Crueldade e Ideologia

Protesto “Geração à rasca” reúne milhares na Avenida dos Aliados, no Porto. Foto: ESTELA SILVA/LUSA

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Contemporaneamente, a imposição da violência, como linha de orientação da natureza e da evolução humana, esgotou-se também como proposta científica ou processo eficaz para estabelecer uma sociedade mais justa, de resto, sobejamente comprovado na vida daqueles que defendem o primado da violência, em que se verifica o aumento da criminalidade, o ato gratuito, a solidão, a insuficiência da realização humana, a indiferença à solidariedade social, enfim, o terrorismo institucionalizado internacionalmente, destruindo tudo, inclusive, matando inocentes.
A violência tornou-se, hoje, primeiro quarto do século XXI, uma mera praxis, constituindo, igualmente, uma ideologia de argumentação finalista, visando justificar formas de manipulação e de coação, assim como tornar legítimas a resistência ou a supressão de classes sociais malquistas: a ideologia como distorção-dissimulação.
«Marx serviu-se da metáfora do inverso da imagem num quarto escuro, ponto de partida da fotografia, para atribuir a primeira função consignada à ideologia, no sentido de produzir uma imagem inversa à realidade. É o laço que Marx estabelece, entre as representações e a realidade da vida, que ele chama praxis.
Passa-se, assim, do sentido restrito ao sentido geral da palavra ideologia. Segundo este sentido há: primeiramente, uma vida real dos homens, é a sua praxis; depois, há um reflexo desta vida na sua imaginação, é a ideologia. A ideologia torna-se, portanto, o procedimento geral pelo qual o “processus” da vida real, a praxis, é falsificado pela representação imaginária que os homens fazem disso.». (Cf. RICOEUR, s.d.:380).
O sinal da grande mudança do pensamento contemporâneo poderá ser encontrado neste debate universal sobre a ideologia, designadamente, quanto ao papel que ela desempenha nos atos de violência, porque não se pode ignorar a ocorrência desta e o seu abuso.
O homem, Ser consciente e responsável, racionalizador e observador, voltado para a sua sobrevivência, cria regras eficazes e pondera-as. A violência terá, inevitavelmente, de entrar na sua ponderação, assim como a moral geral, a existência de valores, a sua capacidade técnica e tantas outras dimensões.
Todavia, só a convergência alcançada pelo amor é que poderá dar sentido à sua obra. A concentração no diálogo social é fundamental porque: «A reconstrução de laços sociais verdadeiramente inclusivos exige-nos uma prática renovada de escuta, abertura ao diálogo, e inclusivamente de convivência com outras tendências, sem por isso deixar de priorizar o amor, que deve ser sempre o distintivo das nossas comunidades.» (BERGOGLIO, 2013:115).
Numa sociedade cada vez mais policiada e previdente, quanto à segurança física, a violência toma formas que, muitas vezes, nada tem de físico, pelo contrário, são puros atos agressivos para alterar a situação do “outro” por meios mediatos, para beneficiar quem os usa.
A supressão da liberdade das oportunidades, a corrupção da mobilidade social e da promoção, o escamoteamento das regras comuns, o branqueamento da memória coletiva, a manipulação da notícia, o convite vergonhoso à imoralidade, a prática dissimulada do assédio sexual, a alteração dos direitos adquiridos e justificados e tantas outras violações da convivência legítima e harmoniosa, são atos de violência cada vez mais frequentes nas sociedades contemporâneas.
A luta contra este rol de violências, exige imaginação, lucidez e coragem por parte dos responsáveis pela ordem e disciplina da sociedade e das instituições, no sentido de tornar eficaz a incompatibilidade entre a violência e os Direitos Humanos, porque nestes é que reside a radical dignidade humana, pelo que o combate contra a violência tem de partir da defesa da pessoa humana, e da exaltação dos mais caros valores, entre estes, o do conceito que o homem faz do próximo e, inerentemente, de si próprio, numa exigência de dignidade superior, que lhe assiste e o distingue no mundo, isto é: “o outro que poderia ser eu próprio e vice-versa”.
Para que o homem contemporâneo, cada vez se prepare melhor para lutar contra as mais sofisticadas violências, é necessário e imperioso que os responsáveis governamentais se sensibilizem para as questões da educação geral da população, nomeadamente: a educação cívica, ética e axiológica, porque o ato educativo é um facto de ordem social e cultural.
Como facto de ordem social e cultural, a educação apresenta-se sempre em correlação com o desenvolvimento da civilização, aliás, já nas sociedades primitivas: Esparta, Atenas, Roma, são disso o exemplo mais clássico, a atividade educativa estava intimamente ligada a outras manifestações da vida coletiva, tais como o culto religioso, a aprendizagem de técnicas rudimentares, o mesmo se verificando, seguramente, nas sociedades mais desenvolvidas.
A Escola deve estar adaptada à sociedade e nesta visar a sua integração. Num mundo em incessante transformação, como é o mundo conhecido e o mundo construído pelo homem, a Escola tem de ser, não só o reflexo, mas também e sobretudo, o projeto da sociedade e, sendo certo que a Escola deve ser feita para a sociedade, também é verdade que a sociedade deve ser constantemente renovada pela Escola.
É óbvio que: «A função essencial da escola é formar cidadãos livres e com capacidade para defenderem os seus direitos e cumprirem as suas obrigações. No entanto, não é porque é preciso manter a criança ou o adolescente na escola que o seu conteúdo deve ser esvaziado. O direito constitucional garante o direito à educação, não o direito à escolaridade. Não é apenas inaugurando escolas, distribuindo livros ou material escolar que se cumprirá esse direito. O assunto exige um esforço conjunto de toda a comunidade educativa.» (Ibid.:159).
Não pode haver paz, segurança, progresso e bem-estar se não houver na população um elevado nível educacional e cultural, porque só assim as pessoas poderão distinguir entre a realidade e a ideologia, entre a verdade e a aparência.

Bibliografia

BERGOGLIO, Jorge, Papa Francisco, (2013). O Verdadeiro Poder é Servir. Por uma Igreja mais humilde. Um novo compromisso de fé e de renovação social. Tradução de Maria João Vieira /Coord.), Ângelo Santana, Margarida Mata Pereira. Braga: Publito.
RICOEUR, Paul, (S.d.). Hermeneutique et Critique dês Ideologies – L’Ideologie et l’Utopie, s.l., s. Ed.

 

 

Venade/Caminha – Portugal, 2020
Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG

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