Por Thais Matarazzo
A cantora e radialista Irene Coelho foi um dos maiores expoentes da música popular portuguesa no Brasil. Embora brasileira, ao longo de toda sua vida, dedicou-se totalmente a propagação da cultura lusitana. Literalmente, Irene trocou o samba pelo fado.
Nascida na cidade de Rio Claro a 4 de julho de 1921, a artista foi batizada como Irene Aparecida Raymondo. Seu pai era calabrês e sua mãe era rio-clarense, filha de portugueses da região de Leiria, cidade da província da Beira Alta. Portanto, corria nas veias da artista sangue italiano e lusitano.
Ao completar 12 anos, em 1933, foi residir com sua família na vila ferroviária no Alto da Serra (atual Paranapiacaba). Para a diversão dos moradores havia o Clube Lira Serrana, onde Irene teve seu primeiro contato com o fado – e ficou apaixonada por este ritmo musical!
Quando completou 15 anos pediu o consentimento da mãe e do padrasto para estudar canto e guitarra portuguesa com o professor Alfredo Bastos, um afamado guitarrista estabelecido na cidade de Santos, litoral paulista. Bastos dirigia um programa na Rádio Atlântica, intitulado “Saudades de Portugal”, transmitido semanalmente às quintas-feiras. Foi nele que Irene estreou no Rádio. Era anunciada como Irene Raymondo e sempre escutava o seguinte comentário: “Raymondo não é sobrenome para uma fadista!”. Mas, depressa arrumaria um novo sobrenome…
Por volta de 1939 Irene passou a estudar canto com o professor Joaquim Gallas, na capital paulista. Conheceu Manoel dos Santos Coelho, um português “boa pinta”, comerciante e também aluno de Gallas. O fato é que os dois se apaixonaram e acabaram por se casar em julho de 1940.
Após nove meses de casados, Coelho presenteou a esposa com um programa de Rádio. Batizaram-no com o nome de “Melodias Portuguesas”. Estreado no domingo 13/4/1941 pelas ondas da Rádio Cosmos. Irene sempre se referia ao programa como seu “primeiro filho”. Em uma época que a mulher era reprimida – a maioria dos maridos não gostavam de ver suas esposas se tornarem artistas – o caso de Irene foi o contrário: Manuel foi o maior incentivador da esposa, contribuiu como pode para ela se tornar uma “estrela”.
No ano de 1942 o casal Coelho resolveu tentar a sorte no Rio de Janeiro – polo cultural e artístico do Brasil. O intuito da intérprete era conseguir gravar um disco. Alcançou sua finalidade após três anos, quando foi contratada pela etiqueta Continental, no seu primeiro disco 78 rotações constam os fados: “Amor eterno” (Antônio Ferreira / Américo Morais) e “Tua guitarra” (Belmiro A. Veiga). O acompanhamento ficou a cargo das guitarras de Antônio Ferreira e Fernando de Freitas.
Durante todo o período que permaneceu na “Cidade Maravilhosa” recebeu o apoio do fadista Manoel Monteiro. Em 1943, Irene recebeu de Monteiro e Joaquim Pimentel o slogan que a acompanhariam toda vida: “Princesinha da Canção Portuguesa”.
De volta a capital bandeira, Irene e seu marido deram continuidade ao programa “Melodias Portuguesas”, que durante toda sua trajetória passou por diversas emissoras de rádio. Todavia, nem só de música vivia o Casal Coelho: certa ocasião, Manoel Monteiro aconselhou seus amigos e colegas a abrirem um restaurante típico português, com música aos finais de semana. A ideia foi montar um local refinado, para frequência de famílias da comunidade luso-paulistana que podiam gastar uma média semanal. Manoel Coelho já tinha experiência no ramo, sempre trabalhou como comerciante no ramo alimentício. Em 1953, inaugurava-se o “Marialva”, à Rua Luís Goes, 994, em Vila Mariana. No interior havia um local exclusivo dedicado ao fado: o “Retiro dos Marialvas”.
Os negócios seguiam de vento em poupa e o casal Coelho brindou o aniversário do IV Centenário da cidade de São Paulo com um novo restaurante típico: o “Solar da Alegria”, em 1954, localizado à Rua da Consolação, 394. Atuavam artistas de gabarito e a própria Irene Coelho (atração principal).
