Especialista moçambicana em migrações saúda visto CPLP mas critica burocracia

Reprodução / Portal SEF CPLP

Da redação com Lusa

 

A investigadora moçambicana Inês Macamo Raimundo, especialista em migrações, saudou a criação do visto CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas criticou os problemas burocráticos que ainda persistem pela falta de recursos nos consulados.

“Quando eu fui pedir um visto para vir cá estava tudo tão cheio, o que é um sinal de que as pessoas estão mais à procura” de viagens para Portugal, mas “os serviços não reforçaram os meios”, afirmou a investigadora à Lusa, neste domingo à margem da XXI Conferência Anual da Imiscoe (International Migration Research Network, na sigla inglesa), que decorreu em Lisboa e onde esteve como uma das principais palestrantes.

“Como é que eu posso interagir com colegas professores portugueses, por exemplo, se, para vir a Portugal, passo por tantas dificuldades?” – questionou, considerando que a criação dos vistos de mobilidade dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi uma “boa notícia” que “ainda precisa de ser concretizada”, através do “reforço de meios” nos consulados que facilitem a livre circulação.

Para a investigadora, “é mais fácil ir aos Estados Unidos da América do que vir a Portugal”, o que “não faz qualquer sentido”.

Inês Macamo Raimundo mostrou-se também preocupada com o fato de o discurso anti-imigrante estar a aumentar em todo o mundo, incluindo no continente africano, lamentando que o “grande desafio” em África é a África do Sul, onde “há um sentimento nacional xenófobo, como se os africanos estivessem a invadir” o país.

“Nós, os imigrantes, é que construímos a economia sul-africana” e a “luta contra o ‘apartheid’ foi liderada pelos países vizinhos”, recordou a investigadora, doutorada por uma universidade sul-africana, destacando o papel do seu país e do antigo Presidente moçambicano.

Frisou que “Samora Machel quis estar na linha da frente do combate ao ‘apartheid’” e “deu todos os apoios possíveis” à luta do Congresso Nacional Africano contra o regime racista de Pretória, nos anos 70 e 80 do século passado.

“Nós não dizemos que a África do Sul tem de nos compensar, não é isso. Mas é preciso compreensão” para quem procura trabalho noutros países, sustentou.

A investigadora considerou igualmente que na África do Sul é “mais fácil culpar quem veem de fora”, sublinhando que “são xenófobos contra imigrantes africanos e não contra imigrantes europeus”, o que mostra a persistência de uma “mentalidade colonial” no discurso político.

O novo governo de União Nacional na África do Sul, anunciado recentemente, inclui um partido “que diz claramente que quer expulsar os moçambicanos e congoloses”, numa “traição aos valores da luta contra o ‘apartheid’”, afirmou Inês Macamo Raimundo, referindo-se à Frente Libertária Mais.

O seu líder, Pieter Groenewald, será ministro dos Serviços Correcionais e apoia a autodeterminação de minorias no país (especialmente a minoria branca), defende a independência da província de Cabo Ocidental e tem pedido a expulsão de imigrantes por roubarem empregos aos sul-africanos.

É o “mesmo sentimento anti-imigrantes que se vê na Europa”, como se “a África do Sul não estivesse em África”, resumiu.

No encontro, a investigadora, doutorada em migrações forçadas, lamentou que a investigação sobre o tema das migrações esteja concentrada em “metodologia e conceitos do norte global”, o que afasta investigadores dos países menos desenvolvidos.

Inês Macamo Raimundo disse também que “são precisas verbas para investir nos países de origem das migrações e em metodologias adaptadas a essa realidade”.

Segundo a docente da Universidade Eduardo Mondlane, “são necessárias mais entrevistas, mais pesquisas no terreno para estudar os problemas” que levam à emigração.

Por outro lado, Inês Macamo Raimundo lamentou que os países mais desenvolvidos olhem os imigrantes como “uns coitadinhos” que “estão apenas a fugir de países não democráticos ou de guerras”.

Contudo, quando os cidadãos dos países mais desenvolvidos saem para outros países “já não são migrantes, são expatriados”, criando um “estigma” entre os migrantes, dependendo do seu país de origem.

“A migração é um direito. Porque é que não posso ter o direito de construir a minha vida noutro país?” – questionou.

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