Estão em pauta os abusos de autoridade praticados por magistrados e membros do Ministério Público. Alguns defendem a impossibilidade porque enfraquece a investigação, a apuração e a decisão. Seria o réu acusando e pedindo a punição de seus investigadores e julgadores, numa inversão de valores. Surge a questão: há necessidade de legislação ou do aperfeiçoamento da existente?
A Constituição Federal em seu artigo 52, inciso II, expressa: “Compete privativamente ao Senado Federal: (…) II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. O Texto Maior continua no artigo 93, inciso VIII – “o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional da Justiça, assegurada ampla defesa” e no inciso X – “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. No artigo 96, inciso III, verificamos a competência privativa “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”. O artigo 103, B da Lei Magna, dedicado ao Conselho Nacional da Justiça, em seu § 4º dá competência para “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes…”. Zelar ainda pela legalidade dos atos, aplicação dos princípios do artigo 37, receber reclamações, representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade. Conforme o § 5º, inciso I, recebe reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados. Conforme o § 7º, são criadas ouvidorias de justiça para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado, inclusive no Distrito Federal. Têm, enfim, submissão às corregedorias de seu Tribunal e do Conselho Nacional de Justiça. Em consonância com o artigo 108, inciso I, “a” “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral” são julgados, originariamente pelos Tribunais Regionais Federais.
Quanto aos crimes de responsabilidade, verificamos que políticos, poderão julgar os ministros do STF e o Procurador Geral da República, por denúncia de qualquer cidadão, perante o Senado Federal, em consonância com o artigo 41 da Lei 1.079/50, a chamada Lei do “Impeachment”. Esta, no artigo 42, prescreve que “a denúncia só poderá ser recebida se o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente, o cargo. “Lei do Impeachment”, no seu artigo 39, define: são crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; proferir julgamento quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade político partidária; ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”. Há uma ordem razoável de votação, do mais novo ao mais antigo para evitar influência e daí a vedação para mudança do voto proferido, sob pena de afastamento. No segundo caso poderemos citar os artigos 144 e 145 do CPC de 2015; ao tratar dos impedimentos e da suspeição estabelece uma lista substancial.
Infringindo, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, qualquer destes dispositivos, estará sujeito ao processo e julgamento e se condenado pelo voto de 2/3 dos Senadores ficará desde logo destituído do cargo e inabilitado por até oito anos para o exercício de qualquer função pública, conforme artigos 68,69,70 da Lei 1.079/50.
A situação é a mesma para o Procurador Geral da República. O artigo 40 da Lei 1.079/50, classifica os seus crimes de responsabilidade nos mesmos termos quanto à suspeição, o comportamento desidioso e o procedimento incompatível com a dignidade e o decoro que o cargo exige. Acrescenta para este, “recusar-se à prática de ato que lhe incumba”, ou seja, se tem a incumbência, é de sua atribuição, recusa ou omite-se, intencionalmente ou não, estará sujeito às mesmas punições.
Obedece aos mesmos processo e julgamento, com denúncia de um cidadão perante o Senado Federal, previstos na Lei 1.079/50.
Verifica-se um controle entre Poderes e dos cidadãos sobre os Poderes. Os responsáveis pela última palavra em direito, os ministros do STF e o fiscal maior da Lei, o procurador-geral da República, do mesmo modo que todos, são responsáveis e responsabilizados, têm seus limites neste sentido e na interpretação dos princípios e regras. É uma imposição do Estado de Direito. Deve-se destacar a competência para a iniciativa da lei de organização do Poder Judiciário a ele próprio. Preservasse a sua autonomia, mas exige-se a isenção, a independência e a imparcialidade dos magistrados na atividade hermenêutica jurisdicional. Somente sua interpretação poderá ser reformada.
Temos, pois, normas que já punem a magistratura e o Ministério Público disciplinarmente, por crimes comuns e de responsabilidade. Se há abusos, benefícios, vantagens, corporativismo, a legislação deverá ser atualizada, reformada e adaptada à realidade, nestes pontos.
Artigo assinado por: Ives Gandra da Silva Martins e Dircêo Torrecillas Ramos:
Mestre, Doutor, Livre-Docente pela USP;
Professor convidado PUC-PÓS;
Membro efetivo da Comissão de Reforma Política da OAB-SP;
Membro do Conselho Superior de Direito da Fecomercio;
Membro da APLJ e do IASP.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.