Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência FAPESP
Quando se trata de ganhar massa e força muscular, é mais importante atentar para a quantidade de proteína ingerida do que para a origem do nutriente. Esta é a conclusão de um estudo que comparou o efeito de treinos de força (musculação) em voluntários que mantiveram dietas onívoras e veganas, ambas com teores proteicos considerados adequados.
No estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), um total de 38 jovens adultos saudáveis – sendo 19 onívoros e 19 veganos – foram monitorados por 12 semanas. Além dos treinos desenhados para o ganho de massa e força muscular, os voluntários seguiram dietas mistas (com fontes proteicas animais e vegetais) ou exclusivamente à base de plantas, ambas com o teor indicado de proteína (1,6 grama por quilo corporal por dia). Ao final dos três meses, não foi verificada diferença no percentual de ganho de massa e força muscular entre os indivíduos veganos e onívoros.
“Assim como qualquer outra proteína do nosso corpo, entre elas as que compõem as células da pele e do cabelo, que morrem e são renovadas, os músculos diariamente passam por períodos de síntese e de degradação. Alimentação [ingestão de proteínas] e exercício físico são os principais reguladores do processo de balanço proteico, favorecendo a síntese sobre a degradação”, explica Hamilton Roschel, autor do estudo e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição (Applied Physiology and Nutrition Research Group) da Escola de Educação Física e da Faculdade de Medicina da USP.
A qualidade da fonte proteica está relacionada com o seu perfil de aminoácidos essenciais, em particular de leucina, um aminoácido-chave no processo de estimulação anabólica para o músculo esquelético. “As proteínas de origem animal têm mais leucina do que as de origem vegetal. Como esse aminoácido é essencial no processo de sinalização do estímulo anabólico, especula-se que uma alimentação à base de vegetais resultaria em menor conteúdo de leucina e, portanto, a um estímulo anabólico também reduzido, o que afetaria o potencial de indivíduos veganos de ganhar massa muscular”, diz Roschel.
O estudo, publicado na revista Sports Medicine, é fruto do mestrado de Victoria Hevia-Larraín, bolsista da FAPESP.
A pesquisa inova ao fazer uma análise clínica do efeito da qualidade da fonte proteica nas adaptações musculares ao comparar voluntários veganos e onívoros. Isso porque a maioria dos estudos sobre o tema analisou o mecanismo da resposta anabólica aguda do músculo em função da fonte proteica em condição laboratorial e não o ganho de massa muscular em si. “O nosso achado mostra que, se ingerirem a quantidade adequada de proteína, jovens adultos veganos não têm prejuízo no ganho de massa muscular. Na realidade, o resultado das duas dietas foi igual”, afirma Roschel.
No entanto, os pesquisadores destacam que, para fins de controle experimental, o aporte proteico foi equalizado entre as duas dietas por meio do uso de suplementos proteicos. No estudo, os voluntários receberam suplementação de proteína isolada do soro do leite (para onívoros) ou da soja (para veganos), de acordo com a necessidade individual e com base no cálculo da alimentação de cada um, de forma a atingirem a meta de consumo proteico.
“Na prática clínica, sabe-se que alimentos de origem animal são, em geral, mais densos em proteína. Dessa forma, carne, leite ou ovos apresentam mais proteína por grama de alimento que o arroz ou o feijão, por exemplo. Dessa forma, ao considerarmos uma aplicação clínica em que o aporte proteico seria provido apenas por alimentos de origem vegetal, indivíduos veganos necessitariam ingerir um volume maior de alimentos para obter a mesma quantidade de proteínas, o que pode, em alguns casos específicos, representar um desafio importante.”
Ao dar a quantidade adequada de proteína para cada voluntário, a origem da fonte proteica (dieta mista ou vegetal) não importou. “Esse nosso achado reforça outros dados da literatura que apontam que uma dieta vegana é absolutamente possível de ser completa, se bem executada e planejada. Estudos anteriores sugerem que ela é, inclusive, possivelmente mais saudável do que uma dieta onívora. Entretanto, para isso, é necessário acompanhamento nutricional adequado e até mesmo um processo de educação nutricional acerca das escolhas que o indivíduo deverá fazer ao restringir sua alimentação a fontes vegetais”, afirma Roschel.
O pesquisador ressalta ainda que o estudo foi conduzido com jovens adultos saudáveis e não é possível extrapolar os resultados para outras populações, como a de idosos ou de pessoas com comprometimentos de saúde. “Com a idade ocorre um fenômeno conhecido como resistência anabólica – uma resposta anabólica subótima ao estímulo da nutrição e do exercício em comparação a jovens. Ou seja, para que o idoso apresente uma resposta máxima, ele precisa de muito mais proteína do que um indivíduo jovem saudável. Portanto, é preciso ter cautela ao generalizar o nosso achado para toda a população”, afirma.