Já de um tempo anterior a estas férias de Verão, o Presidente Jorge Sampaio teve a oportunidade de referir, em considerações suas à Agência Lusa, que a crise atual que as sociedades europeias enfrentam não é só financeira, nem económica, nem política, mas é também uma crise de valores, de cultura e de civilização, que já levou os cidadãos a ficarem dominados pelo medo.
Trata-se de uma afirmação com muito de verdade, mas também com grandes indefinições, tudo englobado naquele discurso político redondo com que o nosso antigo Presidente da República nos habituou durante os dez anos do exercício das suas altas funções, mas muito mais presente no segundo mandato que no primeiro.
Como é evidente, a crise financeira, económica e social não surgiu de modo espontâneo, antes foi a consequência do fracasso dos detentores do poder político dito socialista democrático, que em tudo acabaram por ir cedendo às exigências dos detentores dos grandes interesses, acabando por secundarizar a democracia e a estrutura que a suporta, e que tem de ser de natureza ideológica. E houve uma causa por detrás desta realidade que a quase todos hoje atinge: o fim do modelo do socialismo real nos países onde, com certa dose de acaso, se implantou.
Mas Jorge Sampaio tem por igual razão quando refere que é também uma crise de valores, de cultura e de civilização. Simplesmente, ao entrar nestes domínios, fá-lo já de um modo indefinido, nunca referindo o que entende por valores, nem qual a sua hierarquia. Que a crise é de valores, bom, todos nós sabemos, mas quais são eles, como se hierarquizam e qual a sua natureza? Bom, sobre tais essenciais realidades nada disse. Aliás, como sempre.
E concluiu, com toda a naturalidade e com a mais plena força da evidência observada: a crise atual já levou os cidadãos a ficarem dominados pelo medo. Simplesmente, Jorge Sampaio também aqui não vai suficientemente longe, porque o medo que reconhece existir deriva da perceção da incontrolabilidade, por parte dos cidadãos, do destino do País. Ou seja: os portugueses perceberam já que a democracia destes dias, por via do neoliberalismo, da globalização e da completa cedência do (dito) socialismo democrático àquelas ideias e aos grandes interesses que as impulsionam, é já meramente formal, tendo retirado qualquer parcela de controlo do exercício do poder aos cidadãos. Para se perceber que assim é, basta olhar as declarações deste sábado ao i, de Miguel Beleza: isso da soberania é uma treta!
Mas se Miguel Beleza, do PSD, fez esta inacreditável e limitadíssima afirmação, Luís Amado, ainda hoje militante do PS, não foi menos brando, acabando como que a pedir batatinhas e mais cedências do PS ao PSD. Quem o desconhecesse e o tivesse ouvido nesta sua intervenção na Universidade de Verão do PSD, pensaria, naturalmente, estar na presença de um militante laranja, mas da ala menos neoliberal do PSD de Pedro Passos Coelho.
Num ápice, assim como quem toma um copo de água, Luís Amado considera agora a reação do PS à RTP excessiva: o PS, ao tomar uma decisão de “desfazer” a opção de concessão da RTP, causa “desgaste” com o PSD e ocasiona “desvio de recursos”!! É caso para se questionar: em que se fica, PS ou PSD?!
Ou seja: tendo o PSD ganho as eleições anteriores, Luís Amado acha que pode cumprir, ou até não o fazer, o programa sufragado na Assembleia da República. Para Luís Amado, esta mudança na estrutura da RTP não é “desfazer” em nada, seja constitucional ou não. Mas se o PS vier a formar Governo, apresentar o seu programa, o vir aprovado, e por via dele mudar a posição que o PSD quer agora impor, isso é já “desfazer”. No primeiro caso, “desfazer” a opção de concessão da RTP, causa “desgaste” com o PSD e ocasiona “desvio de recursos”. No segundo caso, nem pensar nisso: fazer a opção do PS é que causará “desgaste”, ocasionando “desvio de recursos”. Bom, caro leitor, é caso para dizer: eu quér’áplaudirr!!
Devo dizer ao meu caro leitor, e com a mais plena sinceridade, que sempre que escuto, de há uns dois anos a esta parte, as considerações políticas de Luís Amado, lá se revaloriza um pouco, aos meus olhos, o percurso político seguido por Zita Seabra.
Termino com as recentes considerações de Edite Estrela, em torno de temas diversos da vida do País. Tendo razão em tudo o que disse recentemente, as suas considerações trouxeram-me ao pensamento algumas palavras do histórico académico, Pedro de Varennes e Mendonça, no seu Curso de Mecânica Racional e Teoria Geral de Máquinas: há razões para que assim suceda. E assim se dá também com o País, com a nossa dita democracia e com o lamentável comportamento do PS, à luz da regra de cada cabeça, sua sentença: com um PS onde algumas personalidades promovidas pelo partido a lugares cimeiros da nossa soberania colocam o partido como ora se viu com Luís Amado, é realmente caso para recordar Varennes de Mendonça, quando referia aos seus alunos, a propósito da Análise Dimensional, que há razões para que assim suceda. Triste sina, a do PS e dos portugueses!
Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal