Por Carlos Fino
Contrariando as sondagens – que previam empate técnico ou diferença tangencial – o partido de esquerda Syrisa do jovem Alexei Tsipras (41) voltou a obter vitória clara sobre os conservadores da Nova Democracia do sénior (61) e bastante popular Evangelos Meimarakis: 35,5% contra 28,3% quando estavam apurados os resultados de metade das mesas de votação.
É a terceira vitória eleitoral de Tsipras em menos de nove meses.
Sem maioria absoluta – 145 lugares dos 300 do parlamento de Atenas – o Syriza deverá aliar-se de novo (ironia pós-pós-moderna!) aos Gregos Independentes do ANEL, partido da direita nacionalista com quem já havia formado governo em Janeiro deste ano.
Como grandes derrotados do escrutínio surgem os socialistas do Pasok – que não deverão ir além de 17 lugares, os centristas do To Potami, com 10, e sobretudo a extrema esquerda dissidente do Syrisa, os deputados que se afastaram de Tsipras para formar um novo partido, a União Popular, o qual não conseguiu ultrapassar a barreira dos 3% e não deverá ter por isso representação parlamentar.
Esta terceira vitória de Tsipras é tanto mais surpreendente quanto é certo que surge num contexto de grande desânimo e descrença (a abstenção terá rondado os 40%), que se instalou no país depois do líder grego ter sucumbido às pressões de Berlim e Bruxelas que o obrigaram, para a Grécia se manter no Euro, a aceitar condições ainda mais pesadas do que inicialmente previsto, reduzindo a nada a vontade popular de pôr termo à austeridade, exuberantemente expressa no referendo de Julho passado.
Essa humilhação provocou uma cisão no Syrisa e afastou do partido boa parte do seu eleitorado, reduzindo a popularidade de Tsipras de 60% para 30%.
Para agravar ainda mais a sua situação, o novo dirigente dos conservadores da Nova Democracia, Evangelos Meimarakis, provou ser um adversário temível, disputando a primazia com Tsipras taco a taco nas sondagens quase até final.
Com a sua retórica conciliadora e dialogante, muito diferente do arrogante e distante Antonis Samaras, que se demitiu do cargo depois da derrota sofrida nas urnas no início do ano, Evangelos granjeou em pouco tempo grande popularidade. Não só susteve a queda do partido (responsável, juntamente com os socialistas do Pasok, por anos sucessivos de desgoverno e corrupção que conduziram o país a uma dívida de 320 mil milhões de Euros e depois, com as medidas de austeridade, à redução de 25% do PIB nos últimos 5 anos!) como garantiu o regresso em massa do seu eleitorado tradicional.
Aparentemente, foram os 15 por cento de indecisos detectados pelas sondagens, que acabaram, no fim, por fazer a diferença, inclinando-se para a esquerda e renovando assim o mandato do Syriza.
E AGORA, TSIPRAS, MISSÃO IMPOSSÍVEL?
As peripécias políticas que se sucederam desde Janeiro, juntamente com as pressões de Bruxelas e de Berlim, e a chantagem do Banco Central Europeu, que cortou a liquidez ao país e levou ao controlo de capitais (ainda hoje os gregos não podem levantar mais de 460 euros por semana das suas contas bancárias) não deram até agora nem tempo nem espaço ao Syrisa para aplicar quaisquer reformas.
Conseguirá fazê-lo daqui para a frente? É pouco provável. Com mãos e pés atados pelos acordos draconianos que teve de assinar na capitulação de Julho, para garantir a continuação do país na zona do Euro, Tsipras não tem praticamente qualquer amplitude de manobra.
Desafio à burocracia europeia, que certamente contava com outro resultado eleitoral que lhe assegurasse interlocutores mais dóceis – e para isso fez as suas pressões e manobras em violação da letra e do espírito dos próprios Tratados europeus – a recondução de Tsipras arrisca-se a não passar de uma vitória pírrica, uma vez que o espera o amargo cálice de cicuta das “reformas estruturais” e dos insustentáveis pagamentos da dívida em que já estão empenhadas todas as riquezas do país, a administrar – selo supremo da ignomínia e da humilhação – por um fundo… alemão!
A não ser que as realidades geoestratégicas, de novo evidenciadas com a crise sem fim dos refugiados, que revelou toda a fragilidade da construção europeia, acabem por se impor e despertar em Berlim, Frankfurt e Bruxelas, um assomo de realismo que os leve a ser mais condescendentes com Atenas.
Entretanto, a situação económica e social do país continua a agravar-se – a recuperação que parecia iniciar-se no começo do ano já foi chão que deu uvas, a economia voltou a regredir e as condições de vastas camadas da população pioraram– três milhões em onze não têm qualquer cobertura social e 35% vivem no limiar de pobreza.
Tsipras já disse que só capitulou em 13 de Julho para evitar a imediata saída da Grécia do Euro, mas que não acredita no “programa de reformas” que lhe foi imposto. Não é, portanto, um convertido. E se persevera em permanecer à frente do país é porque ainda acredita que no meio da tempestade terá condições de pelo menos salvar alguma coisa. Para isso teria, entretanto, de descobrir a quadratura do círculo, uma solução que permitisse, como se diz por aquelas paragens, “saciar o lobos e salvar o rebanho”.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012).