Entrevista: Danilo Miranda e a cultura sob uma perspectiva Ética e estética

Por Ingrid Morais 

Danilo Santos de Miranda é especialista em ação cultural e diretor regional do Sesc – Serviço Social do Comércio no Estado de São Paulo. Formado em Filosofia e Ciências Sociais, realizou estudos complementares de especialização na Pontifícia Universidade Católica e na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e no Management Development Institute, de Lausanne, Suíça. Foi Presidente do Comitê Diretor do Fórum Cultural Mundial em 2004 e presidente do comissariado brasileiro do Ano da França no Brasil em 2009. Atua como conselheiro em diversas entidades dentre as quais Fundação Itaú Cultural, Todos pela Educação, Museu Paulista, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, Museu de Arte Moderna. É membro da Art for the World, com sede na Suíça, e membro de pleno direito da ISPA – International Society for Performing Arts (EUA). Foi vice-presidente do ICSW – Conselho Internacional de Bem Estar Social de 2008 a 2010. Entre suas obras, como organizador, encontram-se: Ética e Cultura (2001), O Parque e a Arquitetura (2004), Cultura e Alimentação: Saberes Alimentares e Sabores Culturais (2007) e, Memória e Cultura: a importância da memória na formação cultural humana (2007).

Mundo Lusíada: De que forma o senhor vê o papel da mulher dentro do cenário cultural?

Danilo Miranda: Pergunta-chave que permite muita reflexão. A questão da igualdade absoluta entre todos, sobretudo entre homens e mulheres, mas entre todos de um modo geral, é a grande conquista civilizatória. Então se nós entendermos que o mundo todo evolui com os altos e baixos, com dificuldades aqui e problemas ali, mas no fundo para um caminho de igualdade absoluta, para um caminho onde o entendimento das pessoas será no sentido de que todos somos iguais mesmo, homens e mulheres participarão desse processo de maneira absolutamente igualitária. Nesse sentido, talvez esse machismo que está presente nas culturas de um modo geral, no dia-a-dia das pessoas de maneira muito sútil, muito tranquila, às vezes até imperceptível, deve ser combatido também. Se de um lado fortalecimento, do outro lado combate. E esse combate significa o quê? Significa uma vigilância permanente. Nós vivemos numa sociedade em que as questões referentes a esse assunto são gravíssimas, temos fatos diários. Às vezes mais de um fato diário “conhecido”. Sem falar dos fatos “não conhecidos”, não registrados, sobre a questão da exploração, da violência contra a mulher… Temos muito que caminhar! Acho que tem, portanto, uma presença vital. Para mim a questão é cultural, é questão de mexer nos valores que a gente de alguma forma tem em nossas mentes. A cultura é essencial para essa discussão. Eu defendo uma posição de busca permanente da absoluta igualdade. Isso significa fortalecimento da figura da mulher e o combate a tudo que seja contra isso, que muitas vezes está registrado e consagrado no conceito do machismo, muitas vezes verdadeiro, que está presente e precisa ser combatido efetivamente.

ML: Falando em “politicamente correto”, o senhor acha que é mais prejudicial ou benéfico para as artes hoje em dia?

DM: Tem um sim e um não. Tem o papel importante de estarmos atentos a alguns temas, por exemplo a questão racial, a questão da mulher, a questão LGBTQ+, são questões que você já assimilou, você tem presente. Agora, exageros sempre são condenáveis. Por exemplo, há um grupo de pessoas que defendem o fortalecimento, a presença da comunidade negra de tal forma que proíbe as mulheres que não sejam negras de usarem turbantes. Desculpe-me, isso é uma bobagem. Então se você não pertence aquela comunidade você não pode usar um turbante? Você não pode falar sobre determinados temas? Isso eu acho que ultrapassa um pouco o limite do chamado politicamente correto. Então tem espaço para tudo e essa consideração é totalmente equivocada.

ML: Na sua opinião, qual o melhor “treino intelectual” para o aspirante a Gestor Cultural? E se tivesse que dar conselhos, para que tipo de armadilha o alertaria?

