“Eu sou dos poucos a dizer que não há comunidade portuguesa em França”

Por Ígor Lopes

Hermano Sanches Ruivo, jurista, é hoje um nome de referência na política e na comunidade lusófona em França. Defende a língua portuguesa e aposta no envolvimento comunitário como instrumento para “impactar positivamente as sociedades”.

Nascido em Alcains, Castelo Branco, em 1966, Hermano Sanches Ruivo chegou à França aos cinco anos de idade na companhia dos pais, onde abraçou a sua herança portuguesa, conquistando espaço profissional em torno da valorização das suas raízes.

É formado em Direito internacional, preside à ACTIVA – Grupo de Amizade França Portugal das Cidades e Colectividades Territoriais, militou no movimento associativo, em volta das temáticas da Europa, da solidariedade, da defesa dos direitos do Homem, da cooperação internacional, da juventude e da lusofonia. Presidiu à Associação Cap Magellan, maior associação de jovens lusodescendentes na Europa e a Coordenação Nacional das Colectividades Portuguesas de França (CCPF) com mais de 900 associações franco-portuguesas.

Nas eleições autárquicas de 2008, foi eleito vereador de Paris, nas listas de Bertrand Delanoë (PS). Tornou-se assim o primeiro vereador franco-português para a cidade de Paris. Foi eleito Vice-presidente da Comissão das Relações internacionais. Durante as eleições autárquicas de 2014 e 2020, foi reeleito vereador de Paris, integrando a Comissão das Relações internacionais, Assuntos europeus, Jogos Olímpicos e Democracia participativa.

Membro de mais de dez conselhos de administração em representação do Município de Paris, participou na rede de cidades EuroCities, na AFCCRE, agência francesa do comité europeu das regiões, como também na associação IMPACTS, rede europeia de grandes cidades para o intercâmbio de informação e boas práticas na mobilidade urbana e nas políticas de transportes. É casado, pai de dois gémeos. Visita com muita regularidade Portugal, partilhando o tempo entre Lisboa, Castelo Branco e Proença-a-Nova. Todo este percurso histórico familiar e experiência profissional e associativa fazem este cidadão franco-português acreditar que trabalhar em prol das comunidades portuguesas é o caminho para a valorização e promoção de Portugal.

A nossa reportagem conversou com Hermano Sanches Ruivo em agosto deste ano durante o Festival Mais Solidário, promovido pela Associação Quatro Corações em Castelo Branco. O evento, recheado de emigrantes e imigrantes, foi o local indicado para este responsável defender investimentos no Interior e uma mudança de mentalidade necessária em torno do papel da diáspora lusa, sobretudo em França.

O que significa a sua participação no Festival Mais Solidário?

Castelo Branco, além de ser também a minha terra, é uma das cidades do Interior e Portugal tem uma diferença abissal entre o litoral e o Interior, portanto, todos os projetos que tenham a ver com o desenvolvimento do Interior são importantes. O Festival Mais Solidário, além da própria temática, da forma de organizar e da equipa, tem essa capacidade, ano após ano, de tornar cada vez mais Castelo Branco a parte central, e só por causa disso é preciso realmente apoiar.

Como é a relação da comunidade portuguesa em França com as autoridades locais?

Nós não podemos apenas agradecer os apoios, muitas vezes até são escassos, que não são dados, mas que têm tido um aumento concreto, porquê? Porque justamente a diversidade das atividades é mais consequente. Quem está em atraso é a França. A França considera, por exemplo, os lusodescendentes como algo que Portugal é que deveria tratar. Portanto, também temos uma batalha onde isto está a ganhar terreno, por exemplo, na segurança rodoviária, temos agora apoios concretos da direção da segurança rodoviária francesa. Portugal tem uma visão ainda diferente, pois reconhece obviamente o trabalho, sabe qual é a importância da camada lusodescendente, mas, por estas razões, nós estamos agora a reequacionar o investimento que os nossos pais tiveram em Portugal, porque acabamos de manter os investimentos que os nossos pais fizeram muito naturalmente, 3.2 mil milhões de euros anuais, e o retorno que Portugal teve para as comunidades não foi minimamente ao nível que podia ser. Portanto, a nossa posição é a de levantar os problemas, trazer algumas propostas de solução, a cota dos 7%, por exemplo, mas é também de ficar sempre naquela direção, dizendo assim: cuidado, a força de Portugal não pode estar apenas e somente aqui dentro do território, tem de utilizar, tem que quase abusar de forma positiva dessas comunidades espalhadas pelo mundo inteiro. Relembro, e é um exemplo, pode não ser o melhor e peço desculpa, mas, de facto, os atletas portugueses, a seleção portuguesa, é a única seleção, são os únicos atletas que jogam em casa em França, além da equipa francesa, mas que jogam em casa na Alemanha, e é isso que é preciso realmente compreender e não esquecer.

