Depois dos dias fúnebres da Semana Santa, chegava o alegre domingo de Páscoa. A ressurreição de Jesus.
Nas nossas aldeias – que eram relicários de tradições, – os cristãos agrupavam-se no templo, entoando jubilosos hinos e aleluias.
Do alto de rústicos campanários, tangiam festivamente os sinos, em animada e pueril gralheada.
Saiam os compassos, cada um com sua cruz alçada. Envergando alvas opas, homens acompanhavam o prestimoso abade ou seminarista, que levavam o Senhor de casa em casa.
Tapetes de verdes e flores, vestiam toscos caminhos e soleiras de entrada, que devotas mulheres colhiam com carinho e Amor.
Estalejavam alegremente foguetes, em alarido desenfreado; e alvoraçados cachorros, em roda-viva, pareciam, também, dizer: Chegou a Páscoa!… Chegou a Páscoa!…
As famílias reuniam-se à mesa, que permanecia coberta de branquíssima toalha, com o tradicional folar, amêndoas cobertas de açúcar, pão-de-ló e vinho fino.
No meu tempo de menino, no Sábado de Aleluia, nas igrejas, retiravam-se os panos roxos que recobriram as imagens, nos dias tristes de Quaresma. Os altares, que permaneceram despidos, engalanavam-se nessa hora de alvíssimas toalhas e vistosas flores de cores garridas, enquanto os sinos soavam ao desafio, em animada e ruidosa desgarrada.
Nas ruas, grupos de rapazes e moças, confeccionavam boneco de trapos, que suspendiam num poste. Era o “Judas”. Boneco que recolhia na pança, numerosas bombas carnavalescas, e lembrava certa figura, em regra, pobre diabo, bombo de festa do garotio.
Pegava-se, então, fogo aos pés, e para gáudio de todos, assistia-se ao queimar do “Judas”, que estourava entre gritos e palmas da rapaziada.
Nesse tempo, no dia de Páscoa, os afilhados visitavam os padrinhos, levando-lhes raminho de flores ou de oliveira, benzido em Domingos de Ramos.
Estes retribuíam com amêndoas ou dinheiro. A isso, chamava-se pedir o folar.
Em terras montanhosas, nomeadamente em Trás – os – Montes e Beiras, folar era, e ainda é, gigantesco bolo, recheado a carne, que tinha, por vezes, feitio de alguidar.
Mais romântico e citadino, eram as caixinhas de porcelana, que os namorados ofereciam com amêndoas. Eram de todos os tamanhos e feitios, algumas de grande beleza.
Bem diferente se comemora, nos nossos dias, o tempo pascal. Poucos são os que participam e vivem as cerimónias da Semana Santa; as velhas tradições quase desapareceram e, sem elas, morre um pouco da alma portuguesa, as raízes que a identificam.
Por Humberto Pinho da Silva
De Portugal