Crônica: finalmente compreendi a crise

Por Humberto Pinho da Silva

 

Só agora compreendi a dimensão da crise.

Ao começo da noite, num domingo chuvoso, deste rigoroso Inverno, estava sentado junto a mesa de pizzaria.

A sala, parcamente iluminada, encontrava-se quase deserta.

Menina, que não devia ter dez anos, sentada ao fundo do estabelecimento, jogava, compenetrada, xadrez com o computador.

Jovem, de gastas calças de ganga azul, desbotadas e rotas, cabelo com larga melena ruiva, cruzava, a passadas de gigante, o salão, falando, a meia voz, ao telemóvel.

Mal entendia a conversa. Apenas escutei palavras soltas: Compreendo… Não peço muito…Por favor…Preciso de trabalhar…Obrigado…

Idosa, alta, magra, modestamente trajada, de porte senhoril, denotando ter tido princípios e posses, acercou-se de mansinho da minha mesa, e em voz sumida, em surdina, disse:

– “Por favor: dê-me um bocadinho!…”

Olhei para a mulher: tinha faces pálidas, olhos encovados de cor castanha, sem brilho, que pediam compaixão.

Era hora de jantar. Peguei na “cunha” e arranquei pedaço da pizza, que acabara de ser colocar diante de mim.

Agradeceu com um “obrigada“, escapulindo, disfarçadamente, entre mesas vazias.

Encontrei-a, ao sair, sentada no banco da pracinha, defronte à pizzaria em local recatado.

Voltou-se, erguendo os olhos tristes. Agradeceu novamente: – “ Obrigada. Estava muito boa!…´”

Provavelmente o que lhe dei foi o jantar que não teve; e quem sabe? se almoçou.

Regressei com funesto pensamento: Não se pode ser idoso em Portugal!

Amigo meu, condenando o “castigo” infringido aos idosos, baixando-lhes substancialmente as reformas e pensões, e lançando muitos no desespero, dizia-me preocupadíssimo:

– “Por que não alterar o IRS para que todos paguem, igualmente, a divida colossal? É o imposto menos injusto que há, já que se pode salvaguardar as famílias numerosas e casais em que o único rendimento é a reforma de um dos conjugues?”

Concordei; mas que vale concordar? Se é mais fácil e molesta menos a “elite”, diminuir pensões a quem não tem poder, influência, nem força, para lutar, do que fazer justiça…

 

Por Humberto Pinho da Silva
De Portugal
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