Mundo Lusíada
Paulo César Câmara Teves é o Diretor Regional das Comunidades, departamento do Governo dos Açores responsável pelas áreas da Emigração, Imigração e Comunidades Açorianas. Este diretor tem acumulado quilômetros de viagem pelo mundo promovendo o papel, as atividades e a cultura açoriana. Na bagagem leva também o principal objetivo da sua função: fazer com que os ilhéus e os membros da diáspora se comuniquem, se conheçam e compartilhem experiências. Para isso, essa Direção Regional não poupa esforços para estar cada vez mais perto dos açorianos e açordescendentes espalhados pelo mundo.
Em entrevista exclusiva ao Mundo Lusíada, Paulo Teves revelou os principais desafios do órgão que dirige, falou sobre as ligações do governo do arquipélago com o Brasil e sublinhou o trabalho fundamental das Casas dos Açores em vários continentes.
Mundo Lusíada – ML: Como é o trabalho da Direção Regional das Comunidades?
Paulo Teves – PT: Inicialmente, e se tivermos em consideração que a emigração caracterizou a vida dos açorianos, a Direção Regional das Comunidades (DRCom) tinha como o objetivo acompanhar e apoiar as comunidades açorianas dispersas pelo mundo e todos aqueles que pretendiam emigrar e/ou regressar aos Açores, no seu processo voluntário ou forçado. Posteriormente e, com a chegada de novos cidadãos oriundos de outros países – imigração- para viver e/ou trabalhar no Arquipélago foram alargadas as suas competências no sentido de serem promovidas novas formas de assistência, cooperação e coordenação a estes cidadãos, em colaboração com outras entidades públicas e privadas. Atualmente, a DRCom é um departamento integrado na Presidência do Governo, na dependência do Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas, cujas competências assentam na dupla vertente da preservação da identidade cultural e da integração das comunidades imigradas, emigradas e regressadas.
ML: Que atividades são desenvolvidas?
PT: A Direção Regional das Comunidades desenvolve e promove atividades que assentam na preservação da identidade cultural e da integração das comunidades imigradas, emigradas e regressadas. Tem como prioridades despertar nos jovens o interesse pelas suas raízes, divulgar os Açores de hoje, nas diversas vertentes, estimular a preservação da cultura de origem, incentivar a integração dos cidadãos emigrados e imigrados e dinamizar as Associações e Agentes Comunitários. Além disso, organizamos este ano, nas ilhas do “triângulo” – Faial, Pico e São Jorge, um encontro dirigido a órgãos de comunicação social da diáspora açoriana para debaterem os seus desafios atuais e futuros, onde estiveram representados 37 órgãos de comunicação social da diáspora açoriana; realizamos a II edição da Corrida pela Interculturalidade, na ilha do Pico, com o objetivo promover a diversidade cultural através da prática do desporto, assim como o convívio, o conhecimento e o respeito entre diferentes povos e culturas; o Encontro de Maestros das Bandas Filarmônicas da Diáspora Açoriana, que reuniu 18 bandas filarmônicas para partilharem as suas experiências e vivências comunitárias, bem como receber formação nas áreas da composição musical e da direção e regência de bandas filarmônicas. Realizamos também um curso de formação para jovens açorianos e açordescendentes das comunidades da Diáspora, que engloba uma forte componente formativa em contexto de sala de aula e visitas às diversas entidades e projetos nos Açores; em setembro, realizamos, nas ilhas das Flores e Corvo, o XIX Conselho Mundial das Casas dos Açores, composto, agora, por 14 Casas dos Açores que se reúnem, anualmente, em Assembleia Geral, com a finalidade de analisar as ações e projetos desenvolvidos por cada instituição, definir estratégias de atuação comuns e identificar dificuldades e estratégias de superação das mesmas em consonância com a realidade das sociedades de acolhimento. No Brasil, realizamos a “Taça da Autonomia” e de 28 de outubro a 15 de novembro, os Açores estarão representados na Feira do livro de Porto Alegre, considerada um dos maiores eventos culturais do Brasil e a maior feira literária a céu aberto da América. A par de todas as iniciativas que desenvolvemos, dispomos de um serviço de Atendimento Público que abrange as nove ilhas do Arquipélago. Temos estabelecido Protocolos de Cooperação com várias entidades, concedemos apoios financeiros a entidades que desenvolvam projetos no âmbito da emigração, imigração e intercâmbios escolares, promovemos seminários e ações de sensibilização, temos vindo a apostar em novas plataformas de divulgação cultural online, como os Roteiros das Festas do Espírito Santo, dos Grupos Folclóricos e das Bandas Filarmônicas Açores/Comunidades e o portal do Conselho Mundial das Casas dos Açores. Na área social, destacamos a Rede Internacional de Organizações de Intervenção Social, uma plataforma coordenada e apoiada pelo Governo dos Açores, através da Direção Regional das Comunidades, que reúne representantes de cerca de duas dezenas de instituições dos Estados Unidos da América, do Canadá, da Bermuda e da Região Autônoma dos Açores.
