Mais um passo foi dado para a concretização do impeachment. Esta semana, o plenário do Senado aprovou o relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG) que julgou procedente a denúncia contra a presidenta afastada Dilma Rousseff por crime de responsabilidade. O resultado foi 59 votos a 21. Dilma, assim, vai receber o veredicto final em poucos dias. É a ‘pá de cal’.
Os parlamentares governistas estiveram tranqüilos, pois tinham a situação mapeada com segurança. Calculavam algo em torno de 60 votos a favor da cassação. Desta maneira, o quadro decisivo torna-se gravíssimo para as pretensões de retorno da presidenta eleita. O passo jurídico a seguir, em 48 horas, foi a apresentação de argumentos pró e contra o relatório, incluindo apontamento de testemunhas a depor. Após essa etapa ser cumprida, até o final do mês de agosto acontecerá, então, o julgamento definitivo quando os votos de 54 dos 81 senadores serão necessários para confirmar o impedimento, ou seja, serão necessários dois terços dos votos do Senado para condenar Rousseff, cinco votos a menos do que seus oponentes conseguiram na quarta-feira.
Para chegar à conclusão do relatório, Anastasia acolheu parte das denúncias elaboradas pelos advogados Miguel Reale Júnior, Janaína Paschoal e Hélio Bicudo. A principal acusação dos juristas é que Dilma cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas ‘pedaladas fiscais’, isto é, atraso de pagamentos da União a bancos públicos para execução de despesas. Para o relator, as pedaladas configuraram empréstimos da União com bancos que controla, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Por isso, a candidata eleita democraticamente por 54 e meio milhão de votos tornou-se ré e tem agora imensas possibilidades de ser cassada. O senador tucano Cassio Cunha Lima (PSDB – PB) disse então: “Não serão em cinco minutos que vamos mudar a posição de nenhum dos senadores, de nenhuma das senadoras. Todos já estão com suas convicções firmadas, e a maioria já manifestada, há poucos instantes conclui pela prática do crime de responsabilidade, porque, sim, a presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade”. Temer ficaria, assim, no cargo até 2018.
Os partidos aliados à presidenta Dilma queixam-se de um grande esquema atuar para que o impeachment seja levado adiante sem provas concretas e cheio de contorcionismos jurídicos para justificá-los. E não são somente eles. Nesta semana, o ex-candidato do Partido Democrata dos EUA, senador Bernie Sanders, declarou à imprensa: “Depois de suspender a primeira presidente mulher do país com bases duvidosas, sem um mandato para governar, o novo governo interino aboliu o ministério das mulheres, igualdade raciais e direitos humanos. Imediatamente substituíram uma administração diversa e representativa por um gabinete feito inteiramente de homens brancos. A nova e não eleita administração rapidamente anunciou planos para impor a austeridade, o aumento da privatização, e para instalar uma agenda social de extrema direita”. Sua preocupação existe porque o caso, a seu ver, representa “não um julgamento legal, mas, sim, um julgamento político”. Desta maneira, o senador norte-americano conclui: “para muitos brasileiros e observadores o processo controverso de impeachment lembra um golpe de estado”.
Ao mesmo tempo em que acontecia o julgamento, juristas e correligionários do governo Dilma protocolaram uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos. Segundo o grupo, a petição aponta um conjunto de questões que foram identificadas na tramitação do impeachment na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal que estão em desacordo com protocolos internacionais firmados pelo Brasil. Essa medida foi tomada apenas agora para que todas as possibilidades legais internas tenham sido esgotadas. Segundo Wadih Damous (PT-RJ) “estamos vivendo um golpe de estado com a participação do Parlamento e a omissão do Judiciário […] o STF se nega a exercer o controle, se recusa a coibir a ilegalidade e o golpe”. Pede-se que a OEA avalie e interfira com a restituição da normalidade democrática, anulando todos os atos e paralisando o processo até que sejam analisadas as possíveis violações. O quadro seria de conspiração.
Vale lembrar que Dilma está sendo vitimada por uma questão que colocaria nos últimos três anos 17 governadores igualmente para fora e, no entanto, ninguém deu bola para isso. E mais: em julho, o MPF/Brasília concluiu que não houve operação de crédito nas pedaladas analisadas, nem dolo da equipe do governo e muito menos crime fiscal. Exemplos outros de esquecidos praticantes de ‘pedaladas ficais’: a maranhense Roseana Sarney, o paulista Alckmin e o próprio relator Anastasia, conforme a Agência Pública. Também, meses atrás, Eduardo Cunha, liderou tranquilamente o início do processo do impeachment enquanto esteve na presidência da Câmara. Somente após cumprir este seu objetivo foi que perdeu o mando na casa e passou a ser processado por diversos crimes. Isto sem contar que 60% dos deputados que participaram daquela votação tem pendências jurídicas, segundo a EBC. E Renan Calheiros, presidente do Senado, responde por várias ações penais no Supremo. Quem, no entanto, está ‘pagando o pato’ é Dilma.
Enquanto isto, paralelamente, processos jurídicos contra políticos e empresários, caso especial da midiática Operação Lava Jato, continuam andando. Todavia, agora bem lentamente, com cuidado cada vez mais evidenciado. O jornal Folha de S. Paulo descobriu que dirigentes da Odebrecht informaram a Lava Jato sobre doação ‘por fora’ de R$ 23 milhões (hoje, R$ 54,5 milhões) à campanha presidencial de José Serra em 2010. Parte daquele montante foi depositada no exterior. Temer também teria sido beneficiado com R$ 11 milhões, via ‘caixa 2’, pago em dinheiro vivo na residência oficial do então vice presidente. Do valor, R$ 4 milhões foram para Eliseu Padilha, atual ministro da Casa Civil. Para o jornalista Janio de Freitas, Sergio Moro e os procuradores agora arrefeceram. Denuncias oferecidas não estariam importando mais como antes. Questionado por que a mulher de Cunha não foi intimada até agora, o juiz curitibano alegou ‘não ter o endereço dela correto’. E o impasse fica cada vez mais claro. A Lava Jato agora atropelaria tucanos e pemedebistas. Se confirmariam as ideias dos tapes gravados semanas antes de iniciar o processo de impeachment, por Sergio Machado, da Transpetro, em conversa com o senador Romero Jucá que disse “acho que a gente precisa articular uma ação política […] tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”. E Jucá alertava que o pacto deveria envolver o Supremo Tribunal Federal. Fica a questão: haveria uma ‘anistia’ raiando no horizonte? Portanto, mais seletividade? É uma autêntica esculhambação.
Neste momento, 79% dos brasileiros, segundo o Vox Populi, defendem a imediata saída de Temer, seja com novas eleições, seja com a volta de Dilma. Porém, isso tudo não vem ao caso. Como disse abertamente o âncora global William Waack após o relato de Anastasia ter sido acatado no Senado: “o que a gente vê, é que o que importa, na verdade, é criar uma narrativa política, não importam os fatos”. Tudo isto é, em síntese, uma grande vergonha contra a democracia no Brasil. São Paulo, 12 de agosto de 2016.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo