“Cultura de matchundadi” na Guiné-Bissau não é modelo da democracia

Arquivo: Deputada Joacine Katar no parlamento português.

Da Redação
Com Lusa

A historiadora e deputada em Portugal. Joacine Katar Moreira, defende que a “cultura de matchundadi”, que é a exacerbação da masculinidade, domina a sociedade, a política e as instituições da Guiné-Bissau e não é um modelo da democracia, defende na sua tese de sobre a guineense.

Na sua tese de doutoramento, publicada na semana passada e denominada “A cultura di matchundadi na Guiné-Bissau: gênero, violências e instabilidade política”, a historiadora, nascida naquele país da África Ocidental, tenta explicar a forma como a masculinidade hegemônica impede o normal funcionamento do Estado.

Joacine referiu que na Guiné-Bissau a “cultura da matchundadi” é uma maneira de se “olhar para o universo das relações sociais e políticas” onde “imperam absolutamente os valores relacionados com os homens, com o masculino e a masculinidade”.

“Estes valores são os que estão relacionados com o entendimento dos homens como um elemento hierárquico comparativamente com a mulher, enquanto elemento que tem apetência natural para ocupar e liderar institucionalmente”, incluindo na família, religião, política e economia, disse.

Para se afirmar, segundo a tese da historiadora, a “cultura da matchundadi” usa a “violência nas suas várias dimensões”, a “centralização do poder como modo de liderança e de governação”, o “mimetismo político”, e a “impunidade, que consiste na subversão total do sistema de justiça e que garante a supremacia de certos grupos ou indivíduos face a outros”.

A “cultura de matchundadi” está também relacionada com uma competição permanente, que é levada para o exercício do poder e para as instituições do Estado, onde os adversários políticos são olhados como inimigos, “como um alvo a abater”, explicou a também deputada.

“O excessivo ambiente de competição permanente origina a que os indivíduos entrem numa lógica de absoluta violência, a violência necessária com base nas masculinidades hegemônicas, que originará que ele tome o poder”, afirmou.

Mas, acrescentou a historiadora, após a tomada de poder, o homem “precisa de aumentar o nível de violência e de intimidação, porque haverá uma série de ‘matchus’ que estarão a arquitetar e a organizar-se para lhe retirar o poder”.

Desde o início do multipartidarismo e até hoje, “não é ironia nenhuma o facto de nenhum executivo ter concluído quatro anos de mandato”, disse.

“E o único Presidente da República em regime de multipartidarismo que recentemente concluiu o mandato foi ignorando toda a sociedade civil, afirmando-se, até indo contra as instituições democráticas e os resultados democráticos para impor a sua ótica e a sua agenda política”, salientou, referindo-se a José Mário Vaz, que terminou mandato no início deste ano.

Joacine Katar Moreira explicou que a “cultura de matchundadi” é também caracterizada pela capacidade e responsabilidade de redistribuição de recursos.

Quanto mais influência e poder o indivíduo tem, mais capacidade tem de redistribuir recursos, mas para manter esse poder e influência necessita de os distribuir.

“Este é um dos elementos que é um entrave sucessivo ao desenvolvimento do país. Na qual os indivíduos em vez de servirem o Estado, servem-se do Estado”, disse.

“O que normalmente digo, não há necessariamente, como muitos especialistas dizem, uma luta pelo poder na Guiné-Bissau, o que há é uma luta pelo acesso aos recursos. Se fosse uma luta política ela precisaria de ser uma luta ideológica e ela não é”, acrescentou.

A historiadora e deputada portuguesa salienta que é a “cultura de matchundadi” que unifica os conflitos militares, narcoestado, questões étnicas e o que tudo está relacionado com o acesso aos recursos.

“Numa determinada época, o que está em causa são os recursos que estão a ser gerados pelo tráfico de droga, mas é o recurso, o acesso ao recurso, o controlo do recurso, de vez em quando são até as disputas étnicas e religiosas, mas enquanto instrumento de ‘acesso a’ e nunca enquanto elemento fundamental”, afirmou.

Para a historiadora, enquanto não houver um modelo de referência que também funcione, a manutenção e o exercício do poder vai ser aquele.

“É um modelo que não é da democracia, do multipartidarismo, nem do partido único”, afirmou.

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