FOTO: J.REIS >> Vera, Fafá de Belém, e o Presidente da Casa de Portugal d São Paulo, Dr. Julio Rodrigues. |
“Somos tão portugueses na essência e na alma que acho ridículo algumas colocações preconceituosas sim, ou exigências desmedidas de expectativas frustradas, em relação a Portugal”.
Mundo Lusíada
Ela é natural de Belém do Pará, filha de portugueses e vive lá e cá. Atração do aniversário de 75 anos da Casa de Portugal de São Paulo, Fafá de Belém relatou, em entrevista ao Mundo Lusíada, a sua forte ligação com Portugal e com os portugueses.Segundo a cantora, sua participação na noite especial de uma das casas referências da comunidade portuguesa em São Paulo lhe permitiu apresentar um espetáculo completamente diferenciado. “Foi lindo. Eu queria muito misturar a minha história com a minha história com Portugal, então a idéia de começar com fado foi um pouco ousada, mas acho que deu certo” afirma. “Ano que vem faço 25 anos de convivência com Portugal. Foi muita honra para mim, eles me convidaram para participar do aniversário, uma data emblemática”.
Em uma entrevista risonha, como costuma ser a cantora querida nos dois países, Fafá de Belém falou que a sua relação com Portugal é resultado de muito trabalho, realização e essa mistura com a sua origem. Segundo ela, Portugal é o único povo que saiu para o mundo e “não saiu da sua alma” elogia.
“Quando eu cheguei em Portugal, era como se eu tivesse voltando a minha infância, eu me senti completamente em casa. É um sentimento que não se explica, é um estar na vida que é muito difícil explicar”. A religiosidade também é um dos fortes pontos de ligação com esta terra, mas não só, aponta a cantora. “É tudo, é uma alma portuguesa que havia na minha casa. A minha casa era portuguesa, com certeza. O papai chegava em casa do trabalho, já cortava uma cebola fina, colocava azeite português, um punhado de sal grosso e uma colher de vinho tinto, essa era a refeição dele. Então, acho que é a religiosidade, a gastronomia, esta questão de ser sincera e que alguns consideram bruto, foi assim que vivi. Cheguei em Portugal muito próxima”, conta a cantora.
ESTERIÓTIPOS Fafá foi uma das convidadas da série de TV Brasil-Portugal, produzida pela brasileira TV Cultura e a portuguesa RTP. Mas ela critica as imagens negativas entre colonizadores e colônia, a qual está muito mais presente no Brasil do que em Portugal, acredita. “Somos tão portugueses na essência e na alma que acho ridículo algumas colocações preconceituosas sim, ou exigências desmedidas de expectativas frustradas em relação a Portugal” critica.
“Em qualquer situação, como somos tão próximos, temos alguns estereótipos tradicionais. Eu quando cheguei há Portugal, há 25 anos, o relato que dou sem qualquer tentativa de ser simpática porque sou muito frontal, nunca me senti estrangeira em Portugal. Há momentos que tenho que me lembrar que não sou portuguesa”.
Ela ainda faz referência a sotaques diferenciados que aceitamos, como dos franceses, e com os portugueses e a mesma língua, “as vezes temos uma leitura preconceituosa” afirma. “Eu acho que o olhar estereotipado é mais daqui para lá. Portugal tem duas paixões enraizadas na sua alma, que é a África e o Brasil” disse Fafá, comentando que esta é uma visão geral da sociedade. “O Brasil não conhece e não reconhece ainda Portugal da forma que tem que conhecer e reconhecer. Nós temos duas leituras de Portugal: o primeiro imigrante que era um homem simples, que veio buscar possibilidade de vida, e o segundo imigrante foi obrigado a imigrar no 25 de Abril [Revolução dos Cravos]. É um pedaço da sociedade mas não o resumo do povo português. É importante que o Brasil descubra Portugal” diz emocionada, e declarando “muita saudade de Portugal”.
BENFICAFafá não esconde a alegria quando fala do Clube Benfica. Ela, que já foi convidada a cantar no Estádio da Luz no aniversário do clube, tem o privilégio de ter uma de suas músicas consideradas um hino paralelo da torcida, a canção “Vermelho”.
“Eu sou flamenguista, corintiana e torço para o Paysandu Club de Belém. Agora, como posso não reconhecer o carinho de uma torcida, e dizer que isso é só um trabalho? Ninguém implantou isso, a torcida começou a cantar nas ruas”.
Segundo ela, o dia em que esteve no Estádio da Luz foi tão emocionante que ela não se lembra. “No dia seguinte, quando estava na capa de todos os jornais, eu correndo e o decote baixou além do que devia, pensei ‘eu não vi’” conta às gargalhadas. Nesta ocasião, Fafá subiu no palco pequeno no meio do gramado e todo estádio cantava “Vermelho”. Com o mascote do clube nas mãos, a cantora deu três voltas olímpicas. “Como eu fiz, não sei. Eu me lembro da emoção, de quão forte foi quando pisei no palco” relata. “E o maravilhoso é também o carinho dos outros torcedores, que pedem para fazer a música deles. É um carinho tão grande”.