ML: Existe ligação entre a Direção e as Casas dos Açores espalhadas pelo mundo?
PT: As Casas dos Açores são instituições açorianas, algumas delas criadas há mais de meio século, que desempenham um papel de relevante importância, na medida em que corporizaram o rosto da Região nas comunidades radicadas no estrangeiro. São elas que, nos nossos dias, representam no exterior a modernidade açoriana. Para além do desenvolvimento das suas atividades, que visam à divulgação e a preservação da identidade cultural açoriana, bem como o convívio entre os seus membros, promovem a imagem dos Açores e a defesa dos seus interesses aos mais diversos níveis dos setores público e privado. Para poderem desenvolver os seus projetos foi incrementado pelo Governo dos Açores uma nova política de relacionamento com as Casas dos Açores em ordem à sua valorização e à concessão de apoios que lhes permitissem concretizar os objetivos que presidiram à sua criação. Temos estabelecidos Protocolos com 15 Casas dos Açores sediadas na América do Sul: Brasil – Casas dos Açores de Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia; Casa dos Açores do Uruguai; na América do Norte: EUA – Casas dos Açores de Hilmar e Nova Inglaterra; Canadá – Casas dos Açores de Ontário, Winnipeg e Quebeque; em Portugal Continental: Casas dos Açores no Algarve, Lisboa e Norte; e na Bermuda a Casa dos Açores da Bermuda. As Casas dos Açores, embora assentem em plataformas comuns de ação, tiveram, ao longo da sua existência, atuações diferenciadas: umas relevaram o ensino da língua portuguesa, outras o apoio socioprofissional, outras ainda imprimiram especial realce às vivências etnográficas e musicais. Acrescento que, anualmente, é realizado o Conselho Mundial das Casas dos Açores, que reúne, atualmente, 14 das Casas dos Açores em Assembleia Geral com a finalidade de analisar as ações e projetos desenvolvidos por cada instituição; definir estratégias de atuação comuns; identificar dificuldades e estratégias de superação das mesmas em consonância com a realidade das sociedades de acolhimento. Este ano, o XIX Conselho Mundial das Casas dos Açores realizou-se de 8 a 11 de setembro, nas ilhas das Flores e Corvo, sob a presidência da Casa dos Açores de São Paulo.
ML: Tem informações sobre as comunidades açorianas fora dos Açores?
PT: Por questões políticas e/ou devido às catástrofes naturais que assolavam o Arquipélago insular, milhares de açorianos rumaram a outros destinos, com o intuito de melhorar a sua condição de vida e/ou mesmo sobreviver. Dispersos pelas várias partes do mundo, os açorianos formaram comunidades, preservando as suas tradições e cultura, hoje um legado a transmitir aos seus descendentes. Brasil, Estados Unidos da América, Bermuda, e Canadá foram os destinos de preferência dos açorianos, sendo que hoje, e fruto dos milhares de açorianos que partiram para esses destinos, registramos milhares de açordescendentes por diversas partes do mundo.
ML: E como enxergam a proximidade com o Brasil?
