Governo quer aprovar até julho decreto que inicia processo de privatização TAP

Jorge Alves, presidente do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) ouvido na comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, na Assembleia da República em Lisboa, 27 de abril de 2023. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Mundo Lusíada com Lusa

O Governo português quer aprovar até julho o decreto lei que iniciará a privatização da TAP, seguindo-se a aprovação de uma resolução em Conselho de Ministros que definirá os termos do processo e o caderno de encargos.

Este calendário foi apontado por Fernando Medina a meio da reunião do Conselho de Ministros, na qual foi decidido que o Ministério das Finanças e a Parpública ficam já mandatados para a realização de duas avaliações independentes ao valor da TAP.

Tendo ao seu lado o ministro das Infraestruturas, João Galamba, o titular da pasta das Finanças salientou que este passo atrás referido “é obrigatório e prévio” à aprovação pelo Governo, por via de decreto lei, do conjunto de matérias sobre os critérios do processo de privatização.

Ou seja, questões sobre qual a percentagem da TAP que será privatizada, ou se será estabelecido algum encaixe financeiro mínimo a receber pelo Estado no âmbito do processo de privatização, de acordo com Fernando Medina, “só podem ser alvo de decisão por parte do Governo após concluídas as avaliações independentes ao valor da companhia aérea”.

“Neste quadro, faremos tudo cumprindo escrupulosamente os passos que a lei determina, não antecipando aquilo que a lei determina que não deve ser antecipado. Estas questões terão resposta no decreto lei e, a seguir, na resolução do Conselho de Ministros que lhe sucederá pouco tempo depois, onde se fixará os termos gerais da privatização e o cadernos de encargos da privatização”, assinalou o ministro das Finanças.

Sobre a metodologia agora seguida pelo executivo de António Costa, Fernando Medina procurou traçar uma linha de demarcação face ao que foi seguido no processo de privatização da TAP de 2015, durante o segundo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho.

“Estamos a fazer tudo de forma muito clara, transparente, levando a decisão ao nível do Conselho de Ministros, ao contrário do que aconteceu no passado. Queremos que seja tudo cumprido escrupulosamente em relação àquilo que a lei determina”, acentuou.

Na conferência de imprensa, João Galamba respondeu à questão sobre a definição da localização do novo aeroporto da região de Lisboa e seu impacto no processo de privatização da TAP.

“A capacidade aeronáutica da região de Lisboa é uma dimensão muito importante na valorização da TAP. Por essa razão, o Governo está empenhado, através da comissão técnica independente, na definição da solução de longo prazo para o aeroporto da região de Lisboa e, entretanto, na melhoria operacional do Aeroporto Humberto Delgado”, na Portela, assinalou.

Neste ponto, o ministro das Infraestruturas vincou que o aeroporto da Portela será “durante bastantes anos o principal aeroporto da região de Lisboa, razão pela qual o Governo “está a tomar medidas que são públicas, abrangendo a NAV (Navegação Aérea de Portugal) e o Ministério da Defesa, tendo em vista a sua melhoria operacional”.

“Essa é uma dimensão muito importante na valorização da TAP porque se relaciona com a dimensão de hub, que é muito importante”, acrescentou.

Trabalhadores

A coordenadora da Comissão de Trabalhadores da TAP considerou hoje que a “privatização nunca é boa” para a companhia aérea e que esta deveria continuar na esfera do Estado, apontando um “gosto especial pelo ‘outsourcing’” da antiga administração.

Cristina Carrilho foi esta tarde ouvida na comissão parlamentar de inquérito à TAP e, no período de inquirição do deputado do PSD Paulo Moniz, referiu que “a Comissão de Trabalhadores entende que a TAP não deve ser privatizada”, recordando as palavras do ex-ministro Pedro Nuno Santos e do primeiro-ministro, António Costa, de que a empresa “é estratégica para o país e garantia da soberania e da diáspora”.

“A privatização nunca é boa para a TAP”, defendeu. Referindo que, o que diz a história da empresa, é que “a privatização da TAP não corre bem” e depois o Estado tem que ir “pôr meter a mão por baixo” e dinheiro porque, de outra forma, não há companhia aérea nacional, a coordenadora defendeu que “o que o privado quer é lucro e que, assim sendo, muito provavelmente vai “recusar operações que não sejam rentáveis” que, atualmente, são feitas quer dentro do território nacional quer com a diáspora.

Referindo que a Comissão de Trabalhadores só reuniu com o antigo secretário de Estado Hugo Mendes, Cristina Carrilho disse aos deputados que só teve conhecimento do caso de Alexandra Reis pela comunicação social, que são os “maiores informadores” da estrutura que representa, desconhecendo detalhes sobre a indenização da antiga administradora.

