Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, recorreu ao veto político pela 28.ª vez, nesta segunda-feira, e devolveu à Assembleia da República o pacote da habitação fazendo um “sereno juízo analítico negativo”.
“Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar. Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos”, escreveu o Presidente da República na mensagem que acompanha o veto do diploma do parlamento.
O decreto que reúne as principais alterações à legislação sobre a habitação tinha sido aprovado pelo parlamento em 19 de julho apenas com o voto favorável do PS e sob críticas da oposição ao pacote legislativo que introduzia mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local.
O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, anunciou hoje que a bancada socialista, que dispõe da maioria absoluta dos deputados, vai confirmar o diploma sobre a habitação vetado pelo Presidente.
“Respeitamos a discordância política do senhor Presidente da República, mas reafirmamos a urgência na resposta à crise da habitação, por isso iremos confirmar o diploma na Assembleia da República, nos termos da Constituição”, anunciou Eurico Brilhante Dias numa declaração aos jornalistas nos passos perdidos do parlamento.
“Não há uma bala de prata que resolva este problema de um dia para o outro. É um problema que não é exclusivo do nosso país e é também sentido noutros países da União Europeia e muitas das soluções apresentadas neste programa são soluções testadas e apresentadas também noutros países da União Europeia”, disse.
Argumentando que este programa já trouxe, entre outros aspetos, um apoio à renda a mais de 185 mil famílias, o líder parlamentar socialista referiu que centrar o Mais Habitação “no alojamento local ou no arrendamento forçado nunca foi a linha do Governo e do PS”, sendo este um “pacote abrangente e com efeitos já visíveis na vida dos portugueses”.
“Devo dizer que neste debate o PS foi sempre o equilíbrio entre o capitalismo de mercado da direita e o radicalismo da estatização da esquerda e isso ficou bem claro ao longo do debate”, considerou, assegurando que os socialistas não afastaram ninguém desta resposta.
Afronta aos portugueses
O presidente do PSD classificou hoje como “uma afronta” aos interesses dos portugueses, ao Presidente da República e aos partidos políticos “a insistência do PS” em apresentar no parlamento, em setembro, o programa Mais Habitação sem alterações.
“É um crime que se está a fazer à sociedade portuguesa, uma afronta ao interesse dos jovens e das famílias mais carenciadas, da classe média, é não querer olhar e verificar aquilo que estamos a ver”, disse Luís Montenegro aos jornalistas, em Bragança.
Para o líder do PSD, este diploma “não vai produzir resultados” e “a insistência e a teimosia” do PS em manter “com arrogância” o diploma depois de ser vetado pelo Presidente da República é “um crime que se está a fazer à sociedade portuguesa”.
Montenegro disse que gostaria muito que o primeiro-ministro aparecesse “com um rasgo de lucidez” para dizer o contrário do que afirmou o líder parlamentar do PS, de confirmar o diploma vetado pelo Presidente.
O argumento da urgência na resposta à crise da habitação usado pelo PS “se não fosse uma tragédia para os portugueses, era uma anedota”, disse Montenegro, questionando “o que estiveram a fazer nestes últimos oito anos” no Governo “para agora dizer que é uma urgência de um dia para o outro” e reafirmando que o PSD está disponível para colaborar num novo diploma.
As medidas mais polêmicas e contestadas do programa são a suspensão do registro de novos alojamentos fora dos territórios de baixa densidade e uma contribuição extraordinária sobre este negócio, e também o arrendamento forçado de casas devolutas há mais de dois anos.
O pacote do Governo prevê igualmente uma isenção da tributação de mais-valias aos proprietários que vendam casas ao Estado, o fim de novos vistos ‘gold’, o aumento da dedução por dependente no âmbito do IMI Familiar, alterações à taxa autónoma dos rendimentos prediais e isenções de impostos para proprietários que retirem as casas do alojamento local até ao fim de 2024.
Oposição
Ainda, o PAN indicou hoje que voltará a apresentar propostas de alteração ao diploma da habitação e espera abertura do PS para as viabilizar, querendo evitar medidas desproporcionais e um outro veto do Presidente.
Inês de Sousa Real considerou que um “Estado que não disponibiliza o seu próprio patrimônio público para habitação, não tem qualquer legitimidade para estar a esbulhar patrimônio e propriedade privada”.
O Chega manifestou a intenção de tentar recolher apoio de outros partidos para submeter ao Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização do diploma caso venha a ser confirmado no parlamento.
“O Chega saúda veto ao programa Mais Habitação e fica perplexo que o PS se prepare unilateralmente, e de forma arrogante, para confirmar o diploma na Assembleia da República”, afirmou André Ventura. E apontou que este diploma “viola gravemente a legislação portuguesa e a Constituição”.
O PCP acusou hoje o PS de continuar a proteger os interesses da banca e dos fundos imobiliários ao insistir no programa Mais Habitação, considerando que se trata de um instrumento de “favorecimento da especulação imobiliária” segundo Vasco Cardoso.
A principal preocupação do PCP é a de “o pacote Mais Habitação estar concebido enquanto instrumento de favorecimento da especulação imobiliária”, sem resposta para “questões cruciais” como a estabilidade do arrendamento, as prestações do crédito à habitação e a promoção de habitação pública.