PT: A nossa relação com o Brasil é secular, desde o seu povoamento. Santa Catarina e Rio Grande do Sul reúnem uma matriz cultural açoriana impressionante, para além do Maranhão, aonde os açorianos chegaram no início do século XVII, bem como o Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Ainda hoje, quando viajo para o Brasil para participar em reuniões de trabalho ou eventos da nossa comunidade, fico impressionado com os açordescendentes de várias gerações ao se designarem de açorianos! Afirmam a sua identidade açoriana com orgulho: “eu também sou açoriano”, dizem. Não é por acaso que hoje em dia consigamos identificar no Brasil muito dos traços culturais açorianos, seja na religiosidade, com a celebração das Festas do Divino Espirito Santo, na arquitetura ou nos sobrenomes de família. Continuamos a manter esta relação de proximidade, resgate da herança açoriana e de promoção dos Açores. Em 2014, o Governo dos Açores recuperou uma tradição já quase perdida no arquipélago – a renda de bilro. Durante um mês, rendeiras de Santa Catarina deram formação sobre esta arte a cerca de três dezenas de formandas da Região. Em 2015, foi inaugurada a Loja Açores no Mercado Municipal de Florianópolis, um espaço de afirmação e promoção da Região, do artesanato e produtos, do turismo e oportunidades de investimento, que resultou de uma parceria entre o Governo dos Açores, a Prefeitura Municipal de Florianópolis e a Casa dos Açores da Ilha de Santa Catarina. A equipe vencedora do Concurso “Açores: Mar de Culturas”, um dos projetos da DRCom, teve como prêmio uma viagem ao Brasil, nomeadamente a São Paulo e a Santa Catarina para que estes jovens compreendam o contributo açoriano no sul do Brasil, o que demonstra a importância que nós damos a esta relação de amizade Açores/Brasil. No Brasil, temos vindo a desenvolver todo este trabalho de preservação da cultura açoriana e de divulgação da Açorianidade em parceria com várias entidades, nomeadamente com as cinco Casas dos Açores e/ou com outras instituições prestigiadas como o Núcleo de Estudos Açorianos e o Instituto Histórico e Geográfico, em Santa Catarina, o Instituto Cultural Português de Porto Alegre, e o Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, entre outras, que muito têm contribuído para o resgate da Açorianidade, através das suas pesquisas acadêmicas e estudos.
ML: Que desafios a Direção enfrenta hoje no que diz respeito à promoção da imagem dos Açores?
PT: Este ano, os Açores celebram 40 anos de autonomia. Durante estas quatro décadas ocorreram muitas mudanças, o que hoje corresponde a um maior progresso e desenvolvimento da Região. Marcamos a diferença por termos conseguido desenvolver esta capacidade de não só nos adaptarmos às mudanças como também de ultrapassarmos os desafios. As nossas comunidades têm de reconhecer estas mudanças e saberem adaptar-se. Como mencionado pelo Presidente do Governo dos Açores, Vasco Cordeiro, “temos de ser os construtores da Autonomia do futuro”. É verdade que as primeiras gerações de emigrantes construíram na diáspora os alicerces que apoiam, até hoje, a identidade cultural açoriana, mas temos de pensar no futuro e por isso destaco aqui o papel que os jovens desempenham nas nossas comunidades – é necessário trabalharmos em conjunto com as comunidades para cativarmos os jovens açordescendentes a descobrirem as suas raízes, a manterem viva a relação entre as comunidades da diáspora e a Região.
ML: Por fim, uma vez que percorre vários destinos procurando promover a região, relate essa experiência e como vê a recepção das pessoas em relação ao que oferece o arquipélago.
PT: Onde quer que eu vá levo sempre os Açores comigo e sou sempre bem recebido pelas comunidades. Não me canso de dizer que os Açores de hoje são motivo de orgulho para todos e que muito se deve também às nossas comunidades de emigrantes que ajudaram o Arquipélago a enfrentar os maiores desafios. Os Açores surpreendem quem o visita. Hoje, somos um destino de excelência e de referência a nível internacional, materializado pelos vários prêmios que o Arquipélago tem vindo a receber como referência no destino de natureza. Somos nove ilhas, com características muito próprias, o que lhes confere esta autenticidade e mais valia devido aos aspetos diferenciadores de cada ilha. É muito importante que as nossas comunidades e quem nos visita compreenda que hoje temos uma Região que se transformou para melhor. As nossas comunidades açorianas não devem circunscrever a sua ação apenas pela dimensão do passado. As novas gerações de açordescendentes têm de conhecer os Açores pela experiência do que é vivido de modo a realçarmos a Região que somos hoje.