Quando “Melodias Portuguesas” completou seu jubileu de prata, em abril/1966, Irene e Manuel decidiu se presentear com uma viagem de passeio a Portugal. Ela, porque sentina enorme vontade de conhecer o país que tanto amava e ele para rever seus parentes. Entre os meses de abril a junho/1966, percorreram Portugal de ponta a ponta. Em Lisboa, os dois frequentaram todo o ambiente fadista da cidade. Irene cantou, como convidada especial, em algumas casas de fado. Recordava-se com saudades da grande noitada ao lado da diva Amália Rodrigues.
Durante sua carreira foi alvo de muitas homenagens. A cantora gravou vários discos 78 rotações e LP’s. Seus maiores sucessos foram: “Nª. Sª. de Fátima”; “Chinelinhas”; “Bairros de Lisboa”; “Milagrosa Izildinha”; “Cachopa do Minho”; “Sete saias” e “Bailinho das couves”.
No início dos anos 2000, a artista estava bastante adoentada. Com o auxílio do filho Irineu Coelho (que lhe deu sete netos e é músico profissional), tocou seu “Melodias Portuguesas” até dezembro de 2007. O programa conservou-se durante mais de seis décadas que no ar.
Ou seja, ainda nos primeiros anos de sua carreira, com talento e coragem, Irene tomou para si o papel de divulgadora da música popular portuguesa, responsabilidade que manteve até seu falecimento aos 86 anos, em 7 de junho de 2008.
Em julho de 2011 foi lançada a sua biografia intitulada “Irene Coelho, uma brasileira de coração português”, pela editora Instituto Memória, de autoria da jornalista Thais Matarazzo.
Por Thais Matarazzo
Jornalista, escritora e pesquisadora musical. Autora do livro “Irene Coelho, uma brasileira de coração português”. Membro da UBE – União Brasileiro de Escritores. E colunista do Mundo Lusíada Online.
6 comentários em “Fado no Brasil: Irene Coelho”
Querida Thais
Quero, mais uma vez, lhe parabenizar pela bela tarde de autógrafo que pude prazerosamente compartilhar consigo hoje, 15 de março de 2013, no lançamento de “A Música Popular no Rádio Paulista, 1928-1960”.
Fiquei muito contente por notar como as pessoas gostam de você, reconhecendo seu talento.
Isso é ótimo.
No mais, reafirmo o que já falei para várias pessoas: você caminha para ser uma autêntica referência como foram ( e são ) Ary Vasconcellos, o sr. Ferrete ou Abel Cardoso Jr. Sua pesquisa é atenta, detalhada, bem feita. Não há preguiça no texto ou na informação.
É preciso que editoras ou institutos acordem para sua presença como autora e lhe financiem novas caminhadas.
Você é uma destas coisas que dão ânimo para um professor como eu continuar a lecionar.
Obrigado pelas oportunidades de prefaciar alguns de seus trabalhos, caso do supra citado e do livro de Irene Coelho.
Grande beijo para você
Prof. José Amaral
Há anos que tento localizar a letra da música “Traiçoeiro” um vira gravado por Irene Coelho. Saberias me dizer onde consigo?
Tem este vinil: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-868491072-disco-78-rpm-irene-coelho-chinelinhas-traicoeiro-_JM
Belíssimo trabalho.
Gostaria de saber como adquirir o livro sobre a Irene Coelho, bem como CDs. ou LPs. dessa cantora que me traz grandes recordações de quando eu era adolescente.
muito obrigado e abraços
As minhas melhores homenagens a essa ilustre e saudosa a ere brasileira que tão bem cantou as terras de Portugal
MUITO OBRIGADOS
Desde os meus tempos de crianca em Portugal antes de emigrar para os Estados Unidos com 10 anos, Irene Coelho foi,e continua a ser, uma das poucas cantoras que me “enchem as medidas”….O seu reportorio musical e admiravel porque ali se encontra a verdadeira alma da musica portuguesa, do fado as cantigas populares. A gravadora Continental (se e que ainda existe) deveria publicar essas melodias desses discos de 78rpm, mas gravacoes das matrizes originais e nao dos discos, que mesmo nas melhores condicoes ainda soam “riscados”….Estas cancoes constituiriam uma autentica homenagem a uma grande artista, Brasileira mas com coracao Portugues. Que Deus a tenha no reino da Gloria!!