Da Redação
A quantidade de brasileiros que pedem ajuda ao Consulado do Brasil em Lisboa e a associações de solidariedade social para voltar ao país de origem tem aumentado. De acordo com o programa de retorno Árvore, da Organização Internacional para as Imigrações (OIM), o número se assemelha aos do início da pandemia.
De janeiro a outubro deste ano, 687 pedidos foram registrados, o que representa mais do que o triplo de 2021, quando houve 219 casos. Em 2020, foram 709 brasileiros que buscaram auxílio, sendo que 333 foram repatriados pelo programa Árvore.
Os motivos para esse crescente aumento de regresso ao Brasil se devem ao fato de que a inflação atingiu um nível muito elevado (acima de 9% ao ano), os imóveis obtiveram altas no preço e muitos estão desempregados. Nesse cenário, os imigrantes não conseguem custear as passagens de volta.
Muitas vezes, os imigrantes não se planejam para viajar. Depois de um tempo em terras portuguesas, percebem que a realidade é diferente da que imaginavam e que o processo para se estabelecer no país não é simples e necessita da orientação de um profissional. Alguns acabam caindo na armadilha de cancelar a passagem de volta ao Brasil após entrar em Portugal e, depois de não se adaptarem ao custo de vida alto, não conseguem retornar, afirma especialista.
“É habitual que brasileiros entrem em Portugal como turista, já que existe dispensa da necessidade de visto. Com o passar do tempo conseguem se regularizar, mas geralmente são dois anos de residência irregular e precária, com limitações e dificuldades diversas”, explica o advogado Maurício Gonçalves, que está em Portugal há 22 anos e é especialista em imigração e nacionalidade.
Ele ainda complementa dizendo que nem todos os interessados possuem disciplina e perseverança para superar os obstáculos que surgem a cada dia, agravados pela falta da desejada Autorização de Residência. Atualmente, a estratégia de entrar em Portugal como turista e permanecer em busca da regularização deixou de ser uma alternativa a ser utilizada.
“Além de ilegal, outra possibilidade surgiu no final desse ano de 2022, o visto de procura de trabalho. Com algum planejamento esse visto apresenta uma chance barata e relativamente segura de chegar em Portugal, encontrar um trabalho subordinado e praticamente de imediato se regularizar no país”, afirma Maurício.
Segundo o governo de Portugal, quase 10 mil brasileiros chegaram a se inscrever no site do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) após a liberação para as inscrições do novo visto de trabalho. E no momento, há 252 mil brasileiros residentes legais no país, representando a principal comunidade estrangeira de Portugal.
Facilidades para Portugal
Recentemente Portugal anunciou mudanças para facilitar vistos a profissionais que atuam remotamente em empresas estrangeiras. A Lei portuguesa passa a permitir a estadia temporária ou de residência para os nômades digitais. A atualização do visto complementa a Lei de nacionalidade, implementada em abril deste ano.
O especialista em mobilidade global, Lucas Lima, que tem 15 anos de experiência na Europa e preside a consultoria de mobilidade Aquila Global Group, pondera que com as mudanças na legislação o suporte consultivo é mais que necessário para evitar, inclusive, fraudes e prejuízos no processo de aplicação da nacionalidade portuguesa.
“Em abril deste ano, uma mudança na Lei da Nacionalidade de Portugal foi regulamentada e facilitou a emissão do documento para muitos brasileiros. Antes, os parentes de portugueses precisavam comprovar uma efetiva ligação com o país nos últimos cinco anos, o que restringia bastante o acesso à naturalização. Agora, a lei reconheceu que as pessoas que falam português já possuem um vínculo suficiente com Portugal”, explica Lucas Lima.
A possibilidade de ter a cidadania portuguesa pode ser um grande fator que impulsiona ainda mais a migração de brasileiros para o país europeu. O Brasil é a principal nacionalidade estrangeira residente em Portugal, quase um terço do total (29,3%), de acordo com dados do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) do Ministério das Relações Exteriores de Portugal.
O expert explica que a Lei de Nacionalidade Portuguesa permite que a cidadania seja transmitida até a segunda geração, ou seja, pode ser concedida a todos os netos de portugueses.
“A legislação também prevê que os filhos dos portugueses não precisam estar vivos para que os netos entrem com o pedido. Além disso, os processos das duas gerações podem ocorrer juntos. Em todos os outros casos, os parentes mais velhos precisam ter o documento antes dos mais novos. O mais importante é que são muitos detalhes que precisam ser considerados para evitar prejuízos e facilitar a tramitação do processo”, explica Lucas Lima.
Além do fácil acesso ao país, a estrutura necessária para o trabalho remoto, se destaca. Segundo dados do Índice de Trabalho Remoto do site Kayak, Portugal ocupa a primeira posição do ranking de melhores países para se trabalhar. A capital Lisboa se destaca liderando a lista de melhor cidade para um nômade digital viver, considerando a qualidade da internet, o custo de vida, a vida social e a segurança.
“Os brasileiros estão cada vez mais atentos às possibilidades de migração qualificada e legal para o exterior. Não há mais aquela visão de que é preciso começar do zero”, defende o especialista.
Saindo do Brasil
O índice de brasileiros que deixaram o País e não retornaram em 2021 foi o maior nos últimos 11 anos, segundo levantamento da Polícia Federal. No ano passado, 17% dos moradores saíram do Brasil e não voltaram. Em 2010, quando o levantamento começou a ser feito, o índice foi de 7%. Segundo a Polícia Federal, os Estados Unidos ainda são o principal destino dos brasileiros.
Desde ano passado, também os cartórios do Brasil já registravam aumento de 67% na validação de documentos de brasileiros para viver no exterior.
As dificuldades enfrentadas no Brasil durante crise de saúde pública causada pela pandemia, aliada a perda do poder aquisitivo das famílias em razão da desvalorização da moeda, fizeram com que cada vez mais brasileiros tentassem a vida no exterior. É o que mostram o aumento nos atos de Apostilamentos, serviço de validação de documentos escolares e de dupla cidadania feitos em Cartórios, que cresceram 67% no segundo semestre de 2021.
Dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), entidade que reúne os Cartórios de Notas do país e administra a plataforma de Apostilamentos, mostram que entre junho e novembro de 2021 foram realizados mais de 912 mil Apostilamentos no Brasil, enquanto no mesmo período de 2020 foram validados 544 mil documentos.
Quando observados apenas aqueles referentes a solicitações de vistos para estudos ou abertura de processos de dupla cidadania, o crescimento foi de 131%, passando de 299,5 mil, para 693 mil nesse período de 2021. Em 2020, os documentos apostilados referentes a quem desejava estudar ou tirar dupla cidadania representavam 55% do total de atos praticados, enquanto em 2021 já representavam 76% das solicitações.
Para a presidente do CNB/CF, Giselle Oliveira de Barros, os números demonstram o acerto do Poder Judiciário ao ter delegado esta nova função aos Cartórios de todo o País. “Até então, o processo de apostilamento era feito em poucas unidades do Governo Federal e composto por várias etapas, que envolvia inclusive grandes deslocamentos. Hoje em dia, os Cartórios de Notas credenciados, presentes em diversos municípios, também pode realizar este importante serviço para a população de modo célere e seguro”, destaca.
Dados do Ministério das Relações Exteriores já mostravam um aumento de quase 20% no número de brasileiros vivendo no exterior em comparação com 2018, isso sem se computar o número daqueles que vivem ilegalmente. Ainda segundo a pasta, 4,2 milhões de brasileiros moram atualmente fora do país.