MEU FADONos anos 90, foi feita uma pesquisa com o povo português para saber qual artista eles gostariam que gravasse o fado. Foi por conta deste resultado, que surgiu o CD “Meu Fado”, o qual em pouco tempo esgotou no Brasil.O CD, que agora num relançamento vai virar DVD, nasceu de uma idéia do produtor Mario Martins, de revigorar o fado. “Assim como o nosso samba passou de lado em determinado momento, até que uma garotada de cabeça mais fresca redescobriu o samba. Eu acho que foi isso que aconteceu com o fado. Era essa meta do Mario Martins, e hoje vemos grandes cantores de fado jovens”. O produtor achava que alguma artista brasileira poderia encarar este projeto, e nesta pesquisa realizada, Fafá de Belém teve o maior índice de aceitação. “Foi mágico. Já havia tido uma tentativa com outra cantora, mas eles divergiram e a partir daí foi feita a pesquisa. Quando eu soube deste projeto, praticamente me joguei aos pés de Fátima” conta a cantora, aos risos. As preces deram certo, assim, depois de concluído, seguiu-se um ano de pesquisa, e quando Fafá chegou a Portugal, gravou o disco em quatro dias. Eles escolheram praticamente as mesmas canções, incluindo-se apenas o fado “Canção Grata”.Agora, o “Meu Fado” será relançado no Brasil, com um evento no Consulado de Portugal de São Paulo. “Eu quero fazer uma captação, fundamentalmente com empresariado português” diz ela. “Meu Fado quero transformar em DVD, com participação de músicos e cantores portugueses”.
MÚSICA CONTEMPORÂNEAComentando a atuação da portuguesa Tereza Salgueiro, que se apresenta em novembro em São Paulo, Fafá elogiou sua voz, postura e a forma de cantar “bem brasileira”. “É muito mais difícil, acredito eu, o português falar brasileiro sem sotaque e sem ser caricato. Ela fez um trabalho maravilhoso, mas qualquer coisa que ela faça é fantástico”.
A luso-brasileira elogiou os artistas contemporâneos portugueses, o que ela chamou de novo Portugal. “Rui Velozo, Luis Represas, Paulo Gonzo, Xutos e Pontapés, Dulce Pontes, Sara Tavares e os novos fadistas, os Clã, os Deolinda que estou encantada por eles. Tudo isso o Brasil tem que conhecer e reconhecer” diz.
“Ano passado não fiz nem um show em Portugal. Eu queria sair um pouco dos grandes espetáculos, dei uma parada de um ano, estive lá com meus amigos. Começamos a fazer piano e voz, em auditórios para surpresa de muitos, eu fiquei muito preocupada. Mas tem sido maravilhoso, com ingressos lotados” diz Fafá comentando o carinho do público português e equiparando ao brasileiro. “É igual, é o mesmo sentimento”. A artista mantém grandes amigos e uma vida em Portugal, até mesmo os seus deveres de contribuintes, brinca. Segundo ela, o muito trabalho porém lhe dá pouco tempo para os amigos portugueses.
DESCENDÊNCIAA luso- brasileira conta com uma vasta descendência portuguesa. Alguns familiares são de Castelo de Paiva, já os Figueiredos da família são de Vouzela registrados em Viseu, por parte de sua mãe a família é dos Açores, e seu pai cresceu em Leça da Palmeira, embora seja o único brasileiro da família. Nasceu em Belém, mas ele voltou para Portugal. Numa época, doente em Paris, seu pai chegou a ficar desenganado, recebeu a extrema unção e “se curou por milagre de Fátima”, relata Fafá. Seu pai então fez uma promessa de que a primeira filha mulher seria dedicada à Fátima, ela era a Fafá de Belém. “Nossa Senhora de Fátima está do meu lado antes mesmo de eu nascer. O que estreita ainda mais os laços com Portugal.”
Ela, que chegou recentemente de viagem, passando por Nova York, Portugal, Cazaquistão, estará já no próximo mês de novembro em nova apresentação na Casa de Portugal de São Paulo.
BRASILEIROS“Para entrar na casa de alguém entramos com educação e cuidado. As vezes o brasileiro entra com um pouco de intimidade sem ter conquistado ela. É fundamental que esse Brasil conheça esse Portugal de hoje, que se manteve igual nas tradições e com tudo o que se espera dos grandes centros”
TURISMO“Existem pessoas que passam por Portugal para chegar a Paris. Eu acho que elas tinham que ficar em Portugal e descobrir as maravilhas deste país”
LIGAÇÃO“Eu digo que minha ligação passa também por religiosidade mas não só. A estrutura familiar, o respeito, as tradições. Não sei onde meu coração deixa de ser verde e amarelo, e passa a ser verde e vermelho”.
FAMÍLIA“Recentemente estive em São Miguel, conheci toda a família e foi muito emocionante. Mamãe acabou de nos deixar há um mês, foi para outro plano, mas conseguimos achar os familiares dela, conheci a casa que vovó nasceu. Então, todas estas coisas me trazem uma ligação muito forte à Portugal”.