BES: Julgamento começa 10 anos após o colapso do Grupo Espírito Santo

Mundo Lusíada com Lusa

 

O julgamento do processo BES/GES começou neste dia 15 no Juízo Central Criminal de Lisboa, 10 anos após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), num caso com mais de 300 crimes e 18 arguidos, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado.

A primeira sessão do julgamento, cujo coletivo de juízes é presidido pela magistrada Helena Susano e constituído ainda pelos magistrados Bárbara Churro e Bruno Ferreira, iniciou 09:30 e, segundo a programação delineada num dos últimos despachos do tribunal, reservada somente para exposições introdutórias, que se prolongarão ainda para quarta-feira.

Face à dimensão do caso, que, além do Ministério Público (MP), inclui 18 arguidos e 120 assistentes representados por 58 mandatários (embora se desconheça ainda quantos vão usar da palavra), a juíza reservou o tempo máximo de 15 minutos por cada interveniente nestas exposições introdutórias, nas quais é suposto indicarem de forma sumária os factos que pretendem provar. No processo estão ainda 1.698 pessoas com estatuto de vítimas.

As declarações de arguidos, se existirem, e o início das audições de testemunhas estão apenas programadas para quinta-feira, começando pela reprodução da gravação do depoimento do comandante António Ricciardi.

O antigo presidente do Conselho Superior do GES morreu em 2022, mas o depoimento prestado ao MP na fase de inquérito, em 2015, terá a validade de prova testemunhal ao ser reproduzida em tribunal.

A resolução do Banco Espírito Santo (BES), em 03 de agosto de 2014, ditou o fim da linha para o GES.

Esse mesmo ano marcou o início da investigação do MP ao Universo Espírito Santo, que foi repartido entretanto em sete processos, dos quais o julgamento que começa hoje é o principal caso.

O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.

Entre os crimes imputados contam-se um crime de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documentos.

A defesa do ex-banqueiro pediu a dispensa de marcar presença no julgamento, devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer e a uma evolução desfavorável das condições de saúde, mas o tribunal recusou o pedido nos moldes em que foi apresentado, pelo que Ricardo Salgado deverá mesmo ter de comparecer em tribunal.

Além de Ricardo Salgado, vão também a julgamento Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.

Protesto dos lesados

Uma hora antes do início do julgamento, representantes dos lesados do Banco Espírito Santo já estavam em protesto junto ao Campus de Justiça, com um carro funerário onde colocaram uma fotografia de Ricardo Salgado, em homenagem às vítimas que perderam a vida na esperança de recuperar o seu dinheiro.

O primeiro dia deste julgamento é o “reacender de uma esperança”, disse à Lusa o presidente da Associação de Defesa de Clientes Bancários (ABESD), que promoveu o protesto.

No entanto, não é no julgamento que os lesados da falência do banco depositam a esperança numa solução, antecipando um processo demorado nos tribunais.

“Esta é uma via para a resolução do problema ao fim de 10 anos, sendo que a outra via é uma via negocial que, por sucessivos motivos, tem vindo a ser adiada”, defendeu Afonso Mendes, que representa os clientes das sucursais no estrangeiro, que continuam a aguardar uma resposta.

“Não conseguimos perceber porque é que, estando exatamente nas mesmas condições, o Governo não nos resolve o problema. De outra maneira, temos portugueses de primeira e de segunda”, acrescentou.

Outro dos lesados presentes no Campus de Justiça integra o grupo que rejeitou a solução a que Afonso Mendes se referia, para os 2.100 lesados do papel comercial do BES e que passou pela criação, em 2017, de um fundo de recuperação de créditos que permitiu a recuperação de 75% dos investimentos até 500 mil euros (num máximo de 250 mil euros) e 50% dos investimentos acima de 500 mil euros.

“Jamais perdoarei o que me fizeram, nunca vou esquecer e vou reclamar sempre o meu dinheiro na totalidade”, disse Paulo António, lamentando que “volvidos 10 anos, ninguém resolveu” o problema.

Apelando também ao Governo, “ou a quem de direito”, Paulo António espera o dia em que seja anunciado que todos os lesados serão “ressarcidos na totalidade e sem exceção”.

“Saíamos das ruas, acabava o nosso sofrimento, acabavam os nossos protestos”, continuou, considerando que o julgamento que se iniciou hoje “vai prolongar-se no tempo e não vai dar em nada”.

Luís Marques representa a Associação Movimento dos Emigrantes Lesados Portugueses e acredita que o processo ficará para a história, esperando que possa concluir-se rapidamente e com uma solução para as quase duas mil famílias que representa.

“Estamos aqui a ver se hoje se inicia uma parte da justiça ao fim de 10 anos”, sublinhou.

Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.

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