Mia Couto pede novo Governo em Moçambique “com os melhores” e “uma só lei”

Da redação com Lusa

 

O escritor moçambicano Mia Couto sugere a criação de um Governo “que tenha os melhores” e que “haja uma lei só”, sendo poderosos ou não, após as eleições gerais de quarta-feira em Moçambique.

“Espero que ganhe Moçambique, no sentido de termos um Moçambique que tenha uma lei só, que não tenha uma lei dos poderosos e uma lei para os que não têm poder, isso é o que espero que aconteça”, disse Mia Couto, em declarações à Lusa, em Maputo, à margem do lançamento do livro ʽA Cegueira do Rioʼ.

Para Mia Couto, Prêmio Camões de 2013 e há vários anos fora da vida na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), depois das eleições gerais de 09 de outubro, Moçambique deve formar um Governo composto “pelos melhores”, independentemente da formação política a que pertencer.

“Depois das eleições, porque não fazer um Governo que tenha os melhores, independentemente da cor política? Porque não escolher os preparados tecnicamente para exercer funções de governação? Acho que seria um bom exemplo para o mundo, para África, fazer um Governo que não fosse só de um partido”, declarou o escritor, referindo que espera mudanças do novo executivo a ser formado.

Mia Couto acrescentou que espera que o novo Presidente a ser eleito e o seu executivo sejam capazes de compreender que Moçambique atravessa um momento difícil à semelhança de 1975, altura da independência, referindo que os políticos devem unir-se pelo país.

“A ideia não é a substituição de um partido pelo outro, é preciso mudar aquilo que é a perspetiva do que é governação, do que é ser dirigente. Os assuntos, que são complexos que a gente tem, não se resolvem com discursos que simplificam a realidade e que são feitos na base da demagogia fácil”, explicou.

“É preciso, sobretudo, que essas forças políticas digam que vamos nos juntar naquilo que for possível para resolver este assunto de um país que tem uma guerra, que está no meio de uma crise internacional gravíssima, então, acho que isso teremos que aprender a fazer juntos, outra vez”, acrescentou.

Moçambique realiza na próxima quarta-feira as sétimas eleições presidenciais – às quais já não concorre o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite constitucional de dois mandatos – em simultâneo com as sétimas legislativas e quartas para assembleias e governadores provinciais.

O escritor receia que se repita a escalada de violência pós-eleitoral, à semelhança das autárquicas de 2023, destacando que esses acontecimentos “mancham o sentido de democracia”.

“Acho que quem reclama tem que o fazer de uma maneira cívica. Nas eleições anteriores ouvi muitas vozes a reclamar e a ameaçar que vão publicar atas que foram sujeitas a fraude e depois nunca havia essa publicação. É tanto barulho e depois eu gostava de ver, como cidadão preciso que haja provas de que houve uma falsidade dos resultados e, se não me apresentam, começo a ficar com dúvidas sobre a razão desses que protestam”, concluiu.

Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, tendo sido jornalista e professor, atualmente é biólogo e escritor.

Prêmio Camões em 2013 e José Craveirinha em 2022, é autor, entre outros, de “Jerusalém”, “O Último Voo do Flamingo”, “Vozes Anoitecidas”, “Estórias Abensonhadas”, “Terra Sonâmbula”, “A Varanda do Frangipani” e “A Confissão da Leoa”.

Mais de 17 milhões de eleitores estão inscritos para votar na quarta-feira, incluindo 333.839 recenseados no estrangeiro, segundo dados da Comissão Nacional de Eleições.

Concorrem à Presidência Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Ossufo Momade, apoiado pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), maior partido da oposição, Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira força parlamentar, e Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos).

Livro

O escritor moçambicano lançou em Maputo, o seu mais recente livro, “A Cegueira do Rio”, que apresentou como uma luta contra “o esquecimento e o apagar da memória coletiva”.

“Este livro foi-me suscitado por um diálogo com a história. Há um episódio verídico que acontece em 1914 na província de Niassa, na fronteira com a atual Tanzânia, que me suscitou uma grande curiosidade, onde há um incidente militar, e a grande guerra ainda estava a começar na Europa e foi um incidente num lugar que não queria existir praticamente”, declarou o escritor.

O ponto de partida da estória é um incidente que acontece numa aldeia na fronteira entre a Tanzânia e Niassa, em que centenas de pessoas foram assassinadas pelo exército alemão que colonizava a África Oriental Alemã, a atual Tanzânia, após uma revolta que ficou conhecida como Maji-Maji.

“Todos quiseram apagar aquele incidente: os alemães do outro lado da fronteira e as comunidades moçambicanas do nosso lado e todos tinham o mesmo interesse em apagar aquele incidente. Isso é muito raro na história e suscitou-me vontade de inventar qualquer coisa à volta disso”, explicou o escritor.

O escritor Mia Couto estará em Portugal no final do mês. Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Gonçalo M. Tavares e Dulce Maria Cardoso são alguns dos escritores que vão passar pelo festival Outono Vivo, que arranca em 25 de outubro, na Praia da Vitória, nos Açores.

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