Da Redação com Lusa
A promessa do Governo português de abrir processos de reagrupamento familiar antes do final do ano está a criar expectativa em milhares de imigrantes, que aguardam há anos por algo garantido pela lei.
A guineense Indira Djaló e o senegalês Ansumane Té estão em Portugal há cerca de cinco anos e vivem sozinhos, na esperança de que o Governo português autorize que os seus cônjuges tenham visto.
“Pago os meus impostos, faço limpezas para uma empresa, tenho os meus filhos na escola e o meu marido não pode estar comigo”, lamenta Indira, que critica a morosidade do processo.
Ansumane Té veio de Zinguinchor, no sul do Senegal, e ensina regularmente o filho mais novo a língua portuguesa que aprendeu em Lisboa.
“Ele já sabe que só pode falar comigo em português. Só falo na nossa língua quando lá vou”, afirma Ansumane Té, que tem a sua situação regular em Portugal, mas não consegue trazer a sua família para cá.
“Não sei, já entreguei os papéis e estou à espera. Já pedi a um advogado ajuda, já lhe paguei e tudo, mas não sei quando vai acontecer. Sabe como é que estão as coisas?” – desabafa.
Este foi um dos temas da visita, na semana passada, do presidente da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), Luís Goes Pinheiro, à associação Solidariedade Migrante, uma das maiores do país.
“Disseram-nos que iam abrir as marcações (para o reagrupamento familiar) ainda este ano”, afirmou à Lusa Timóteo Macedo, dirigente da associação.
“Sei que há muitos desafios para a AIMA”, afirmou o dirigente, comentando a nova estrutura que veio substituir no final de outubro o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na gestão dos imigrantes em Portugal.
Em particular, Timóteo Macedo destaca que o “reagrupamento familiar é uma obrigatoriedade legal” e deve constituir uma “tarefa imediata” para a AIMA.
No total, existem cerca de 300 mil processos pendentes de legalização no sistema que transitam do SEF para a AIMA e a tutela já prometeu resposta.
Mas Timóteo Macedo defende que qualquer reforma deve obrigar a uma mudança de procedimentos nas marcações nas embaixadas nos países de origem, que estão envolvidas num “antro de corrupção” para assegurar o agendamento das vagas disponíveis.
“As pessoas não conseguem agendamentos, não conseguem a falar, não conseguem entrar no sistema e colocar os seus problemas e isso é particularmente grave nos países de origem”, explica, salientando que esses problemas são transversais e afetam até quem tem a situação regular e só quer cumprir um formalismo.
Para contrariar este problema, a associação sugeriu a Goes Pinheiro, que, nos casos em que foi autorizado o reagrupamento familiar, deve ser a própria “AIMA a solicitar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros o agendamento” das pessoas que vão pedir o visto.
“Não deve ser o cidadão que está lá longo que deve pedir o agendamento, muitas vezes recorrendo a máfias ou à corrupção” e “seria mais simples e rigoroso” se fossem as autoridades portuguesas a criar a vaga nas embaixadas no exterior, explicou.
O dirigente teme que a circunstância política do país possa prejudicar o início de funções da AIMA.
“É fundamental que as novas plataformas de inscrição de imigrantes e a resposta do sistema comecem a funcionar, independentemente de haver ou não um Governo de gestão”, explicou Timóteo Macedo, admitindo que o tema de entrada de imigrantes possa ser uma bandeira política.
“O assunto da imigração pode para ser levantado por partidos da extrema-direita. Isso já é o que acontece noutros países da Europa, querem tirar dividendos e usar os emigrantes como bode expiatório para a situação de crise” do país.
Mas “espero que o povo português não caia na armadilha desse discurso”, salientou, destacando que Luís Goes Pinheiro parece ter um discurso diferente.
“A AIMA diz que os imigrantes fazem falta e não tem o discurso da extrema-direita. Só isso já é um passo”, comentou Timóteo Macedo, embora criticando o uso de uma “linguagem economicista e utilitarista” em relação a essa população.
“Acho que as pessoas têm direito a moverem-se neste planeta que é de todos”, afirmou, acrescentando: “As pessoas com muito dinheiro movem-se sempre, os pobres é que ficam”.
Fonte da AIMA disse à Lusa que já foram autorizados este ano 14 mil pedidos de reagrupamento familiar e que, em breve, será disponibilizado uma solução para acelerar esse processo, no quadro das reformas da organização.
Em declarações à Lusa, no dia em que a AIMA entrou em funcionamento, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, prometeu que a prioridade será regularizar, até final do ano, “as questões do reagrupamento familiar, que são absolutamente essenciais”.
Esta promessa dá esperança a Alexandra Veríssimo, que veio de Goiânia para Portugal há quatro anos.
Está divorciada e por isso não pensa em trazer o marido. “Vim para Portugal para fugir ao [ex-presidente brasileiro] Bolsonaro e a ele”, diz, sorrindo.
O seu pedido de reagrupamento familiar destina-se à mãe e ao pai. “Eu sou o único apoio e quero que eles possam estar cá comigo para viver em paz e em segurança neste país que eu amo”.