Cracolândia, o Gueto

Atualmente pode parecer estranho, mas, o bairro da Luz, já foi um dos mais elegantes de SP. Incluindo suas adjacências. Isto na virada do século XIX para o XX, ainda sob o reflexo da importância da economia cafeeira para a cidade e para o próprio país. A Luz ganhou este nome quando Domingo Luís, um comerciante no ramo da carvoaria, importante naquele tempo por conta da iluminação e aquecimento, construiu uma capelinha na região chamada de Guaré e, por devoção dos trabalhadores, homenageou Nossa Senhora da Luz. Tempos depois ele resolveu mudar a capela para um espaço melhor, numa construção mais bem cuidada, embora permanecendo rústica, na direção do Rio Tietê, ainda dentro do Guaré. Isto no século XVII. A capela tornou-se uma referência para os moradores da cidade, ao falar da região norte, naquela época. Assim, nesse antigo caminho do Guaré, com o passar do tempo, acabaram sendo construídos o Jardim da Luz, o Seminário Episcopal, a estação ferroviária e a atual Pinacoteca. A Luz era um local muito agradável, que servia de passeio para as famílias nos finais de semana. Um local arborizado, com boulevards. E essas características de organização e classe eram estendidas também para o bairro dos Campos Elíseos, onde a elite do café construiu seus palacetes, assim como Santa Ifigênia e arredores.
Ao longo do século XX bondes, carros, ônibus e caminhões passaram a competir com os trens. Com a decadência da estrada de ferro na organização econômica, a região foi também sofrendo seus impactos. Os mais ricos tomaram outros rumos na cidade. A transformação da av. Tiradentes em via expressa roubou a presença de passantes rotineiros. Paralelamente, cortiços e prostituição começaram a proliferar com intensidade nas grandes construções.
Apesar da intervenção do governo, atuando sobre pequenos hotéis utilizados para consumo de bebidas, drogas e do sexo, além das repressões sobre o trafico, os resultados foram absolutamente insuficientes para conter o progresso da degradação, do empobrecimento e da criminalidade do local. Isto resultou no afastamento das famílias de moradores, que buscaram sair da região. Sobreviveu o comércio diurno, com destaque para o ramo eletro-eletrônico. À noite o espaço ficou à mercê das garotas de programas, dos drogados e afins. Assim, essa região da cidade, pela resistência na presença do problema e uma certa ‘acomodação’ das autoridades, tornou-se uma espécie de gueto conhecido pelo infame nome de Cracolândia.
Recentemente, o governo municipal iniciou um processo de revitalização da área. Em 2010, o projeto conhecido por “Nova Luz”, que previa derrubar cerca de 30% da região, não conseguiu, passados 33 meses de seu início, atrair empreendedores que se interessassem em se mudar para a área. E quais eram as reclamações dos pretensos investidores? As ruas tinham muitos ‘nóias’ errantes, os indivíduos consumidores de crack. Eles, inclusive, à noite lotam a região em busca das pedras, fora a quantidade de sujeira no local. O departamento de narcóticos calcula que pelo menos 2000 viciados perambulem pelo bairro.
Ano passado Kassab e sua assessoria estavam ansiosos por retirar das ruas, à força se for preciso, os usuários que recusassem tratamento. E a administração buscava uma alternativa legal para isso, pois, de cara, juristas lembravam que a retirada compulsória de pessoas das ruas é inconstitucional.
Enfim, 2012 bateu à porta. Ano de eleições municipais. E o prefeito não quis perder mais tempo. É preciso holofotes e ação para a mídia. Então, colocou a polícia atrás dos envolvidos com o crack, vício característico de pobre, de ‘duro’. E a confusão está armada.
Organizações sociais se levantaram contra a ação da Prefeitura e do Estado. Estratégia e princípios utilizados e defendidos pelo representante do poder público estadual têm sido avaliados como frágeis e inadequados por especialistas. Quer dizer, ao invés de intervir de forma articulada entre diferentes áreas, dando conta dos graves problemas sociais e de saúde, as autoridades parecem privilegiar a truculência e o flagrante desrespeito aos direitos humanos. Foram, por exemplo, flagrados utilizando bombas de efeito moral e balas de borracha contra os drogados. A medida é fracasso na certa contra a doença. Serve apenas para salivar mentes mais reacionárias e higienistas.
A situação é complexa. Com violência não vai se conseguir minimizar a ação dos dependentes químicos porque isto é um caso de saúde publica. O traficante sim é quem deve ser reprimido pela polícia. E só. Sem método, ações coordenadas e foco o único efeito é espantar, dispersar os doentes por outras ruas. Absolutamente patético. E, para concluir: os comerciantes da Luz não estão nem um pouco contentes com o Projeto do governo. Durante o ano passado, até passeata de funcionários aconteceu contra as desapropriações. O prefeito e o governador não estão agradando nem aos empresários da região e nem as organizações sociais. Deviam agir com menos brutalidade e ouvir mais atentamente a comunidade. Lição básica de democracia: atentar para os interesses da população. Que Nossa Senhora da Luz nos ilumine. São Paulo, 19 de janeiro de 2012.

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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