Mundo Lusíada com Lusa
O ex-presidente brasileiro Michel Temer defendeu hoje em Lisboa uma mudança do sistema político brasileiro para o regime semipresidencialista português, elogiando o exemplo de Portugal que interrompe mandatos e governos sem necessidades de processos de ‘impeachment’.
A primeira conferência internacional do Lide em 2023, começou neste dia 3, em Lisboa, com autoridades dos dois países. O evento discute institucionalidade e as possibilidades de cooperação pública e privada entre Brasil e Portugal.
Michel Temer, que chegou ao poder através do processo de ‘impeachment’ considerou hoje na abertura, que Brasília deve olhar para Lisboa como um exemplo de sistema político.
Em Portugal, “quando precisar de mudar o Governo, o Governo cai porque perde a maioria parlamentar e outra maioria parlamentar se forma e instala um novo Governo. E não há nenhum trauma, como ocorreu no Brasil, pelo chamado impedimento”, afirmou Temer, considerando que o ‘impeachment’ “virou moda no Brasil. A todo o momento é um impedimento”.
E esse foi o seu caso, admitiu. “Cheguei constitucionalmente ao poder num sistema patrocinado pelo legislativo e coordenado pelo supremo tribunal federal. É sempre um trauma institucional”, reconheceu Temer, na abertura do encontro.
“Quem sabe nós saiamos daí com a ideia que possamos aprimorar o sistema de Governo, implantando o sistema semipresidencialista e se calhar possamos voltar a falar de flores”, disse, num discurso em que evocou o 25 de abril, a Revolução dos Cravos.
O 25 de Abril permitiu que Portugal “se desenvolvesse extraordinariamente” e, hoje, o Brasil precisa da sua “revolução das rosas ou dos lírios para trocarmos flores e deixarmos os espinhos para trás”, reconheceu Temer, apelando a uma pacificação do discurso político.
“Ao longo do tempo temos tido uma divulgação de muitos espinhos, não podemos esquecê-los, mas devemos olhar para a frente e distribuir rosas ou lírios”, acrescentou, elogiando a tranquilidade do regime em Portugal.
O “semipresidencialismo que se adota em Portugal é um sintoma de tranquilidade” e os chefes de Estado e de Governo portugueses, de partidos diferentes, “trocam flores e conduzem Portugal com muita sabedoria”, disse, considerando que é isso que o Brasil precisa.
“Nós deveríamos caminhar para uma reforma do sistema de Governo”, disse, admitindo que o modelo brasileiro tem problemas estruturais. “Fala-se na extinção dos partidos políticos e pelo contrário há um acréscimo das chamadas siglas partidárias”.
Na sua intervenção, Temer destacou a importância de Portugal para o Brasil.
“Não é demais repetir que Portugal é a nossa pátria mãe, fomos descobertos por Portugal, mantivemos a nossa unidade territorial graças à presença de D. João VI que manteve a unidade nacional”, ao contrário do que sucedeu no resto da América Latina.
Hoje em dia, Portugal e o Brasil têm uma forte relação comercial, que “vem crescendo ano após ano”, disse Temer.
E “quando se começa a consolidar uma tendência de acordo Mercosul com a União Europeia, sem dúvida que Portugal pode ser porta de entrada dos produtos do Mercosul, em partícula do Brasil”, concluiu.
Raimundo Carreiro, embaixador do Brasil em Portugal, também fez uma fala de abertura, ressaltando a importância da cooperação entre os dois países. “Os temas que discutiremos são oportunos para as relações Brasil – Portugal, como é público e notório que em abril haverá a primeira cúpula presidencial bilateral em sete anos, as ideias que discutidas aqui poderão contribuir como subsídios para formuladores de políticas públicas”.
STF
Também presente no evento, juiz do Supremo Tribunal do Brasil Ricardo Lewandowski, manifestou-se otimista quanto a situação do país, em entrevista aos jornalistas.
“Eu avalio a situação do país de forma muito otimista. Eu penso que os atos terríveis, sérios, o episódio sombrio de 08 de janeiro, na verdade unificou o país depois da destruição da sede dos três poderes do poder legislativo, da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal”, salientou.
“O que nós vimos foi uma união dos brasileiros, uma união dos poderes, da união, dos governadores em torno da democracia e da própria governabilidade”, acrescentou.
Lewandowski defendeu a “necessidade urgente” de se regulamentarem as redes sociais, como sustentou o juiz Alexandre de Moraes, do mesmo tribunal e também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na mesma conferência empresarial.
