir chegar à escola.

A redução da burocracia nas escolas é uma luta antiga dos professores que entretanto começaram um processo de luta, com greves desde dezembro do ano passado. A recuperação do tempo de serviço e o fim das vagas e quotas de aceso ao 5.º e 7.º escalões são outras das revindicações dos docentes que no ultimo mês e meio já participaram em três manifestações nacionais em Lisboa.

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