Por Carlos Fino
Presença constante de unidades do exército israelita fortemente armadas; centenas de postos de controlo – muitos deles móveis e levantados sem aviso prévio ao longo dos caminhos; gradeamentos onde se comprimem centenas de pessoas antes de serem submetidas a completa vistoria, num processo duplamente humilhante; câmaras de vídeo, células foto-eléctricas com disparo automático, vigilância ostensiva e intimidatória – este é o pão nosso de cada dia dos palestinos nos territórios ocupados.
De há uma década para cá, eles vivem ainda confrontados com um muro de quase 800 kms de comprimento ao longo de toda a fronteira da Cisjordânia, que nalguns locais atinge os 8 metros de altura – o dobro do famigerado muro de Berlim.
Às barreiras físicas, que incluem arame farpado, juntam-se barreiras electrónicas com vigilância remota, fossos anti-tanque, guaritas e postos de observação, e ainda vedações com trincheiras rodeadas por uma área de exclusão com 60 metros de largura, em média, ao longo de 90% de todo o perímetro.
Em 2004, a construção do muro foi considerada ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia, mas isso não impediu Israel de a levar até ao fim, cortando propriedades, dividindo campos de cultivo e colocando do lado israelita mais uma porção do já reduzido território da Palestina.
Com a agravante dos israelitas prosseguirem nesse mesmo território a construção de assentamentos – os célebres colonatos condenados pelas Nações Unidas – onde vivem hoje perto de meio milhão de judeus e que vão sistematicamente expandido a sua área em território árabe.
O muro engloba também o sector oriental de Jerusalém, onde os palestinos pretendiam colocar a capital do seu estado independente.
À ocupação militar e à opressão nacional, junta-se a discriminação económica, através de boicotes, divisão de terrenos e controlo de meios de produção, incluindo nascentes de água.
Segundo dados da ONU, em 2011, 33% da população palestina (1,8 milhão na faixa de Gaza e 4,5 milhões na Cisjordânia) sofriam de insegurança alimentar, com o desemprego a atingir 28% e 20% respectivamente.
Numa palavra, tecnologia à parte, o grau de opressão sobre os palestinos não deve ser menor do que aquele a que estiveram submetidas as populações judaicas durante o império romano, no tempo de Jesus Cristo.
O que espanta é que fora – e por vezes mesmo dentro – do mundo árabe uma tal situação não suscite atenção, indignação e clamor universais, como seria certamente o caso, e com toda a razão, se a situação fosse a inversa.
Um ou dois Estados?
Vem tudo isto a propósito da visita oficial a Washington, a semana finda, do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Na conferência de imprensa final, o presidente norte-americano, Donald Trump, pareceu afastar-se da consagrada solução de dois estados independentes, que tem sido, desde há pelo menos duas décadas, o grande objetivo norteador de todas as negociações com vista a uma solução de compromisso para o conflito israelo-árabe.
Trump afirmou, concretamente, aceitar um ou dois Estados – aquilo que as duas partes em confronto acharem melhor.
É certo, que, de início, os palestinos chegaram a defender um único estado, englobando duas comunidades com direitos iguais. Mas daí para cá, muita água correu sob as pontes e a realidade da administração israelita tem sido, como vimos, a de ostensiva e brutal ocupação.
Um só Estado, com Israel senhora absoluta das forças de segurança, pondo e dispondo da vida dos palestinos, criaria uma situação de apartheid absolutamente inaceitável. É impensável que um dia os palestinos concordem com isso, sobretudo depois de já terem conseguido estatuto de observadores nas próprias Nações Unidas.
O Estado de Israel precisa, certamente, de ser devidamente reconhecido e ter garantias firmes de segurança – por forma a que a sua população não esteja à mercê de ataques terroristas; mas não se vê que o possa conseguir prolongando ad eternum uma situação de opressão.
Num só Estado, como chama à atenção a própria oposição israelita, há ainda o risco dos árabes, cujo índice de natalidade é superior, acabarem um dia por ser maioritários.
Talvez por isso, a representante dos Estados Unidos na ONU tenha acabado, ainda na semana finda e contrariando Trump, por reafirmar que Washington continua, afinal, a defender “a solução consagrada de dois Estados” independentes como melhor forma para um dia se poder chegar à paz no Médio Oriente.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.