Vimos isso acontecer inclusive no Europeu de Futebol deste ano. Portugal foi muito bem acolhido na Alemanha e agora nas Olimpíadas de Paris também. A prestação de Portugal foi acompanhada de perto por centenas de portugueses nas bancadas dos grandes palcos desportivos no país. Aliás, a França é o país europeu com o maior número de portugueses emigrados, seguida depois pela Suíça. Como caracteriza essa comunidade que vive hoje em França e em que locais essa população portuguesa está espalhada?

É preciso admitir que podemos ter posições um tanto diferentes sobre a experiência de 30 anos. Eu sou dos poucos a dizer que não há comunidade portuguesa em França, porque uma comunidade implica uma rede a funcionar, implica lobbying, implica haver um alto conselho dos portugueses de França que todos os anos dizem quais são os nossos objetivos, qual é a meta, quantas medalhas é que nós teremos reconhecidas pela França, quantas noções de fiscalidade ou decisões ou leis podem ter. Portanto, de facto, há uma comunidade portuguesa que está espalhada pelo território francês. É preciso também compreender rapidamente que os sítios onde havia mais emprego nos anos 1970 também têm uma camada mais consequente e, portanto, há alguns focos de portugalidade e de presença portuguesa mais consequente em França, mas é realmente um espalhado. Estamos a falar de 45 mil PMEs e PMIs de origem portuguesa, estamos a falar, por exemplo, ainda de uma dezena de consulados, não é forçosamente o mais significativo, mas 600 associações, estamos a falar de 450 professores em todo o território, embora a língua portuguesa esteja numa posição muito infeliz, não tem o investimento que deveria ter. Portanto, se nós todos conhecemos a região de Paris como sendo um dos focos importantes, Bordéus, Lyon, Estrasburgo, Lille, mas depois, de facto, no centro, como também do lado da Bretanha ou da Normandia, temos portugueses um bocado por todos os lados. Eu que estou a presidir o grupo da amizade das Cidades Geminadas, também tenho de dizer que são 270 que nesta altura que têm uma cooperação, existe uma cooperação entre uma Câmara francesa e uma Câmara portuguesa. Não é pouco, os nossos amigos italianos nem isso têm.

Como é que bate o seu coração quando retorna ao seu, digamos, refúgio, Alcains e Castelo Branco?

Alcains foi a vila onde eu nasci em 1970, e não é muito o afeto, mas não pode ser só o afeto, e, portanto, eu sempre vi no regressar a Alcains – a minha mãe é de Proença Nova, por exemplo, também havia essas duas realidades -, mas sempre vi como sendo um sítio de paz, um sítio que realmente tem a ver com os melhores momentos da nossa vida. A minha esposa é da Figueira da Foz, portanto, ainda tivemos essa parte muito central. Agora, concretamente, para mim, nesses últimos 30 anos, é sobretudo uma questão de como é que o Interior pode realmente se desenvolver. E quando eu vejo a evolução positiva, mas quando eu vejo também todas as capacidades que este território tem, fico muito contente com a criação da Câmara de Comércio da Região das Beiras, porque de facto é preciso interlocutores, é preciso ativos, é preciso estruturas que conheçam o terreno e que sejam capazes, por exemplo, de receber uma série de investidores, de os convencer, mas de os trazer cá e de fazer com que realmente o Interior se possa desenvolver. Portanto, para mim não é apenas Alcains, é Castelo Branco, é Idanha, é Fundão, é toda a Cova da Beira, e depois passamos também sobre a realidade de como é que nós podíamos ser concretos, porque uma coisa é trazer dinheiro, outra coisa é trazer ideias, e outra coisa ainda é trazer o dinheiro e as ideias que correspondem às necessidades e às reais capacidades da própria região. É isso que está a ser desenvolvido e eu fico bastante satisfeito em ver, por exemplo, com a Câmara de Comércio, por exemplo, com as diferentes Câmaras, Idanha-a-Nova também tem uma ligação, Castelo Branco devia ter, Proença também devia ter, Sertã também devia ter, Vila de Rei já tem. Portanto, eu acho que os lusodescendentes são membros de uma mesma família, e é isso que é preciso compreender. Nós somos a mesma família, mas nem sempre ligamos aos nossos primos e tios e aqueles que estão mais longínquos. É isso que nós temos que conseguir.

Você lidera uma estrutura da Câmara de Comércio da Região das Beiras, como já frisou. Por que é tão importante apostar no desenvolvimento, no investimento no Interior de Portugal?

