Por Eulália MorenoEspecial para Mundo Lusíada
“Dom João VI dirigindo-se ao filho durante solene beija-mão a 24 de abril de 1821.”
“Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”
>> “Dom Pedro Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil”, óleo de Henrique J. da Silva, Museu de Petrópolis, Rio de Janeiro.
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Com a vida da família real para o Brasil e a abertura dos nossos portos, Portugal entrara em crise. Não contando mais com as riquezas que antes lhe vinham do seu comércio com o Brasil, o tesouro nacional minguara. E o povo sofria. O ressentimento dos liberais portugueses contra a sua monarquia manifestou-se em 1820, quando um movimento surgiu na cidade do Porto e logo se estendeu por todo o país. Constituição era a palavra de ordem.
As notícias da revolução puseram em polvorosa a Corte do Rio de Janeiro. Estava em jogo o destino do Reino Unido.
Dom João VI procurou ganhar tempo. Seus conselheiros achavam melhor agir, mas não sabiam que atitude adotar face ao dilema. Sugerir a volta do monarca para Portugal? Talvez fôsse melhor ir dom Pedro, ou seu irmão mais novo, dom Miguel.Entre sugestões e objeções, passava o tempo. Não se tomavam decisões. E, paralelamente à crise portuguesa, desenvolvia-se no Brasil algo mais ou menos parecido: os brasileiros não aceitavam regredir à antiga condição de dependência, o que decerto ocorreria se a Corte voltasse à Lisboa.
No dia 26 de fevereiro, o Largo do Rossio (atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro) amanheceu em tumulto. Tropas portuguesas, civis brasileiros, uma verdadeira multidão se reunira para protestar contra o Rei, que acabava de assinar um decreto cujos termos sobrepunham a autoridade real à Constituição.
Dom João VI não quis aparecer em público: encarregou Dom Pedro de ir ao local ver o que estava acontecendo. O Príncipe dirigiu-se ao Rossio, onde o advogado e padre Marcelino Macamboa apresentou-lhe as reivindicações do povo: reconhecimento imediato e aceitação irrestrita da Constituição que as Cortes de Lisboa promulgassem; demissão dos “ministros e funcionários que iludiam o Rei” e nomeação de “homens mais avisados”.
Temendo uma revolução geral, o Rei concordou com todas as exigências que o Príncipe levou ao seu conhecimento. Pouco depois, da varanda do Teatro São João (onde é hoje o Teatro João Caetano), dom Pedro anunciou aos manifestantes que dom João VI estava de acordo com a vontade popular e que o autorizara a jurar, em seu nome, a Constituição “tal qual se fizer em Portugal pelas Cortes…”
O comício aumentou a força do liberalismo brasileiro e fêz dom Pedro estrear como político aos 21 anos. Levado em triunfo pelo povo até a Quinta da Boa Vista, de lá voltou com dom João VI até o Paço da cidade, onde receberam grande aclamação.Alguns dias mais tarde, a 7 de março, foram publicados dois decretos que refletiam o vigor das novas idéias. Um regulamentava a eleição de deputados brasileiros para as Cortes de Lisboa. O outro dispunha sobre a volta do Rei a Portugal, deixando dom Pedro encarregado do governo provisório do Brasil e designando os ministros e secretários que deveriam assessorá-lo.
Novamente o Rio de Janeiro se agitou. Alguns grupos se opunham à partida da família real; outros aceitavam que os reis fôssem, mas não os cofres do Estado que, segundo os muitos boatos que circulavam, já estariam nos navios prontos para zarpar.
No dia 21 de abril, aniversário do enforcamento de Tiradentes, aos gritos de “aqui quem manda é o povo” e “haja revolução”, a multidão reunida na Praça do Comércio exigiu que dom João jurasse a Constituição espanhola, adotado na cidade de Cádiz em 1812, durante os levantes da Guerra Peninsular, e que haviam se tornado uma inspiração para os revolucionários portugueses em 1820. Desta vez, a manifestação terminou em tragédia, violentamente reprimida pelas tropas comandadas pelo Príncipe dom Pedro. Trinta pessoas morreram e outras dezenas ficaram feridas.
No dia seguinte, através de duas proclamações – uma ao corpo militar e outra ao povo em geral – o soberano lamentou o sucedido e apelou para o patriotismo de toda a população. Dois decretos importantes foram publicados nesse mesmo dia 22 de abril: um anulava a aceitação da constituição espanhola e outro dispunha sobre a forma e poderes da regência do Príncipe dom Pedro, que ficava, assim, investido de plenos poderes para governar o Brasil.
Dom João partiu do Rio de Janeiro em 26 de abril, cinco dias depois do massacre da praça do Comércio e no real comboio composto de 13 navios levou o que ainda restava do tesouro real que havia trazido para a colônia em 1808. Iam com ele, além de sua esposa e filhos, 4.000 cortesãos e serviçais, aproximadamente um terço do total que o havia acompanhado na fuga para o Rio de Janeiro e ainda os restos mortais da Rainha dona Maria I, da sua irmã dona Maria Anna e do infante espanhol dom Pedro Carlos, vítima da tuberculose em 1812. Conta-se que o Rei embarcou chorando de emoção. Dom João estava prestes a completar 54 anos, teria de vida apenas mais cinco anos. Partia do Brasil inconsolável, mesmo porque, devido à tensão reinante, não houve festas, gente na rua, cidade iluminada.
Ao desembarcarem em Lisboa no dia 4 de julho de 1821 muitos deram graças ao rever a terra natal depois de treze anos de ausência. Dona Carlota Joaquina tira os sapatos e raspa-os nas pedras do cais: “Nem nos sapatos quero como lembrança a terra do maldito Brasil”, explicou aos representantes das Cortes que vieram recebê-los.
Alguns aplaudem, outros sorriem satisfeitos. Portugal está feliz. Só o Rei dom João VI fica em silêncio e com os olhos cheios de lágrimas. Terminava assim o sonho de um Império tropical. Dentro de pouco mais de um ano, o Brasil se tornaria independente.