Da Redação
Com Lusa
O ex-secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Murade Murargy defendeu que a organização deve ajudar Moçambique no combate aos ataques em Cabo Delgado, nomeadamente agindo “como um padrinho” na mobilização de apoios internacionais.
Como moçambicano, Murade Murargy, que também fez parte de anteriores governos do seu país e foi chefe da Casa Civil de ex-Presidente Joaquim Chissano, disse, em entrevista à Lusa, que Moçambique precisa do apoio internacional para combater o problema dos ataques em Cabo Delgado (norte do país) e que a CPLP devia passar das palavras aos atos na ajuda a um Estado-membro que enfrenta “uma agressão externa” e “uma invasão do seu território”.
“O meu país, além desta grande crise sanitária [a pandemia de covid-19] ainda está enfrentando duas frentes de batalha (…). A primeira, já é antiga,(…) que é a guerra contra a Junta Militar da Renamo [o grupo de antigos militares do braço armado do maior partido da oposição], que está ainda atuando no centro de Moçambique. Depois tem a frente de Cabo Delgado, que está mais relacionada com o crime organizado e transfronteiriço”, sublinhou.
Numa organização como a CPLP, “solidária, fraterna, com espírito de entreajuda”, seria natural que “os chefes de Estado, de alguma forma, tivessem uma reunião de urgência,(…) para ver o que se pode fazer para ajudar Moçambique a ultrapassar esta invasão do seu território”, afirmou Murargy, que foi secretário-executivo entre 2012 e 2016.
Os apoios podem, na opinião de Murargy, ser técnico-militares, materiais ou financeiros. E, acrescentou, “a CPLP pode ser o padrinho para solicitar a mobilização do apoio internacional para Moçambique”.
Segundo o antigo responsável, o próprio presidente da organização – atualmente o chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca -, “podia deslocar-se a Moçambique, falar com o Governo moçambicano, avaliar a situação (…), conhecer a origem deste conflito, depois informar os outros Estados-membros ou convocar uma cimeira de urgência”, para “encontrar soluções”.
A nível bilateral, entre os Estados-membros, também “devem haver acordos de cooperação militar, que podem permitir uma mobilização de apoios para fazer frente a esta agressão”, adiantou.
Mas, é a CPLP deve ver o que pode fazer “seja ao nível dos seus Estados-membros, seja de apoios fora da comunidade, ao nível das Nações Unidas, por exemplo”, apontou.
Quando questionado se o Governo moçambicano quer realmente ajuda para fazer face ao problema dos ataques a Cabo Delgado, cuja origem ainda não é definitivamente conhecida, o embaixador respondeu: “Não sei. Mas a iniciativa tem de partir da CPLP. Não é Moçambique que vai pedir à CPLP para se reunir”.
Murargy apontou como exemplo o apoio que a França está a dar, com o seus militares numa força conjunta, para combater o Boko Haram, grupo jihadista que opera na região do Sahel.
“Por isso, se as Nações Unidas assumirem que este conflito em Moçambique é transfronteiriço e que põe em causa a estabilidade vindo de fora, se for chamada como uma força de manutenção de paz vai ter de considerar”, concluiu, admitindo que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, “estaria aberto a discutir essa possibilidade e de que forma esse apoio poderia vir”.
Segundo o diplomata moçambicano, o que está a acontecer em Moçambique é uma situação que está também a ganhar terreno na Tanzânia
“É um movimento que vem lá de cima, mas vem descendo da Somália. É porque há cidadãos de outros países que estão envolvidos nisto e que querem transformar esta região toda numa região islâmica”, reforçou.
Os ataques de grupos armados que desde 2017 aterrorizam Cabo Delgado já fizeram pelo menos mil mortos, entre civis, militares moçambicanos e vários rebeldes, e estão a causar uma crise humanitária que afeta mais de 700.000 pessoas.
As Nações Unidas estimam que haja 250.000 pessoas em fuga dos distritos mais afetados, mais de 10% da população da província, que tem cerca de 2,3 milhões de habitantes.
Alguns dos ataques são desde há um ano reivindicados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico e a ameaça terrorista é reconhecida dentro e fora do país, tendo os grupos de rebeldes ocupado importantes vilas de Cabo Delgado (situadas a mais de 100 quilômetros da capital costeira, Pemba) durante dias seguidos, antes de saírem sob fogo das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas.
Além de Moçambique, integram a CPLP mais oito Estados: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.