Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente foi hoje [12 de julho] condenado por corrupção. A pesada sentença – nove anos e meio de cadeia – ainda é susceptível de recurso. Mas a segunda instância – o tribunal da Relação do Paraná – não tem sido propriamente leniente em casos anteriores que lhe foram apresentados para revisão no âmbito da Lava Jato.
Nalguns deles, a Relação chegou mesmo a agravar as penas decretadas pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que hoje também condenou Lula. A situação é portanto de grande apreensão para o ex-presidente e para o PT, o partido de que ele é ainda o rosto e a alma.
Se, dentro de alguns meses, a sentença for confirmada pela Relação, Lula pode ser preso e em qualquer quase estará fora das eleições de 2018, por força da chamada Lei da Ficha Limpa, que impede pessoas com sentença confirmada em segunda instância de concorrerem a cargos públicos.
UMA BOMBA COM REPERCUSSÃO EM TODO O BRASIL
Embora esperada há já algumas semanas, a sentença contra Lula caiu como uma bomba aqui em Brasília e vai ter certamente repercussões em todo o país.
Em primeiro lugar, pelo próprio momento em que acontece – quando transita no parlamento um pedido de autorização da Procuradoria Geral da República para investigar o actual presidente, Michel Temer, acusado, também ele, de corrupção passiva.
Para Temer – que luta pela própria sobrevivência e a quem só a permanência no poder o coloca, para já, ao abrigo da polícia – a condenação de Lula não podia ter vindo em melhor momento – retirando o foco das atenções e da condenação moral do actual executivo de centro-direita para o ex-chefe de Estado e as forças de centro-esquerda que ele representa.
Depois e sobretudo porque Lula é um líder carismático, que saiu da presidência com mais de 80 por cento de aprovação e ainda hoje desfruta, a julgar pelas sondagens, do apoio de pelo menos um terço do eleitorado. A sua condenação agora vai certamente agudizar o confronto político.
A direita – que há muito exigia a sua cabeça, acusando-o de ter montado um esquema de corrupção sem precedentes no país – vai certamente dizer que se fez justiça e ninguém está acima da lei.
A esquerda, hoje na defensiva, responderá que num país onde a corrupção é endémica e o financiamento ilícito do processo eleitoral sempre foi a regra do jogo, não faz sentido condenar Lula quando outros com faltas mais graves – incluindo no núcleo do actual governo – escapam à justiça.
Ambos terão provavelmente parte da razão.
Seja como for, uma coisa é certa – o saneamento moral a que a Lava Jato deu início, completamente inédito no Brasil, decorre num contexto de intensa luta política em que o próprio judiciário se vê por vezes envolvido, nem sempre conseguindo distanciar-se e nem sempre cumprindo à risca as regras básicas do Estado de direito.
Muita coisa já foi feita, muita gente condenada, muito dinheiro recuperado para o Estado, naquela que é a maior operação de sempre contra a corrupção no Brasil.
Mas o desfecho final ainda é incerto e vai depender da correlação das forças políticas. Há todo um movimento para “estancar a sangria”, num acordo “com Supremo e tudo”, na expressão de um dos políticos envolvidos.
Se algum acordo havia, a condenação de Lula vem pô-lo em causa. O PT vai certamente reagir e o mínimo que se pode esperar é uma agudização do confronto político.
Desmoralizado, e com o próprio Lula com elevado índice de rejeição (45%, de acordo com as últimas sondagens), o Partido dos Trabalhadores não conseguiu até agora mobilizar o descontentamento e colocar o protesto nas ruas. Conseguirá agora fazê-lo com a condenação daquele que já foi o mais popular e o maior ídolo político do Brasil?
Para um observador externo, a situação inspira alguma melancolia.
O Brasil, que há poucos anos parecia finalmente arrancar para o futuro brilhante que sempre desejou e certamente merece – com redução da pobreza e da desigualdade e índices de crescimento elevados – volta hoje a patinar, envolvido numa luta intestina da qual parece não conseguir libertar-se.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.