Da Redação com Lusa
O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que os preços das casas em Portugal estejam sobrevalorizados em 20%, embora estejam a descer, e avisa que os bancos devem preparar-se para eventuais riscos relacionados com incumprimentos no crédito à habitação.
A posição é transmitida pelo diretor do FMI para a Europa, Alfred Kammer, numa entrevista à agência Lusa em Bruxelas a propósito da reunião anual do Fundo, na qual o responsável afirmou que, em Portugal, “os preços dos imóveis para habitação estão sobrevalorizados em cerca de 20%”.
Salientando que esta é uma tendência semelhante à registada “em vários mercados imobiliários europeus”, Alfred Kammer disse à Lusa existir agora “um abrandamento no crescimento dos preços das casas, mas também um risco de que a correção dos preços dos imóveis possa ser mais rápida”.
Pelos impactos da covid-19 e da guerra da Ucrânia causada pela invasão russa, os preços das casas em Portugal têm vindo a subir acentuadamente, ‘puxados’ pela falta de oferta, pelas subidas dos custos de construção, pelas restrições aos licenciamentos e também pelo contexto inflacionista.
Esta elevada inflação tem inclusive levado a subidas nas taxas de juro sucessivas nos últimos meses, numa apertada política monetária levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) para atingir valores de 2% (quando agora rondam cerca de 4% na zona euro e Portugal) para garantir a estabilidade de preços.
Nesta entrevista à Lusa, Alfred Kammer alertou para “os riscos para a estabilidade financeira”.
“Os bancos na Europa e em Portugal são sólidos, mas devem preparar-se para estes casos, em que os titulares de hipotecas serão afetados em termos de rendimentos. Em Portugal, as taxas de juro chegam rapidamente ao quem tem empréstimos, uma vez que 90% dos créditos [à habitação] são taxas de juro variáveis e flutuantes, pelo que os bancos devem preparar-se para mais agregados familiares em dificuldade”, elencou.
O responsável especificou: “A nossa recomendação, para Portugal, é a de criar uma ‘almofada’ para o risco sistêmico setorial dos bancos, para que eles possam assegurar algum capital para lidar com as famílias quando estão a entrar numa situação de perigo”.
A rentabilidade do setor bancário continuou a aumentar no primeiro semestre, segundo dados do Banco de Portugal, que indicam ainda um aumento do crédito em risco na habitação no segundo trimestre deste ano.
Alfred Kammer reconheceu a crise habitacional no país, considerando que “o mais preocupante é a acessibilidade da habitação e do arrendamento”.
“É um problema porque, na verdade, teremos efeitos de crescimento. Vemos, por exemplo, jovens que não têm condições financeiras para arrendar casas nos centros urbanos, […] e que é uma questão social e […] mais ampla em toda a Europa”, concluiu.
O diretor do FMI para a Europa admitiu ainda que Portugal possa ser um dos países da zona euro com maior impacto da subida das taxas de juro porque “tem um rácio elevado de hipotecas com taxa de juro variável”, o que leva a que “a transmissão da política monetária seja mais rápida”.
A posição surge depois de, no final de setembro, o executivo português ter aprovado um novo mecanismo para garantir estabilidade às famílias, ter alargado a bonificação dos juros e prolongado a suspensão das comissões de reembolso.
Ainda no que toca à habitação, foram aprovadas, no final de setembro no parlamento, alterações legislativas ao nível do arrendamento, do alojamento local, dos imóveis devolutos e de impostos.
Medidas
FMI classificou as medidas do Governo para aliviar o impacto das taxas de juro no crédito à habitação como “provisórias” e que não solucionam a crise, pedindo que sejam temporárias e dirigidas aos vulneráveis.
“São medidas provisórias, não são uma solução a longo prazo para o problema da habitação”, reagiu o diretor do FMI para a Europa, Alfred Kammer, na entrevista.
Depois de, no final de setembro, o executivo português ter aprovado um novo mecanismo para garantir estabilidade às famílias, ter alargado a bonificação dos juros e prolongado a suspensão das comissões de reembolso, o responsável do FMI assinalou que “é a oferta de habitação que tem de aumentar e isso significa habitação social, […] mas habitação mais genericamente”.
“Isso também se reflete em termos de rendas e preços de arrendamento em que as pessoas são simplesmente excluídas do mercado da habitação e afeta em particular os jovens e as pessoas urbanas”, acrescentou Alfred Kammer, quando questionado pela Lusa sobre estas iniciativas.
No que toca às medidas provisórias adotadas, “dado o aumento das taxas de juro e o ‘stress’ que tem em alguns financiamentos habitacionais, o nosso conselho é que estas medidas devem ser temporárias e devem ser direcionadas para as famílias em situação de necessidade”, adiantou o responsável.
Alfred Kammer vincou que “o Governo [tem de] proteger os vulneráveis, mas ao mesmo tempo precisa de estar muito consciente do custo orçamental” destas iniciativas.
No final de setembro, o Conselho de Ministros aprovou um mecanismo que permite às famílias pedir ao banco para fixar a prestação dos créditos à habitação própria e permanente, com taxa de juro variável, durante dois anos.
A decisão contempla uma redução da prestação na medida em que a taxa de juro implícita não ultrapasse 70% da Euribor a seis meses.
Além disso, foi alterada a medida, em vigor desde março, de apoio à bonificação dos juros, alargando de 720 para 800 euros o valor máximo anual deste apoio, passando a bonificação a ser calculada sobre o valor do indexante (Euribor) acima de 3%.
Estas medidas surgem num contexto de aumento dos preços das casas em Portugal, também devido a tendências inflacionistas.
A elevada inflação tem inclusive levado a subidas nas taxas de juro sucessivas nos últimos meses, numa apertada política monetária levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) para atingir valores de 2% (quando agora rondam cerca de 4% na zona euro e Portugal) para garantir a estabilidade de preços.
Questionado pela Lusa se esta estratégia está a funcionar, Alfred Kammer vincou: “Com certeza que sim, a política monetária do BCE está a funcionar e vemos um aperto financeiro e um amortecimento da procura agregada e, por isso, a inflação está a descer devido aos preços mais baixos da energia, mas também devido às condições financeiras mais restritivas”.
“Por conseguinte, a política está a funcionar e existe uma orientação monetária restritiva. Estamos a atingir ou perto do pico em muitos países europeus”, estimou ainda.
Já falando sobre o ‘tímido’ crescimento econômico da zona euro neste contexto de condições financeiras mais restritivas, o responsável apontou que “Portugal beneficiou de uma recuperação pós-pandemia no turismo, nos serviços e o crescimento português está muito acima do que vemos” nos restantes países.
Segundo as mais recentes estimativas do FMI, o Produto Interno Bruto (PIB) português deverá crescer 2,3% este ano e 1,5% no próximo.