Ex-ministro acusado de abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação

Da Redação
Com Lusa

O ex-ministro da Defesa de Portugal, Azeredo Lopes, foi acusado pelo Ministério Público de abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação no “caso de Tancos” e proibido do exercício de funções.

O Ministério Público acusou no total 23 pessoas no caso do furto e da recuperação das armas do paiol da base militar de Tancos. Os arguidos foram acusados de crimes como terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, receptação e detenção de arma proibida.

Dos 23 arguidos, nove estão acusados do planeamento e realização do furto. “Um deles, militar, forneceu ao grupo executante informação acerca dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT), da sua localização, com indicação do melhor local para se introduzirem no respetivo espaço vedado, bem como do mau funcionamento das rondas”, lê-se no comunicado enviado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Notícias ao Minuto.

O mesmo documento esclarece que, de acordo com a acusação, os restantes oito arguidos executaram o plano. “Cortaram a rede, introduziram-se no perímetro da instalação militar, destruíram fechaduras de paióis e retiraram do seu interior várias caixas com material militar que ali se encontravam armazenadas, pertença do Exército Português”.

O material militar subtraído, no valor de cerca de 35 mil euros, algum de alta perigosidade, foi depois transportado para o terreno de uma familiar de um dos arguidos, onde ficou guardado.Estes indivíduos foram acusados, designadamente, por crimes de terrorismo (com referência ao crime de furto), de tráfico e mediação de armas,de associação criminosa, bem como de tráfico de estupefacientes.

“Estes indivíduos foram acusados, designadamente, por crimes de terrorismo (com referência ao crime de furto), de tráfico e mediação de armas,de associação criminosa, bem como de tráfico de estupefacientes”, explica a PGR.

Os restantes 14 arguidos, entre os quais militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da Guarda Nacional Republicana (GNR),de diversas patentes, um técnico do Laboratório da PJM e o ex-ministro da Defesa Nacional (Azeredo Lopes), são suspeitos da encenação que esteve na base da recuperação de grande parte do material militar subtraído.

Estão todos acusados dos crimes de favorecimento pessoal e denegação de justiça e prevaricação, sendo que os militares e o técnico do Laboratório estão também acusados, designadamente, por crimes de falsificação de documento, tráfico e mediação de armas e associação criminosa.

Dos 23 arguidos, oito encontram-se na situação de prisão preventiva e 11 (militares e técnico de laboratório) suspensos de funções. Os restantes encontram-se sujeitos à medida de coação de proibição de contatos.

O Ministério Público requereu, ainda, a aplicação a todos os arguidos da PJM, da GNR e ao ex-ministro da Defesa da pena acessória de proibição do exercício de funções.

Azeredo nega

Em comunicado, enviado à agência Lusa, Azeredo Lopes diz que “a acusação é eminentemente política, não tendo fatos e provas a sustentá-la”, reiterando que nunca foi informado sobre o alegado encobrimento na recuperação das armas furtadas do paiol de Tancos.

“Reitero que nunca fui informado, por qualquer meio, sobre o alegado encobrimento na recuperação das armas furtadas de Tancos, pelo que gostaria que ficasse claro que o então Ministro da Defesa não cometeu qualquer crime nem mentiu, tal como não o fez o cidadão José Alberto Azeredo Lopes”, lê-se no comunicado.

O antigo responsável pela Defesa lamenta que “tenha sido ao longo dos últimos meses profusamente julgado na praça pública, numa situação de absoluta desigualdade, através de fugas de informação cirúrgicas, não obstante o processo estar em segredo de justiça, sem que o MP ou a PGR tenham, que se saiba, levantado qualquer inquérito, tornando banal e corriqueiro um facto que viola gravemente a lei e os direitos dos cidadãos”.

Caso Tancos

A polêmica em torno do furto em Tancos, tornado público pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, subiu de tom depois da, aparente, recuperação do material na região da Chamusca, no distrito de Santarém, em outubro de 2017, numa operação da Polícia Judiciária Militar (PJM).

O então ministro da Defesa e o ex-chefe do Estado-Maior do Exército Rovisco Duarte, que se demitiu dias depois de Azeredo Lopes, em 2018, nunca mais tiveram descanso, sobretudo quando foi tornado público que a Polícia Judiciária investigou a sua congênere militar por suspeitar que o processo de reaparecimento não passou de uma encenação para encobrir os verdadeiros responsáveis pelo furto.

As notícias sobre o reaparecimento do material de guerra na Chamusca quase ‘abafaram’ o furto. Investigados em processos judiciais distintos, que viriam a ser posteriormente unificados, o furto e o reaparecimento do material militar foram alvo de um inquérito parlamentar, criado em novembro de 2018.

Sete meses depois, em junho passado, foi aprovado, à esquerda, o relatório final, concluindo que Azeredo Lopes “secundarizou” o conhecimento que teve de “alguns elementos” do memorando da Polícia Judiciária Militar sobre a recuperação do material furtado.

A investigação tinha conhecido uma reviravolta em outubro de 2018, quando a PJ desencadeou uma investigação à operação da Polícia Judiciária Militar que levou à recuperação do material militar.

