Brasil: festival literário terminou com “equilíbrio racial e de gênero” diante de 25 mil pessoas

Português Afonso Cruz foi um dos escritores convidados

 

Por Ígor Lopes

 

Cerca de 25 mil pessoas compareceram à 12ª. edição do Festival Literário de Araxá – Fliaraxá, entre os dias 19 e 23 de junho, que decorreu no estado brasileiro de Minas Gerais. O público presente acompanhou as reflexões de 110 escritores e escritoras presentes no evento literário, que promoveu “atividades acessíveis, inclusivas, antirracistas, éticas, educativas e em equilíbrio com a diversidade, economia criativa, raça, gênero e pessoas com deficiência”. A Fundação Calmon Barreto, local de realização do evento, recebeu uma das maiores livrarias já montadas, com 440m² e 30 mil títulos. Foram vendidos cerca de sete mil exemplares.

Com o tema “Memória, Literatura e Diversidade”, o Fliaraxá equiparou os convidados em termos de gênero, raça e também de origem geográfica no Brasil, mantendo o equilíbrio entre homens e mulheres, com representatividade de autores negros, brancos, indígenas e de diferentes estados brasileiros. Um dos autores participantes foi Afonso Cruz, escritor português.

Este ano, o evento teve curadoria nacional de Afonso Borges, Tom Farias, Sérgio Abranches e curadoria local de Rafael Nolli, Luiz Humberto França e Carlos Vinícius Santos da Silva. O curador da programação infantojuvenil foi o escritor e professor Leo Cunha.

Segundo os organizadores, a operação do Fliaraxá é possível graças ao trabalho de diversas mãos. Neste ano, a equipa envolvida na organização do evento foi composta por 18 profissionais da área audiovisual, 11 pessoas no universo web e na imprensa e duas fotógrafas – isso sem contar as dez pessoas que trabalharam na produção do evento, juntamente a 15 profissionais destinados à montagem e 14 à receção do Festival. Motoristas, seguranças, carregadores e equipa de limpeza somaram um número de 40 profissionais, enquanto a livraria dispôs de sete pessoas trabalhando no local. A Rua da Economia Criativa contou com a atuação de 58 pessoas, o que resultou em 250 profissionais envolvidos, entre empregos diretos e indiretos.

Ao todo, 2.400 horas foram necessárias para montar a infraestrutura do 12º. Fliaraxá, que dispôs de 980m² de área coberta e piso elevado, 220 m² de impressão digital, 1.800 metros de cabeamento para iluminação e de revestimentos diversos e mais de 50 pontos de iluminação decorativa e de serviço, o que acarretou em mais de 45 toneladas de estrutura e equipamentos.

Quanto às redes sociais, mais de 22 mil seguidores acompanharam as divulgações online, que refletiram em mais de 43 mil visualizações do perfil e quase dois milhões de impressões. No Facebook, mais de 17 mil curtidas da página refletiram em mais de 300 mil impressões totais. O site, espaço virtual que contempla todas as informações a respeito do Fliaraxá, teve mais de 71 mil visualizações.

Aproximadamente 150 atividades foram transmitidas simultaneamente e estão disponíveis para serem assistidas, em qualidade 4K, no canal do YouTube do Fliaraxá. Durante este período, o número de visualizações do canal, que tem 5.830 inscrições, atingiu a marca de 319 mil acessos, o que resultou em um expressivo número de tempo assistido durante o 12º. Fliaraxá: 68.832 minutos. Os vídeos do canal foram assistidos por espetadores do Brasil, mas também de outros países, como Portugal, Moçambique, França, Indonésia, Angola, Hungria, Canadá, Cabo Verde, China e Estados Unidos também acompanharam o evento pelo ambiente cibernético. As impressões das redes sociais do Festival indicam que, mais do que nunca, o evento é figital: combina as dimensões física, digital e social.

Responsáveis pelo evento afirmaram que o “formato aberto, sem que haja um tema pré-definido, contribuiu para a riqueza dos debates, que seguiram motivados pela interação do momento entre os autores”. As conversas abordaram desde aspetos mais prosaicos do cotidiano às reflexões filosóficas, passando por uma discussão sobre linguagens – o papel da literatura e o que há de vanguarda neste campo em todo mundo.

Dos 110 autores que compuseram a programação do 12º. Fliaraxá, 41 atrações participaram de mesas locais e 24 das nacionais e internacionais. Também foram realizadas quatro oficinas e 173 sessões de autógrafos, incluindo autores de lançamentos independentes. O evento também contou com apresentações musicais de cinco grupos de chorinho e viola caipira, que se apresentaram ao longo dos cinco dias de evento, totalizando 24 pessoas.

