Mundo Lusíada com Lusa
A presidência são-tomense da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) vai priorizar o financiamento ao empreendedorismo e educação, mas também os desafios da habitação e mobilidade jovem, anunciou o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe.
“Temos algumas ideias quanto à formação no seio do espaço da CPLP que iremos desenvolver. Nós temos as trocas entre os jovens, que é fundamental. Temos outros países, outras comunidades que têm um sistema de troca entre os estudantes e entre os jovens, temos que poder também reproduzir os bons exemplos que existem em outras comunidades”, disse Patrice Trovoada em entrevista à Lusa na capital são-tomense, que acolhe este domingo a cimeira do bloco lusófono, marcando o início da presidência rotativa de dois anos da CPLP por São Tomé e Príncipe.
O primeiro-ministro são-tomense disse que a presidência são-tomense da pretende conseguir “ter coisas muito concretas que possam servir aos jovens no seu dia-a-dia”, com base no tema “Juventude e Sustentabilidade” que tem como subcapítulos “Educar, inovar e preservar”.
Apontou por isso a promoção da “economia numérica e a sociedade numérica”, bem como a “aposta nos manuais escolares digitais”, considerando que em termos de custos “podem ser partilhados por todos” e podem “beneficiar muito mais jovens, crianças e professores” do espaço lusófono.
Patrice Trovoada sublinhou que a CPLP “é uma comunidade baseada na língua”, mas a partir dessa base há muita coisa que se pode fazer “mais e melhor em direção à juventude, fundamentalmente no setor da educação, da formação e do empreendedorismo jovem”.
“Eu acho que temos aí, de facto, que colocar atos concretos que sejam transversais e que possam mandar um sinal de que somos uma comunidade e que essa comunidade, para ela durar no tempo, é preciso que seja suportada pela juventude que serão os adultos de amanhã”, defendeu o Patrice Trovoada.
Para isso, sublinhou, “a sustentabilidade tem que estar presente em tudo”, sobretudo porque o planeta “está perante vários desafios”, nomeadamente o “desafio climático”, mas também o “desafio alimentar que continua a permanecer”, sobretudo no continente africano, marcado “por insegurança alimentar”.
Patrice Trovoada entende que um dos grandes problemas dos jovens também é a habitação e a urbanização que “coloca um desafio de sustentabilidade, não só com os materiais”, mas também com a maneira como se faz o ordenamento territorial.
O primeiro-ministro são-tomense sublinhou a importância do testemunho recebido da presidência angolana da CPLP, assinalando que Luanda vai continuar a apoiar a desenvolver o pilar econômico na CPLP, “que é tão basilar para tudo” que o arquipélago pretende fazer.
“Contamos com essa proximidade, digamos, quase cumplicidade com Angola para nos próximos dois anos integrarmos sempre essa componente econômica nas próximas ações que vamos desenvolver”, disse.
“Angola contribuiu para que houvesse agora uma estrutura institucional no seio do secretariado que lida com a matéria econômica e vamos apoiar nessa estrutura para trabalharmos programas que nós queremos desenvolver, isso a nível da CPLP, mas para além da CPLP”, afirmou, aludindo à criação da nova direção de assuntos econômicos e empresariais, que será formalizada na cimeira.
Segundo Patrice Trovoada, para a realização da cimeira São Tomé e Príncipe tem tido apoios financeiros, de equipamentos e formação, nomeadamente de Angola, Portugal, Guiné Equatorial e Timor-Leste.
“Nós sabemos que o sucesso da presidência são-tomense será o sucesso da CPLP. Nós assumimos também a nossa parte, eu quero também agradecer a todos são-tomenses que, de uma maneira ou de outra, nessa fase estão a contribuir para o sucesso dessa cimeira, dessa semana da CPLP”, referiu o chefe do Governo são-tomense.
Questionado sobre a participação dos jovens na cimeira que vai decorrer em São Tomé e nas atividades da presidência são-tomense da CPLP, Patrice Trovoada considerou que “é extremamente difícil” poder encaixar os jovens na agenda dos trabalhos em São Tomé, mas garantiu que vai contar com eles nos próximos dois anos.
“É um início de uma caminhada de dois anos e eu tenho a certeza que, ao longo dessa caminhada, quem no fundo trará substância para os temas que nós queremos desenvolver são os jovens e as associações em que eles estão representados. […] Os temas que nós queremos desenvolver serão temas que não farão sentido se nós não envolvermos as organizações juvenis”, referiu.
“No que diz respeito a São Tomé e Príncipe, o facto de termos escolhido essa temática é prova da nossa consciência da necessidade de darmos resposta à juventude, e quem mais sabe daquilo que precisam são os próprios jovens. Por isso, não faz sentido que tenhamos um tema assim sem o envolvimento da juventude”, acrescentou o primeiro-ministro são-tomense.
A CPLP, que integra Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, realiza a 14.ª conferência de chefes de Estado e de Governo, em São Tomé e Príncipe, no próximo domingo, sob o lema “Juventude e Sustentabilidade”.
Guiné Equatorial
O primeiro-ministro são-tomense defendeu que a Guiné Equatorial é um Estado-membro de pleno direito e por isso tem o mesmo direito de poder assumir a presidência da organização.
Trovoada sublinhou que, se for por ordem alfabética, deverá ser a Guiné-Bissau a assumir a próxima presidência da CPLP, sucedendo a São Tomé, mas se este país “quer deixar passar o seu lugar”, a Guiné Equatorial “tem os mesmos direitos que qualquer outro [Estado] de poder assumir” a próxima presidência da organização lusófona.