DM: Leia muito, estude muito, aprofunde, conheça, viaje, esteja presente, veja tudo que possa ver em todos os sentidos. Agora, tenha critério. Primeiro critério é a busca de qualidade, ou seja, como buscar a qualidade? Referências, manifestações, leituras, as opiniões… “ah essa peça…” – ver o que está envolvido, ver o que já foi feito antes, ver quem está falando sobre ela. De uma maneira geral vemos claramente se ali tem algum aspecto mais positivo, mais importante, para fazer uma opção. Eu tenho que fazer opções toda hora. Eu tenho dez coisas para fazer num período x que vai caber três. Tem sete que não poderei colocar. Como faço essa decisão? A partir de informação. A partir de experiência. A partir de conhecimento. A partir de dados que eu vou levantando. Não é isso? Então eu acho que é importante ler, conhecer… isso pro gestor que toma decisões. O que é um gestor cultural? Além de administrar algum complexo, alguma coisa, algum espaço, é uma pessoa que vai fazer opções. Toda vez que você opta por alguma coisa, eu brinco falando isso, você “desopta” por outras. Nesse sentido, o que fortalece nessa decisão? Que é um trabalho que eu tenho permanentemente. Não sozinho. Tenho uma equipe imensa de pessoas para fazer isso. Acerta sempre? Não, às vezes erra. Mas é uma condição humana. Então é isso, contato, conhecimento, informação, mais profundamente pra você fazer as opções mais adequadas. As coisas tem que funcionar bem, inclusive para que a apreciação da obra seja melhor ainda. E aí você junta tudo. Essa é uma preocupação muito grande que a gente tem tido no SESC. Você vai dizer “– mas é perfeitíssima?” – Não. Tem lugar que não funciona.  Mas eu tenho muito cuidado de ter o melhor possível. Pras pessoas sempre serem tratadas da maneira mais digna e completa possível. Isso é fundamental. E a grande armadilha perigosa é a precipitação. É imaginar que pode ser um gestor perfeito no segundo dia que você entrou na empresa, na organização. É um processo lento, que demanda experiência, conhecimento, leitura, não é uma questão de idade. É um problema de preparo. Como para qualquer profissão bem executada exige uma certa experiência, um certo conhecimento. O perigo aí é imaginar que muito rapidamente já conhece tudo.

ML: Como o senhor acha que influenciou a sociedade, a cultura, sendo um especialista em ação cultural e ocupando a posição de Diretor Regional do SESC-SP?

DM: Eu gostaria de ter influenciado mais. Se eu já influenciei alguma coisa! É muito pretensioso você achar que está influenciando as pessoas. Eu acho meio exagerado você imaginar que você tem uma importância tão grande pra sociedade ao ponto de influenciar. Não é uma visão de uma modéstia exagerada, não é isso. É que eu acho que o ser humano individualmente ele é parte de um processo. Mas ele sozinho é pouco. Ele só faz sentido se ele está junto com muita gente. Nesse sentido eu faço parte de um movimento intenso que busca valorizar a cultura, valorizar o conhecimento, a informação e a capacidade humana de buscar o seu caminho. Então inevitavelmente você está influenciando e você é influenciado. Alguns são chamados ao papel mais amplo, mais responsável nisso. Por quê? Porque é a posição que a vida te ofereceu. Então você dá entrevistas, aparece na televisão, aparece abrindo um seminário, participa de debates, vai a conferências, discute, tá o tempo todo falando. E o essencial nisso é o conteúdo do que você fala. Tá falando por falar, que valor tem? Então qual é o conteúdo que eu acho importante? Esse conteúdo da valorização do ser humano permanentemente. Esse conteúdo que diz respeito à busca de uma sociedade melhor para todos. E não apenas buscar o sucesso material. Mas que seja uma coisa que tem a ver com a melhoria para todos. Então a influência existe e é mutua e permanente. Mas ela tem que ser entendida sempre com seu tamanho, com sua dimensão adequada. E não como se você fosse a pessoa mais importante do mundo. Ninguém é a pessoa mais importante do mundo. Somos humanos e temos as nossas qualidades e nossas falhas. E o importante é você buscar o melhor para todos sempre com uma perspectiva ética e de preferência estética. Onde a beleza esteja presente junto com o que há de melhor.

 

Ingrid Morais é Comunicadora e Advogada especialista em Entretenimento e Mídia.

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