No inquérito parlamentar, em que PSD e CDS acusaram o PS, PCP e BE, de quererem ilibar Azeredo Lopes, foram ouvidas 63 personalidades, incluindo arguidos no processo judicial, investigadores da PJM, comandantes operacionais e chefes militares, responsáveis das secretas, e o primeiro-ministro, António Costa, respondeu por escrito.

A demissão de Azeredo Lopes da pasta da Defesa, mais de um ano depois do furto, foi explicada com a necessidade de evitar que as “Forças Armadas fossem desgastadas pelo ataque político ao ministro que as tutela”.

Nos dias anteriores tinham-se avolumado as suspeitas se o ministro da Defesa teria tido conhecimento de uma operação da PJM que levou à recuperação do material furtado e que, segundo notícias publicadas na altura, teriam implicado o encobrimento de suspeitos.

Na carta dirigida ao primeiro-ministro, Azeredo Lopes negou ter tido conhecimento, “direto ou indireto, sobre uma operação em que o encobrimento se terá destinado a proteger o ou um dos autores do furto”.

E, na comissão parlamentar de inquérito, já como ex-ministro, Azeredo Lopes admitiria que foi “informado do essencial” do memorando da PJM sobre a recuperação do material furtado, pelo seu ex-chefe de gabinete, general Martins Pereira, em 20 de outubro do ano passado, dois dias depois da operação.

A demissão de Azeredo Lopes, substituído por João Gomes Cravinho, acabou por ser o mote para a maior remodelação governamental efetuada por António Costa, que além de do ministro da Defesa substituiu os ministros da Economia, da Saúde e da Cultura, que passaram a ser ocupados, respetivamente, por Siza Vieira, Marta Temido e Graça Fonseca.

No Exército, Rovisco Duarte foi substituído na chefia, pouco depois da posse do novo ministro da Defesa, pelo general Nunes da Fonseca. Quando apresentou a demissão, Rovisco Duarte justificou perante os militares que “circunstâncias políticas assim o exigiram”.

As repercussões da demissão de Rovisco Duarte ainda se fazem sentir, implicando uma reorganização na estrutura superior, sendo a mais recente a nomeação do novo vice-chefe do Estado-Maior, general Guerra Pereira, substituindo Campos Serafino, que passou à reserva.

O “mistério” de Tancos começou em 29 de junho de 2017, quando o Exército revelou que tinham desaparecido granadas de mão, munições e explosivos dos Paióis Nacionais, no distrito de Santarém, assumindo a violação do perímetro de segurança e o arrombamento de dois paiolins.

O então chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, foi o primeiro a admitir publicamente que o material tenha sido furtado com “informação do interior”, porque os paióis tinham sido “escolhidos a dedo”.

Dois dias depois do furto, Rovisco Duarte anunciou a exoneração “temporária” dos comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos paióis, que era assegurada através de rondas móveis.

O argumento usado foi a necessidade de não interferirem com a investigação que decorria, uma explicação que não foi compreendida no meio militar, registando-se baixas de peso na estrutura superior do Exército.

O comandante das forças terrestres, general António Menezes, e o comandante do pessoal, general Antunes Calçada, demitiram-se em discordância com a decisão de Rovisco Duarte, que, 15 dias depois, renomeou os comandantes exonerados, para as mesmas funções.

Na mesma semana, o jornal ‘online’ El Español divulgou a primeira lista pormenorizada do material declarado em falta pelo Exército português, na qual se incluíam munições, explosivos, fio detonador, granadas anticarro, explosivos e granadas de gás lacrimogêneo.

Assumindo o caso como “um soco no estômago” para o Exército, o então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Pina Monteiro, salientou que o material roubado valia só 34 mil euros e que parte dele, como as munições anticarro, estava selecionado para abate, colocando em questão “a possibilidade de ser usado com eficácia” por terroristas ou quem quer que fosse.

Em meados de julho de 2017, foram admitidas pelo Exército falhas na supervisão e vigilância das instalações. O chefe do Estado-Maior mandou instaurar inquéritos ao funcionamento do sistema de videovigilância, à intrusão nas instalações e à gestão de cargas e acabou por decidir a desativação dos paióis de Tancos.

O material militar armazenado na base de Tancos foi transferido para Santa Margarida, que beneficiou de obras para reforço da segurança do perímetro e das instalações, e para os paióis da Marinha, em Marco do Grilo, Seixal, operação que foi concluída no final de outubro do ano passado.

Em janeiro deste ano, foram concluídos os processos disciplinares abertos na sequência do furto, por “incitamento a falsas declarações” e “ausência de rondas”. Para o Exército, o caso era dado como encerrado.

Num relatório entregue ao parlamento em março, Azeredo Lopes remeteu as respostas sobre “quem, quando, porquê e como” para o fim da investigação em curso pelo Ministério Público e fez o historial das instalações militares de Tancos, desde a origem, nos anos oitenta do século passado, e as suas “constantes dificuldades e insuficiências”.

Em julho passado, quando foi constituído arguido, Azeredo Lopes declarou, através de um comunicado, estar convicto de que seria completa e absolutamente ilibado de quaisquer responsabilidades no processo, afirmando que nada fez de “ilegal ou incorreto”.

Quanto ao atual ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, estabeleceu como prioridade garantir que o material militar dos ramos estava em segurança e restabelecer as condições para que o Exército pudesse virar a página depois do que o anterior Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, general Pina Monteiro, classificou como um soco no estômago.

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