Semana passada a Suprema Corte definiu, por 10 votos a 1, que o pedido de investigação sobre denúncia feita pelo ex-procurador geral, Rodrigo Janot, contra Michel Temer, fosse encaminhado à Câmara dos Deputados para que, conforme prega a Constituição, seja votada se haverá análise ou não sobre o caso no plenário. Em agosto, Temer conseguiu se safar no Congresso, entre os deputados, evitando que a sugestão fosse adiante. Janot acusou Temer de corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. Agora, dois meses depois, novas motivações levaram a uma segunda solicitação da Procuradoria Geral da República e um segundo encaminhamento à Câmara. Como se já não bastasse um grande e histórico escândalo, temos que passar por um novo vexame desses. Uma situação que simplesmente coloca o País em péssima condição moral frente ao mundo e, aqui dentro mesmo, tem gerado um clima de desalento, de desencanto, estimulando inclusive, o aparecimento de desejos salvacionistas irracionais e um tanto quanto perigosos.
Esta deterioração, provocada pelo impeachment inconseqüente, guindando ao cargo uma pessoa que não foi exatamente a escolha dos eleitores, embora fosse vice na chapa vencedora, transparece cada vez mais nos verdadeiros objetivos do grupo que subiu ao poder: um mero rompimento do pacto social existente há década e meia, que proporcionava maior atenção às políticas públicas e uma postura mais nacionalista nas decisões governamentais. Por isso, houve o rasgar do Projeto vencedor nas urnas e a rapidez nos ataques aos direitos trabalhistas; aos cortes dos gastos públicos, sobretudo em educação, saúde e respectivos programas sociais, bem como as diversas privatizações que vem sendo feitas na Eletrobrás e Petrobrás, entre outras. Tudo a ‘toque de caixa’. E os brutais perdões ou facilidades nas dívidas de determinados setores da economia, como o caso das mineradoras, que iam receber uma área até então protegida na Amazônia, de 45 mil Km². Isto sem falar dos bancos. O Itaú ganhou um perdão de R$ 25 bilhões e o Santander, R$ 338 milhões, por exemplo. Ou seja: a deterioração fiscal, o chamado ‘rombo orçamentário’, deve ser corrigido com o esforço da grande massa, não dos grandes setores econômicos. Aliás, o rombo dos oito primeiros meses do ano com a atual equipe de gestores somou R$ 85,8 bilhões. E, além da economia que patina, não há uma luta profunda e honesta contra a corrupção, como foi propalado pelas lideranças e seus repercutidores, batedores de panela, antes da saída de Dilma, porque tanto o Congresso quanto a Justiça, revelam pouca disposição na ampla e dura condenação de acusados com provas veementes. Não estou falando aqui em meras delações premiadas, simples acusações que devem ser sim provadas cabalmente. Aponto para o dinheiro vivo, áudios e vídeos encontrados, que envolvem políticos ‘peixes grandes’ e empresários, afinal, a corrupção não é ‘característica do setor público’, ela é sistêmica e, portanto, alimentada pelo parceiro mercado. Faltam agilidade e amplitude aberta para aprofundar esses casos. Exemplos disso: o recente episódio de Geddel Vieira e a descoberta dos R$ 51 milhões em dinheiro vivo encontrado num apartamento em Salvador que, simplesmente, sumiu das manchetes. E, muito discretamente, neste dia 28 de setembro, o jornal Folha de São Paulo publicou que a Polícia Federal encontrou o logotipo da OAS em vários dos maços de dinheiro. A relação entre Geddel, amigo e articulador político de Temer e a OAS é há tempos investigada. Quando avançará a justiça no caso dele? Ou o fato do ex-assessor de Michel Temer e ex-deputado federal, Rodrigo Rocha Loures, denunciado por corrupção passiva e pego com uma mala com R$ 500 mil em dinheiro. Onde estão as investigações e desdobramentos policiais? As reportagens no paralelo? Dia 15 de setembro, o assessor parlamentar Mendherson Souza Lima, preso em maio, reclamou ao Supremo que não era justo estar de tornozeleira e prisão domiciliar enquanto Aécio Neves, senador do PSDB, investigado por se beneficiar de propinas da JBS, continua solto. O tucano mineiro foi gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo dinheiro e seu primo foi flagrado recebendo a propina. Vídeos e áudios disponíveis a todos na Internet. Qual aprofundamento do caso? E só o assessor ficou fora do combate? Onde está a grande mídia repercutindo isso de forma incessante. E assim segue. Há um sentimento no ar de hipocrisia, de parcialidade, de ausência de isonomia. E conseqüente descrença nas instituições. E como somos um país presidencialista, a figura que hoje se posiciona no cargo é um total desabono. Como escreveu o decano jornalista Jânio de Freitas, da Folha, sobre as articulações feitas por Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos denunciados, para barrar mais esta investigação: “a corrupção é o meio posto em prática por Michel Temer para derrubar a segunda denúncia criminal em que a Procuradoria Geral da República o acusa de corrupção. […] Como recurso de Temer, a distribuição de verbas e cargos é feita com o fim de beneficiar uma pessoa, para livrá-la de responder pelos crimes de que é acusada. À falta de elementos convincentes de defesa, comprar votos contra o processo é o seu recurso. Trata-se, portanto, simplesmente do mais óbvio e vulgar suborno pessoal. Crime também”. Com 3% de apoio, não é possível governar. E este egoísmo acaba por enlamear tudo. Vivemos um caos nunca visto de crise institucional. Não se acredita no Executivo e no Legislativo. O Banco Mundial e a Fundação Dom Cabral (2017-2018) acabam de revelar pesquisa que aponta, entre 137 países, o Brasil ter caído para o último lugar em confiança dos políticos para sua população. Éramos o nº 122 em 2008 (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40183416 e http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/09/27/entre-137-paises-o-brasileiro-e-o-que-menos-confia-em-seus-politicos/). Mas, a descrença atinge também o Judiciário, apontado como lento, caro e parcial. Já foi falado pela OAB que o teto constitucional para magistrados, por exemplo, é uma ficção. Gratificações e vantagens jogam o salário dos juízes para cima com muita força (https://www.poder360.com.br/justica/gastos-com-supersalarios-de-4-655-juizes-em-julho-foi-de-r-2296-milhoes/ ). Um escárnio frente a média da população, convocada para fazer esforços, em meio ao desemprego e precarização do trabalho. E até aqui, a própria Justiça não chegou ao judiciário, muito bem blindado. A corajosa ex-corregedora Eliana Calmon, anos atrás, falou na existência de uma ‘máfia de toga’ (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/16/politica/1487263344_802616.html). Quando se tocará nesse esquema dos tribunais?
Todo este quadro, sinteticamente apresentado, promove estímulos perversos de impunidade, de se achar que ‘levar vantagem’ é o que importa e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, para os mais exaltados e radicais (muitas vezes também ignorantes ou ingênuos), que trazer militares ao poder é a saída para a crise. Isto será um equivoco histórico se acontecer. Não podemos retroceder em nossa democracia. Estaremos andando para trás no contexto internacional. Não há salvadores da pátria ou heróis nacionais das Instituições. Nada substitui a vontade popular das urnas e a transparência da Justiça. Isto traz o que falta neste contexto todo: legitimidade aos governantes. São Paulo, 29 de setembro de 2017.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo