Da Redação
Com Lusa
O Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, vai receber a partir de domingo uma exposição sobre a Exposição do Mundo Português, realizada em 1940, e como esta transformou, urbanisticamente, Belém.
Intitulada “Belém, Demolir para Encenar”, a exposição está patente até maio, no Padrão dos Descobrimentos, um dos monumentos construídos na sequência da Exposição do Mundo Português, apesar da oposição do seu autor, o arquiteto José Cottinelli Telmo (1897-1940) que defendeu a efemeridade da exposição, e a demolição do padrão inicialmente construído em estuque e outros materiais menos sólidos, disse o arquiteto e comissário da mostra, Pedro Rito Nobre.
“Cottinelli Telmo escreveu várias vezes a valorizar o caráter efémero daquela arquitetura”, afirmou o comissário da exposição.
A ideia é que a Exposição do Mundo Português “fosse um mundo de fantasia, que ficasse no imaginário e essa efemeridade permitiu que os arquitetos experimentassem novas e ousadas soluções, como não era para sempre a experiência podia ser feita sem grande consequência”.
“Não havia assim aquele peso da arquitetura, era fugaz e permitia ser-se ousado e muito inovador”, sublinhou.
A Exposição do Mundo Português ocupou uma área de 440.000 m2 e foi “construída num tempo recorde, um prodígio”.
“Ao mesmo tempo que o antigo núcleo urbano era destruído a escopo e martelo, sem maquinaria, erguiam-se os novos pavilhões para a exposição”, contou.
Este “arrasar” do antigo núcleo urbano de Belém não foi feito sem críticas e contestação social, um dos aspetos abordados na exposição do Padrão, e um dos porta-vozes dessas críticas foi o jornal Ecos de Belém, que “talvez por ser regional escapou às malhas da Censura”.
O jornal Ecos de Belém “conta, número a número, o que ia acontecendo, nomeadamente as demolições de lojas e prédios”.
Pedro Rito Nobre citou um texto nos Ecos, jornal que apontou como “uma voz isolada” e “muito acutilante e direta”, “em que se lê que ‘espoliar para o Estado ou para a Câmara [Municipal] também é espoliar’, isto é, roubar”.
A área frente ao Mosteiro dos Jerónimos foi sempre “um espaço aberto, vazio, era a antiga praça D. Vasco da Gama, e foi sempre respeitado pelos reis e pela República, como um espaço espiritual, se quisermos, mais para manter a visibilidade dos Jerónimos, pela sua importância, frente ao rio, mesmo depois da diminuição do tráfego das naus”.
Um antigo chafariz, o dos Golfinhos, que ali existiu foi colocado noutra zona da cidade, no Largo do Mastro, junto à colina de Sant’Ana, na atual freguesia de Arroios.
Belém, antes da exposição de 1940, “era diferente, havia outras artérias, mantendo-se a Rua de Belém, como a central, a partir da qual se desenvolveu o núcleo urbano com as suas casas e comércios. O que vemos hoje é cerca de metade do que existia”.
Um dos núcleos da Exposição do Mundo Português era o bairro comercial e industrial, “longe do discurso historicista da própria exposição”, que foi “relevante para perceber como o Estado Novo destruiu um núcleo urbano secular, para colocar mais uma recriação regionalista, que substituiu o que existia há séculos”.
Neste bairro – localizado onde hoje é a Rua da Praça, e foi o antigo mercado de Belém -, nas casas de tipologia regionalista, existiam ‘stands’ de marcas comerciais nacionais, das porcelanas aos tabacos.
Fora desta exposição ficou a Torre de Belém, “porque não se conseguiram destruir os gasómetros e gasodutos, uns cilindros pretos muito intrusivos”; o limite da exposição ficou onde é o Convento do Bom Sucesso, com um espaço dedicado às aldeias portuguesas.
A exposição no Padrão, patente até 17 de maio, inclui fotografias, documentos escritos, objetos tridimensionais, como maquetas, e filmes, abordando “um assunto pouco estudado: a ideia de urbanidade e as consequências que houve, refletindo sobre elas, e como a Exposição do Mundo Português definiu o caráter que ainda hoje se expressa em Belém”.