Presidência portuguesa da UE tenta até dia 30 “animar” Comissão a formular propostas ao Mercosul

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, à chegada para a audição na Comissão de Assuntos Europeus na Assembleia da República, Lisboa, 17 de novembro de 2020. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Da redação com Lusa

A presidência portuguesa do Conselho da UE vai tentar até ao último dia “animar a Comissão Europeia” a formular propostas concretas para os parceiros do Mercosul sobre “clarificações” ao acordo comercial negociado, garantiu o chefe da diplomacia.

Em declarações aos jornalistas após participar num Conselho de Negócios Estrangeiros no Luxemburgo, durante o qual o acordo comercial com o Mercosul foi abordado no quadro da discussão alargada sobre a relação da UE com a América Latina, o ministro português Augusto Santos Silva revelou que voltou a defender hoje perante os seus homólogos que cabe agora aos europeus dizer aos parceiros latino-americanos que compromissos adicionais deseja, até porque estes já manifestaram abertura.

“Há várias semanas que os países do Mercosul aguardam que a UE diga quais são as propostas que quer fazer, quais são as clarificações adicionais que quer estabelecer. A presidência portuguesa, que não pode fazer essas propostas, porque esse trabalho pertence à Comissão Europeia, tem ao longo destes meses procurado, vamos dizer, ‘animar’ a Comissão Europeia para realizar esse trabalho e apresentar essas propostas”, disse.

Após ter dito que a sua “expectativa” é que Portugal consiga “aproveitar ainda os dias que restam da presidência portuguesa”, o ministro admitiu que a resposta não depende de si, mas garantiu que tudo tem feito, e continuará a fazer até 30 de junho, último dia da presidência portuguesa, para contribuir para o relançamento de um processo negocial que até já estava fechado.

“A resposta não depende mim. Isso a que chamei ‘animação’, tenciono fazê-lo até 30 de junho e ainda hoje fiz com o vigor que as circunstâncias requerem”, disse.

Augusto Santos Silva comentou que, “em relação ao acordo com o Mercosul, persistem as divisões entre os Estados-membros, mas também persiste o acordo que existe entre os Estados-membros sobre a necessidade de haver um instrumento adicional ao acordo já negociado, que clarifique os compromissos recíprocos designadamente em matéria ambiental”.

“Há disponibilidade da parte dos países do Mercosul. Para usar uma metáfora que é adequada aos tempos que vivemos, a bola está do lado, portanto, da UE, que tem de apresentar as propostas que lhe parecem necessárias para que essa clarificação se faça num instrumento adicional”, disse.

Mantendo “a comparação futebolística”, o ministro disse que houve um primeiro jogo que durou “20 anos”, o tempo necessário para a conclusão das negociações, há dois anos.

“Concluímos essas negociações em 2019 com um acordo que a Comissão Europeia celebrou em nosso nome, cumprindo um mandato que nós todos lhe demos, um mandato que não era da Comissão, mas sim do Conselho. Aí terminou a primeira ‘mão’ e a segunda nem era necessária porque o jogo terminou com a vitória de ambos”, observou.

No entanto, “alguns Estados-membros e algumas famílias políticas no Parlamento Europeu suscitaram questões”, que admitiu serem “inteiramente legítimas”, que forçam a marcação de “uma segunda ‘mão’”, dada a “necessidade de clarificação de compromissos de ambas as partes no que diz respeito a questões de natureza ambiental, seja quanto ao cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris, seja quanto ao combate à desflorestação e preservação da biodiversidade”.

“E neste caso, a bola pertence aos europeus […] porque se nós dizemos aos latino-americanos que precisamos de clarificar umas questões, é evidente que a primeira pergunta que nos fazem é que questões querem clarificar e como querem clarificar”, apontou.

“Designadamente na minha responsabilidade enquanto presidência do Conselho de Negócios Estrangeiros [na vertente de] Comércio, e também sei que o Alto Representante [Josep Borrell] fez a mesma coisa, dirigi-me aos países do Mercosul perguntando se estão disponíveis” para examinar este instrumento adicional, “e a resposta unânime foi ‘sim, estamos disponíveis, vamos lá’”, notou, reforçando então que cabe agora à UE dar o “pontapé-de-saída”.

A conclusão do acordo comercial, alcançado em junho de 2019 entre a UE e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), após duas décadas de negociações, está atualmente em fase de tradução e revisão jurídica, finda a qual, com um acordo político dos 27, os países de ambos os blocos deverão ratificá-lo.

Mas vários Estados-membros, entre os quais a Irlanda e a França, além de eurodeputados e organizações da sociedade civil, têm manifestado fortes reservas à ratificação do acordo, invocando preocupações relativas à sua compatibilidade com o cumprimento do Acordo de Paris e ao impacto que terá para o aquecimento global, apontando nomeadamente a desflorestação da Amazônia, tendo a UE decidido solicitar um “instrumento adicional” ao acordo comercial, que não começou ainda a ser negociado com o Mercosul.

Desflorestação

Também neste dia 21, a ministra da Agricultura brasileira disse que o país vai adotar uma nova legislação para melhorar o rastreio da sua produção agropecuária, visando garantir a segurança alimentar e evitar a produção de alimentos em áreas desflorestadas na Amazônia.

“Em breve iremos propor uma nova legislação para regular a rastreabilidade não só de bovinos, mas de toda a produção agrícola, já que a atual tem problemas de eficácia”, disse a ministra Tereza Cristina Dias numa entrevista concedida aos correspondentes estrangeiros no Brasil.

A governante explicou que a atual legislação foi adotada em 2009 para atender às exigências da União Europeia, que exigia que a carne exportada pelo Brasil fosse rastreada para garantir que o gado não tenha origem em áreas desflorestadas da Amazônia, nem pressione a devastação da floresta tropical.

“Essa legislação de 2009 é tão complicada que tem uma baixíssima adesão. Só é cumprida pelas duas mil propriedades que exportam para a União Europeia e temos cerca de cinco milhões de propriedades rurais no país”, disse, citada pela agência espanhola Efe.

“Por isso estamos discutindo com os produtores novas medidas para que possamos ter um sistema realmente eficaz, que garanta segurança alimentar ao consumidor, rastreabilidade e que vete os produtos provenientes das áreas desflorestadas”, acrescentou.

Tereza Cristina admitiu que o Governo inicialmente está a consultar os produtores porque é difícil definir uma legislação num país com o maior rebanho bovino do mundo, com 207 milhões de cabeças de gado, e de tamanho continental.

A governante garantiu que a legislação também é necessária para melhorar a imagem dos produtores brasileiros, que no exterior são considerados responsáveis pela devastação da maior floresta tropical do mundo, apesar dos cuidados que adotam.

“Temos um código florestal robusto e estamos à frente de muitos países em termos de legislação ambiental, mas muitas vezes temos uma má imagem lá fora. Temos uma agricultura altamente técnica, mas não se fala disso. Só falamos de desflorestação. Temos problemas, sim, mas há que quebrar esses números”, admitiu.

Segundo a ministra, cerca de 95% da produção agrícola brasileira concentra-se nas regiões centro-oeste e sudeste do país, a milhares de quilômetros da Amazônia.

Tereza Cristina citou dados oficiais segundo os quais o Brasil destina apenas um terço do seu território à agricultura, enquanto que 66% de todas as suas terras são preservadas, tanto por reservas indígenas (13,8% do país), quanto ambientais, ou mesmo por áreas de proteção vegetal dentro de propriedades rurais.

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