Da Redação
Com Lusa
A defesa dos cinco brasileiros detidos pelas autoridades cabo-verdianas em agosto passado, com 2,2 toneladas de cocaína a bordo de um pesqueiro, apontou em tribunal, contradições às declarações sobre as detenções da tripulação.
No segundo dia do julgamento no Tribunal da Comarca da Praia, além de outros três tripulantes do pesqueiro brasileiro “Perpétuo Socorro de Abaete II”, foram ouvidos hoje dois inspetores-chefes da Polícia Judiciária (PJ) de Cabo Verde e dois inspetores, envolvidos na operação que levou à detenção e apreensão da droga.
Durante os testemunhos, um dos inspetores disse que entre a abordagem ao pesqueiro, em águas internacionais, no dia 01 de agosto, e a chegada ao porto de Praia, escoltados por elementos da Guarda Costeira de Cabo Verde, no dia 03 de agosto, os cinco brasileiros remeteram-se ao silêncio.
Contudo, também ouvido nesta terça-feira em julgamento, o inspetor-chefe da PJ que comandou a operação em alto mar afirmou que os elementos da tripulação admitiram, durante a viagem, que tinham conhecimento da existência da droga a bordo do pesqueiro, de menos de 16 metros.
Em tribunal, os cinco marinheiros brasileiros, com idades de 24 a 48 anos e todos recrutados no estado do Pará alegadamente por um armador local, afirmaram sempre desconhecer que entre a carga que transportavam, 30 mil toneladas de óleo diesel e alegadamente produtos alimentares, estava droga.
A defesa requereu por isso a acareação dos dois inspetores, mas contou com a oposição do Ministério Público, alegando a prova testemunhal obtida, opondo-se ainda à indicação como testemunhas todo os elementos da Guarda Costeira que participaram na operação e de um perito em geografia — conforme requerimento também hoje apresentado pela defesa – para atestar, com base nas coordenadas fornecidas na acusação, se a abordagem ao pesqueiro foi feita em águas internacionais ou em águas cabo-verdianas, face às dúvidas levantadas durante o julgamento.
Durante o testemunho, os quatro inspetores da PJ, três dos quais envolvidos na operação em alto mar e um a coordenar na cidade da Praia, afirmaram que após a abordagem e a identificação de 140 fardos aparentemente de cocaína no porão da embarcação, a tripulação foi “convidada” a navegar para o porto mais próximo, que seria o da Praia, onde chegaram ao fim de dois dias de viagem.
Acrescentaram que só depois de testes rápidos realizados no dia 03 de agosto ao produto encontrado no navio, que comprovaram tratar-se de cocaína, é que o navio foi apreendido e os cinco brasileiros detidos.
Contudo, todos os cincos marinheiros afirmaram em tribunal que receberam “voz de prisão” em águas internacionais, com a defesa a insistir — citando a acusação que refere que foram “detidos imediatamente” — na incompetência do tribunal da Praia para julgar este caso. Uma versão — sobre as afirmações dos marinheiros – que para o procurador do Ministério Público “salvo o devido respeito, vale o que vale”, alegando tratar-se de uma estratégia da defesa.
O Ministério Público reafirmou que a abordagem ao navio, ainda em águas internacionais, foi feita após autorização das autoridades brasileiras, consultadas em 01 de agosto de 2019 e conforme convenção das Nações Unidas sobre o tráfico de droga, ratificada por ambas as partes.
Em prisão preventiva desde agosto de 2019, os cinco brasileiros estão acusados pelo Ministério Público, em coautoria, de crimes de tráfico de droga agravado e adesão a associação criminosa, no âmbito da operação que levou, então, à apreensão de 2.256,27 quilogramas (kg) de cocaína, a segunda maior do gênero pelas autoridades de Cabo Verde.
Segundo a acusação do Ministério Público, a droga a bordo do pesqueiro seria descarregada em alto-mar para outras embarcações e tinha como destino o mercado europeu.
Os três tripulantes ouvidos hoje pelo tribunal, Elivelton Silva, 25 anos, imediato do navio, Benedito de Melo, 48 anos, maquinista, e Domingos Sousa, 45 anos, cozinheiro, afirmaram que desconheciam a existência de droga entre a carga transportada e que o destino da viagem era a Guiné Conacri, contrariando neste caso a versão do comandante, que no dia anterior afirmou que eram esperados no dia 02 de agosto na Guiné-Bissau.
Para os inspetores da PJ ouvidos hoje em tribunal, pela configuração do navio e pela abertura da casa das máquinas para o porão seria “impossível” os marinheiros não terem conhecimento da existência da droga a bordo. Além disso, o navio foi detetado pelos inspetores e pela Guarda Costeira a navegar sem bandeira e sem o nome no casco, o que dificultou a intercepção, reforçando as suspeitas.
Em causa está a operação desenvolvida em 01 de agosto de 2019, em alto mar, a quase 400 milhas náuticas (740 quilômetros) de Cabo Verde, por elementos da Polícia Judiciária e da Guarda Costeira cabo-verdianas, após troca de informação operacional com o Centro de Análises e Operações Marítimas — Narcóticos (MAOC–N), com sede em Lisboa.
Os tripulantes ouvidos neste dia 10 confirmaram que não levavam manifesto da carga e que foram recrutados para fazer a viagem entre o porto de Belém, de onde saíram em 22 de julho de 2019, e a costa ocidental africana a troco de pagamentos de 4.000 e 5.000 reais (755 e 9250 euros).