O festival promoveu encontros históricos, como a conversa entre Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz e Tom Farias sobre ancestralidade. Também abriu espaço para reflexões dos escritores sobre o processo criativo – criação de personagens, adesão a diferentes gêneros literários, vozes narrativas e projetos literários -, como fizeram Aline Bei, Geovani Martins e Marcia Tiburi.

Também houve conversas sobre ética do cuidado e espiritualidade como no encontro entre Djamila Ribeiro e Bruna Lombardi; ou a literatura em diálogo com outros campos artísticos nas abordagens feitas por Aline Bei, Afonso Cruz, Marcelino Freire e Stefano Volp. Os afetos e a descolonização deles também foram pontos salientados em diferentes mesas, como a conversa entre Denise Fraga e Renato Nogueira e as participações, em dois momentos diferentes, de Geni Núñes.

“O Fliaraxá é um espaço de partilha, em que os autores partilham relatos sensíveis, como foi o depoimento de Luana Tolentino, autora do livro “Sobrevivendo ao racismo”, que, no formato de cartas, narra situações de racismo que enfrentou principalmente no ambiente escolar”, disseram os responsáveis pelo evento.

Relatos afetuosos como o de Bianca Santana revelando momentos íntimos com a avó Polu, e de Marcelino Freire com a mãe Maroca e a tia Totonha e da relação de Djamila com sua ancestralidade, com sua avó, mãe e a filha Thulane. Outro momento comovente foi a conversa entre Marcelino Freire, Socorro Acioli e Eliana Alves Cruz, que falaram da fé na literatura.

Em fala por streaming no encerramento da 12ª. edição do Fliaraxá, a ministra do STF Cármen Lúcia destacou a importância dos festivais literários na atualidade para a democracia brasileira, a exemplo do que foram os festivais de música no período da ditadura militar. A ministra participou da mesa de Conceição Evaristo, Calila das Mercês e Afonso Borges.

O Fliaraxá também é um espaço para pensar o fazer literário, do momento da ideia para a escrita de um livro à edição, passando pelo mercado editorial e a receção dos leitores. Aline Bei deu dicas preciosas de seu processo criativo: o uso de um caderno e a escrita a mão, o cuidado na construção dos personagens, dos protagonistas aos secundários. Giovani Martins, que viu a possibilidade de levar para a literatura a voz do lugar onde nasceu e vive, contou um pouco de como constrói a dicção própria em sua literatura.

O festival também se consolida como espaço para discutir os grandes temas do Brasil, como democracia, a conceção de país, assim como foi feito na mesa entre Paloma Jorge Amado e Conceição Evaristo, com mediação de Guilherme Amado. O jornalista Matheus Leitão também trouxe, em sua mesa, uma reflexão sobre a relação da ditadura militar e o racismo.

Encerrando a programação nacional do evento, uma mesa reuniu as escritoras Conceição Evaristo e Calila das Mercês, o idealizador e fundador do Fliaraxá, Afonso Borges, e a ministra do STF Cármen Lúcia, que participou da ocasião por videoconferência. Introduzindo o debate, Cármen afirmou que, nos dias atuais, os festivais de literatura promovem a vigilância e a atenção aos direitos de todos. Eventos como o Fliaraxá, que promovem reflexão e confraternização, são momentos de encontro e reconexão em uma sociedade tão desencontrada.

Em declarações exclusivas à nossa reportagem, Afonso Borges, responsável pelo evento e um dos curadores, explicou que, “sintonizado com o fluxo de mudanças contemporâneas, conseguimos, no Fliaraxá, um movimento inédito: equidade de raça, género e sexo”.

“O número de convidados é exatamente igual, entre todos e todas, prevalecendo a igualdade e racionalidade na curadoria. Esta é uma regra que deveria valer como uma espécie de norma ética e normal em todos os eventos culturais do mundo”, defendeu este responsável, que sublinhou ainda que o Festival terá 25% de mulheres brancas participantes, 25% de mulheres negras, 25% de homens brancos e 25% de homens negros, algo que talvez nunca tenha acontecido”.

Há 12 anos apresentado pela CBMM via Lei Rouanet, toda a programação foi gratuita, “garantindo a democratização do acesso”. O evento contou, também, com o patrocínio do Itaú e Bem Brasil. Participaram, na qualidade de apoio cultural, a Prefeitura de Araxá, a Fundação Cultural Calmon Barreto, a TV Integração, a Embaixada Francesa no Brasil, o Institut Français e a Academia Araxaense de Letras.

 

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