Segundo o primeiro-ministro são-tomense, tudo vai ser analisado primeiro ao nível dos ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, que se reúnem hoje em São Tomé, e, “se não ficar sanada a esse nível, vai a nível superior”, para decisão dos chefes de Estado e de Governo, na cimeira de domingo.
“Eu creio que iremos ver, se a Guiné Bissau, que em princípio é próxima, disser que não quer por as razões que são próprias e se nós não conseguirmos convencer a Guiné-Bissau, terá que ser um outro país e aí a Guiné Equatorial tem o mesmo direito, mesmo peso, mesmo mérito que qualquer outro país-membro”, insistiu.
Na cimeira de Luanda, em 2021, Bissau manifestou interesse a suceder a Angola na presidência, e a decisão foi adiada, tendo acabado por ser São Tomé e Príncipe o país escolhido. No mês passado, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, admitiu abdicar da presidência rotativa da CPLP e optar antes por presidir à União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA).
O primeiro-ministro são-tomense disse esperar que o assunto seja concluído durante a cimeira de São Tomé.
“Se temos uma cimeira que é exatamente para fechar os dossiês e os dossiês continuarem em aberto por não haver consenso não é um bom sinal para a CPLP”, disse Patrice Trovoada.
A Guiné Equatorial, uma antiga colónia espanhola, é o país mais recente da CPLP, tendo aderido na cimeira de Díli, em 2014, mediante um roteiro de adesão, que contemplava, entre outras medidas, a abolição da pena de morte – o que ocorreu em setembro do ano passado – e a promoção da língua portuguesa. Desde a sua adesão, a Guiné Equatorial nunca assumiu a presidência nem o secretariado-executivo da organização.
Em entrevista à Lusa, o secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, afirmou recentemente que a integração de Malabo será analisada durante a cimeira, mas salientou que a Guiné Equatorial “está a viver uma fase diferente e que precisa do contínuo apoio dos Estados-membros, por forma a que possa integrar-se plenamente” na comunidade.
“Precisamos de continuar a dar esse apoio, que é importante, que é necessário para que possa tornar-se também um membro de pleno direito. Já é, mas um membro plenamente integrado na vida da nossa comunidade”, salientou.
Para isso, Zacarias da Costa considera que, além do desenvolvimento do ensino do português, é necessário que aquele Estado-membro, que já assumiu “o grande compromisso da abolição da pena de morte no Código Penal”, trabalhe na “alteração da Constituição da República”.
Associados
Trovoada ainda afirmou que os observadores associados – 33, atualmente, entre países e organizações – têm várias formas de contribuir para a comunidade lusófona, sublinhando que alguns “indiretamente, pela sua participação em outras organizações já contribuem também para a CPLP”.
Para o primeiro-ministro são-tomense, “o pagamento de quotas também quer dizer que têm direitos” e “não só obrigações”.
“Do momento nós estamos em crer que quem paga quotas como observador tem também direitos, e é preciso definirmos, então, como é que isso se pode traduzir e vamos discutir e esperamos ter consenso. A CPLP só se move por consenso e nós queremos que haja de facto progresso nessa matéria”, sublinhou Patrice Trovoada.
O chefe do Governo são-tomense admitiu que “o Brasil também tem uma opinião muito próxima” à de São Tomé, mas insistiu que é necessário debater o assunto, referindo que o propósito de São Tomé “é que não haja situação de bloqueio”, pelo que deverá ser encontrada uma forma de “ultrapassar essa questão de modo consensual”, durante a cimeira de São Tomé, em que são esperados mais de 500 participantes.
Os membros do bloco lusófono estão divididos quanto à introdução de uma quota para os observadores associados, explicou o secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, que está a terminar o seu primeiro mandato de dois anos e assumirá um segundo mandato na conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP, em São Tomé e Príncipe, onde tomará posse.
O novo regulamento dos observadores associados é um documento que já está em discussão há pelo menos cinco anos, antes da cimeira de Luanda, em 2021, quando Angola assumiu a presidência rotativa da comunidade.
Nessa altura, responsáveis da CPLP chegaram a admitir que o regulamento poderia ainda ir a aprovação naquele ano, o que acabou por não acontecer porque faltava acertar vários pontos do documento. E já nessa altura um dos aspetos que não reunia consenso entre os Estados-membros era o de pagamento de quotas por parte daqueles países.
“Penso que essa é uma questão fundamental: se os observadores associados serão chamados a pagar ou não uma contribuição regular, seja em forma de joias, ou seja em forma de uma quota”, afirmou agora, numa entrevista à Lusa, o atual secretário-executivo.
Apesar disso, Zacarias da Costa disse ter esperança que seja nesta cimeira que o regulamento avance.
O número de observadores associados tem crescido bastante nos últimos anos, atingindo os 33 na cimeira de Luanda, com a aprovação de mais 14 candidaturas. Nesta cimeira deverá ser aprovado pelo mais um, o Paraguai.
A criação da categoria de observador associado, em 2005, abriu uma oportunidade para a ligação a esta organização de outros Estados e regiões lusófonos que pertençam a países terceiros, mediante acordo com os Estados-membros.
Hoje, os Estados que queiram ser observadores associados da CPLP têm de partilhar os princípios orientadores da comunidade lusófona, como a promoção das práticas democráticas, a boa governação e o respeito dos direitos humanos, devendo prosseguir objetivos idênticos aos da organização, mesmo que, à partida, não reúnam as condições necessárias para serem membros de pleno direito.