Já no período de inquirição do deputado do PCP, Bruno Dias, Cristina Carrilho referiu que a “administração cessante da TAP tem um gosto especial por ‘outsourcing’ [contratação de trabalhos externos]”.

Também o dirigente do STAMA João Varzielas considerou que a privatização é “a maneira mais fácil de passar pano por cima do que escorreu” ao longo dos anos e que “ultrapassa bem” o meio milhão de euros.

“Passaram de caravelas à pressa para o ‘privatize-se já’. […] É a maneira mais fácil de passar um pano por cima do que escorreu ao longo de todos estes anos e que ultrapassa bem o meio milhão de euros”, afirmou o dirigente do Sindicato dos Aeroportos de Manutenção e Aviação (STAMA), na comissão de inquérito à TAP, aludindo à indenização de 500.000 euros paga à ex-administradora Alexandra Reis, que esteve na base da constituição da comissão parlamentar de inquérito.

Questionado pelo deputado social-democrata Paulo Moniz sobre a ingerência política na companhia aérea, João Varzielas destacou que que o anterior ministro Pedro Nuno Santos, que se demitiu na sequência da polêmica indemnização, “foi o único” que disse ao sindicato, “sem peneiras”, quais eram os objetivos do plano de reestruturação.

“Isso lhe agradeço, a honestidade. Não quer dizer que concorde [com os objetivos]”, sublinhou o sindicalista, apontando uma falta de comunicação com a gestão da empresa “e com mais ninguém”.

No entanto, o sindicalista considerou que, o “desnorte criado” no “processo megalómano” criou “uma disfuncionalidade em que, a páginas tantas” a situação podia ser comparada com o “tempo dos coronéis no Brasil, em que toda a gente está a mandar e ninguém percebe quem”.

João Varzielas disse que, “para já”, o STAMA não vê com bons olhos uma privatização, lembrando que o processo de venda a privados em 2015 não salvaguardava “de maneira nenhuma” a permanência do ‘hub’ [plataforma giratória de distribuição de voos] em Lisboa.

Confidencial

Já o presidente da comissão de inquérito à TAP considerou hoje que a divulgação de informações confidenciais em órgãos de comunicação social é um “ataque ao coração da democracia”, que merecerá punição exemplar de responsáveis.

“Eu acho que isto é um ataque ao coração da democracia. São coisas que nos fazem pensar, efetivamente, que nem todos estamos a fazer o que devemos fazer pelo bem e pelo interesse público do nosso país. Acho que cumpre-nos identificar o que se passou, identificar os responsáveis e puni-los de uma forma que seja exemplar, até pelo exemplo público que possa ser dado”, afirmou o presidente da comissão de inquérito à TAP, o deputado socialista Jorge Seguro Sanches, no final de quatro audições de representantes de trabalhadores da companhia aérea.

Seguro Sanches referia-se à divulgação de mensagens de Whatsapp e de correio eletrónico, que envolvem o Governo, pela SIC e pela CNN Portugal, informações que também ficaram disponíveis esta manhã, na sala de segurança da comissão de inquérito.

“A confirmar-se, penso que na próxima reunião teremos de ter um ponto para tomarmos decisões em relação a esta questão”, realçou Seguro Sanches.

O deputado social-democrata Paulo Rios de Oliveira recordou que estas comunicações “têm um emissor e um destinatário”, embora tenha admitido que o momento da divulgação “empurra mais” a responsabilidade para o parlamento do que para os emitentes.

Por sua vez, o deputado comunista Bruno Dias disse não se recordar de uma comissão parlamentar de inquérito tão mediatizada que tivesse tantas notícias e comentários “sobre tudo, menos o que se trata na comissão”. “Alguém está a ganhar muito com isto, mas não é a Assembleia da República, nem a democracia, de certeza”, afirmou.

Jorge Seguro Sanches disse que não seria inédito a realização de um inquérito ao caso, que classificou como um ataque aos trabalhos da comissão, feito de uma forma “anti-democrática, ilegal e absolutamente inaceitável”.

“Mas acho que precisamos de conhecer exatamente o que aconteceu e ter a certeza absoluta das suspeitas que todos temos sobre o que aconteceu”, ressalvou o presidente da comissão.

O caso será discutido na reunião de mesa e coordenadores na sexta-feira de manhã, para decidir quais as respostas mais eficazes. “Tomaremos aí as deliberações necessárias”, adiantou Seguro Sanches.

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