Bom, primeiro porque é uma questão de justiça, porque de facto não é normal que um país que procura um desenvolvimento sustentado tenha uma visão para o litoral e outra para o Interior, ou então uma falta de visão para o Interior. Portanto, aqui há uma questão também de justiça. Depois, há uma questão também de oportunidade. A única vantagem de estar um bocado parado no tempo é de se calhar poder trazer para aqui o que há de mais moderno. É de se calhar poder pensar justamente, não no que os outros já fizeram em 30 anos, mas no que nós devemos fazer e no que nós vamos ser os primeiros a fazer para os próximos 30 anos. Eu lembro de várias conversas com presidentes de Câmaras ou com empresários, essa questão, por exemplo, dos nómadas digitais, essa questão de sermos uma Silicon Valley porque temos aqui os meios para poder receber toda uma série de pessoas e de equipamentos, o facto, por exemplo, de termos um tratamento ligado à natureza completamente diferente. Se deixássemos de deixar queimar todas as nossas florestas, ainda ficaríamos muito melhor. Mas o meu sentimento é que, justamente, a única ou a principal vantagem do interior é de, por enquanto, ter ficado um bocado fora do mapa e, portanto, poder escolher o seu futuro, mas na condição também de utilizar os que cá estão e trazer os que realmente têm interesse em estar cá.

Como avalia a sua experiência como vereador na Câmara Municipal de Paris?

Bom, eu vou ser pouco politicamente correto. O sentimento que eu tenho desde pequeno é que em Portugal sou francês e em França sou português, e muitas vezes não dão reconhecimento a essa dupla cultura. Uns têm medo, se calhar, de sermos demasiado, e outros não compreendem simplesmente que a riqueza fundamental de um país como a França foi justamente essa capacidade em receber as outras culturas, e Portugal da mesma forma. Se Portugal tem acesso a realidades que outros países não têm, é justamente porque já tem 500 ou 600 ou 700 ou 800 anos dessas vivências. Portanto, não é fácil. Agora, é uma excelente experiência. Quando eu vejo que, a par do meu orçamento, é o orçamento de alguns municípios aqui em Portugal, não é uma questão de orgulho, é uma questão de compreender que justamente o dinheiro é importante, mas está sobretudo na sua própria aplicação. E, portanto, eu ficaria muito feliz que coisas que não correram bem em França, para as quais nós tivemos que pagar muito para compreender como fazer, pudéssemos trazer aqui alguma experiência, essa troca de boas práticas. Portanto, é essa experiência, primeiro e antes, que eu gostaria realmente de alimentar. Uma das formas de nós tornarmos as pessoas mais felizes é de dizer: justamente, vocês estão bem aqui e ainda podem estar melhores porque vão estar ligados com o resto do mundo. Isso é uma responsabilidade que os políticos, mulheres e homens, têm. É por isso que trazer a experiência para cá e dizer assim: bom, um exemplo, Paris está a ganhar essa enorme aposta, desafio da bicicleta, mas foi Amsterdão e Copenhaga que nos disseram como fazer. E uma parte do nosso alojamento social tem a assinatura de Viena e nós viemos a Lisboa procurar o orçamento participativo, que já tínhamos, de resto, começado a compreender em outros países. E por que não Portalegre? E por que não Brasil? Portanto, é essa coisa que eu gostava de realmente deixar: como é que os intercâmbios, como é que a diplomacia dos municípios devia ser muito mais consequente, porque é uma das maneiras também de travar algumas limitações dos governos que ficam bloqueados como nação e que não compreendem, justamente, que nós estamos na primeira linha com os habitantes.

Acompanhou os momentos iniciais das Olimpíadas de 2024 em Paris. Como é que a Cidade Luz acolheu os portugueses que foram acompanhar os Jogos?

Bem, mas porque os primeiros a acolherem os portugueses são os portugueses que estão a viver em Paris e essa é um bocado a resposta. É uma resposta, assim, mas não, mas de facto as coisas estão a correr bem. A cidade já estava pronta e, francamente, os Jogos Olímpicos são uma realidade de tal maneira diferente que eu acabo por compreender que, se calhar, é mais para os que vêm assistir aos Jogos Olímpicos, especialmente para aqueles que estão a viver na Cidade Olímpica. Essa noção de acolhimento foi uma boa prova, a cerimónia, as festas. Na verdade, os Jogos Olímpicos são a única real festa onde toda a família mundial está convidada. É importante que cada uma das Olimpíadas corra bem. E depois Paris tem algumas vantagens, e uma delas é ter aquela capacidade em criar espaços à frente da Torre Eiffel, ao Grand Palais e uma série de outras coisas.

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