“Eu penso que essa é uma necessidade urgente. Nós precisamos regulamentar as redes sociais, sobretudo para que não sejam disseminadas mensagens de ódio, de preconceito e também as ‘fake news’ que são extremamente perniciosas. Mas eu estou convencido de que, embora seja importante que os distintos países ou Estados soberanos editem legislações neste sentido, é preciso que haja uma regulamentação a nível internacional”, defendeu.
Relativamente à proposta do ex-presidente Michel Temer para que o Brasil adote um regime semipresidencialista, Lewandowski respondeu que “pessoalmente é contra”.
“Pessoalmente sou contra. Já escrevi a respeito disso. Eu penso que os latino-americanos em geral não se adaptaram ao parlamentarismo e nem ao semipresidencialismo. O Brasil em especial rejeitou por duas vezes, mediante o plebiscito, o parlamentarismo e penso que haveria muita dificuldade de se implantar um semipresidencialismo no presidencialismo atual”, vincou.
Já o ministro do STF Luís Roberto Barroso opinou destacou que a democracia sobreviveu e se fortaleceu, após os acontecimentos em Brasília.
O ministro traçou pontos sobre o papel do Brasil no mundo, na sociedade e no mundo empresarial. Do ponto de vista global, ele defende que o país precisa se estabelecer enquanto liderança global ambiental, valorizando a floresta amazônica como um ativo global, e não um passivo, para a geração de negócios.
Já no ponto de vista social, acredita que é necessário derrotar a pobreza e ter como prioridade absoluta o investimento em educação básica. Por fim, para beneficiar o livre comércio entre as empresas e a geração de empregos, afirmou que é imperativo realizar a reforma tributária para deixar de atravancar a economia e concentrar renda.
redes sociais
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes participou do evento por videoconferência, pediu legislação internacional que responsabilize as empresas que gerem as redes sociais pelo “trafico internacional de ideias contra a democracia”.
Durante o encontro empresarial Lide Brasil, em Lisboa, Moraes afirmou que o sistema judicial não está preparado para lidar com ameaças internas aos regimes democráticos e considerou que são necessários “novos instrumentos normativos nacionais e internacionais de uma nova regulamentação” que visem quem ataca as democracias.
Para tal, é necessário que as companhias que gerem as redes sociais “deixem de ser consideradas empresas de tecnologias” que “não são responsabilizadas pelo conteúdo” que divulgam. O “primeiro ponto central é que passem a ter a mesma responsabilidade que as empresas de media”.
O objetivo, explicou, não é que as autoridades possam analisar ou dar autorização à publicação de conteúdos, mas sim para responsabilizar as plataformas pelo que lá é publicado, como acontece com jornais, televisões, portais noticiosos ou rádios.
“Quem tem coragem para publicar, virtualmente ou não, discurso de áudio, ofensa a pessoas, deve ter a coragem de se responsabilizar” por isso mesmo no plano judicial. E isso “deve valer para os medias sociais”, afirmou o juiz.
Essa é uma das propostas que os juízes vão entregar ao congresso brasileiro de modo a prevenir novos ataques como aconteceu em 08 de janeiro, com a invasão dos poderes em Brasília.
E essa legislação deve ser internacional. “Do mesmo modo que se combate o tráfico internacional de droga ou de armas”, deve-se combater o “tráfico internacional de ideias contra a democracia”, defendeu.
“Precisamos de analisar de forma rápida e eficiente uma legislação internacional de defesa da democracia e do Estado de direito e de defesa das instituições” que juntem os “países que defendem as democracias liberais”.
Hoje em dia, há uma “perda de energia institucional” para “impedir os arroubos populistas do poder executivo” que deveria ser canalizada para o desenvolvimento econômico e social dos países, disse Alexandre de Moraes.
“O que surgiu de uma maneira democrática foi capturada pelos populistas, especialmente pela extrema-direita, e transformado num instrumento de lavagem cerebral” afirmou o juiz.
No segundo dia de conferência internacional, a pauta será “Economia, Mercado e Tecnologia”. Os expositores confirmados são: Simone Tebet (ministra do Planejamento e Orçamento), António Costa Silva (ministro da Economia de Portugal), Raimundo Carreiro (embaixador do Brasil em Portugal), Abilio Diniz (presidente da Península Participações), Luiz Carlos Trabucco Cappi (presidente do Conselho do Bradesco), Luiza Helena Trajano (presidente do Conselho do Magazine Luiza), Isaac Sidney (presidente da Febraban), Guilherme Nunes (CEO da Capital Group) e Giorgio Medda (CEO da Azimut Group).