Escritor diz que situação no Brasil é “enredo que editor recusaria”

Da Redação
Com Lusa

Em Portugal, o escritor brasileiro Eric Nepomuceno classificou, em entrevista à Lusa, a situação no Brasil como um enredo que o seu próprio editor rejeitaria por ser muito básico e de baixo nível.

Em conversa à margem da edição deste ano do Correntes d’Escritas, que terminou dia 24 na Póvoa de Varzim, Nepomuceno recusou que a situação do país possa ser considerada “complexa”: “Não é complexo, é linear. É uma farsa de muito baixo nível. Um enredo que o meu editor recusaria por primário. É imbecil. Os personagens têm um nível ético ínfimo, quando têm. Em geral, não têm ética alguma, e a realidade é uma grande ficção. O poder no Brasil hoje está na mão da TV Globo”.

“A realidade do Brasil hoje é um complô entre um poder judiciário completamente louco, autoritário, injusto, absurdo, e uma ‘mídia’ que nunca se democratizou. Nos outros países latino-americanos que saíram de ditaduras surgiram meios divergentes. No Brasil não tem um meio divergente”, afirmou o escritor e colunista, que trabalhou como jornalista durante décadas e reconhece, no entanto, que há vozes dissonantes na Internet.

Eric Nepomuceno aponta como exemplo do que classifica como manipulação o caso do Carnaval deste ano, que atingiu tal escala “que justificou a volta de um pesadelo que é a intervenção militar no Rio de Janeiro”.

“No Recife, a festa de Carnaval, aquela alegria. Na Bahia, aquela maravilha. São Paulo – o ‘túmulo do samba’ – aquela alegria na rua. No Rio, assalto, saque a supermercado. Houve violência? Claro. O Rio é uma cidade descontrolada. Um detalhe: a estatística da segurança pública mostra que este ano houve menos violência do que no ano passado. Onde chegou a violência? Nos bairros ricos, o que é imperdoável, como a gente sabe”, afirmou o escritor.

Segundo o jornal Estadão, que cita a diretora-presidente do Instituto de Segurança do Rio, Joana Monteiro, que disse não ter havido “nenhuma explosão de violência neste ano”, pelo contrário.

O também colunista, que se estreou em Portugal no final do ano passado com o livro de contos “Bangladesh, talvez e outras histórias”, disse nunca ter pensado que nesta altura da vida ia “1) viver um outro golpe de Estado e 2) que esse golpe não fosse provocar nada a não ser indignação” e maioritariamente junto das camadas mais velhas.

Questionado sobre que tipo de impacto pode ter a situação social e política na escrita de ficção, Eric Nepomuceno salientou que um escritor é influenciado por tudo.

“Não sou um marciano. Tudo o que eu vivo, direta ou indiretamente, vai aparecer no que eu escrevo. Agora estou escrevendo não-ficção, mas vai ficar essa marca. Quando voltar para a ficção – devo terminar um livro esse ano e estou cheio de anotações para o ano que vem – é claro que isso vai aparecer de alguma forma”, afirmou.

O escritor estabeleceu um paralelo com algo do seu passado: “Não tomo café há 32 anos. No que eu escrevo está o gosto do café que a minha avó paterna fazia e ela morreu em 1987. Nunca mais tomei café na vida. Tudo o que eu escrevo tem o café da minha avó, tem minha infância, meus amigos, minhas derrotas. Tem tudo”.

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