Emigração como “o lugar do estranho” abordada em espetáculo em Lisboa

Da Redação
Com Lusa

A emigração como “o lugar do estranho e do inóspito” é o pressuposto que percorre toda a peça “#Emigrantes”, uma encenação de Ricardo Boléo, no palco da sala Estúdio do Teatro da Trindade, em Lisboa.

Porque os “emigrantes são estranhos nos países a que chegam e embora sonhem com o regresso ao país de origem, quando lá chegam também já são estranhos”, disse à agência Lusa Ricardo Boléo.

Para abordar este tema que dá continuidade ao seu trabalho dramatúrgico, o encenador partiu da peça “Os emigrantes”, do jornalista, ´cartoonista` e dramaturgo polaco Slawomir Mrożek (1930-2013), e de duas peças de teatro de Fernando Pessoa – “Os emigrantes” e “Os estrangeiros”, incluídos no livro “Teatro Estático. Fernando Pessoa”, publicado em agosto de 2017 pela Tinta-da-China e que reúne toda a criação teatral do poeta.

Dois homens fora da sua pátria – um que emigrou por razões políticas e outro que o fez em busca de melhores condições econômicas –, colocados num “sítio inóspito” a que chama “não-lugar” são as únicas personagens da peça que pretende chamar a atenção sobre o “efémero, o provisório” desse “tempo vivo de memória” que, nos movimentos emigratórios e imigratórios, “tanto pode limitar como impulsionar os seres humanos”, indicou Ricardo Boléo.

Estas personagens sem nome – são designadas apenas como operário e exilado político (este por opção própria e por ter sido expatriado) – acabam por ocupar o mesmo quarto no “não-lugar a que chegam”, num espaço cenográfico que faz lembrar o convés de um navio, como “espaço de algo em trânsito”.

Um é movido pela pulsão de juntar dinheiro para um dia poder voltar ao local de origem, o outro, mais intelectual, move-o a coerência de continuar a escrever sobre as razões ideológicas que norteiam a sua vida.

Todavia, o primeiro acaba por rasgar o dinheiro que poupou, enquanto o segundo destrói os escritos que foi acumulando “cientes de que estejam onde estiverem são sempre estranhos”, adiantou Ricardo Boléo.

No fundo, o comportamento dos dois homens acaba por materializar versos de Al Berto (1948-1997) que se fazem também ouvir na peça.

“O regresso nunca foi possível. O verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar, reduz os continentes a distâncias mentais. Aprende a fala dos outros – e, por cima dele, as constelações vão esboçando o tormentoso destino dos homens” são os versos de “Filhos de Rimbaud” que acabam por enquadrar e explicar o comportamento dos dois homens.

Em cena até 28 de abril, a peça pode ser vista de quarta-feira a sábado, às 21:30, e, aos domingos, às 17:00.

No dia 07 de abril, após o espetáculo haverá uma conversa com público e, no dia 14, às 15:00, uma mesa redonda subordinada ao tema “Emigrantes: habitar a sensação do inóspito”.

Com encenação de Ricardo Boléo e Sandra Boléo na assistência de encenação, “#Emigrantes” é interpretada por Carlos Vieira e Vítor Silva Costa.

O espaço cênico é de Eurico Lopes, e trata-se de uma coprodução do Teatro da Trindade Inatel e da companhia Em nome do caos.

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