Mundo Lusíada com Lusa
O Governo português pôs fim ao regime excepcional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência e anunciou a criação de uma estrutura de missão para regularizar processos pendentes, estimados em 400 mil.
No Plano de Ação para as Migrações, hoje aprovado pelo Conselho de Ministros, consta o “fim do regime excecional que passou a permitir uma entrada sem regras, extinguindo o designado procedimento de manifestações de interesse”, considerada uma “porta aberta e fonte de grande parte de pendências”.
A partir de agora, já não será possível a um estrangeiro com visto de turista tratar da sua regularização em Portugal, necessitando de um contrato de trabalho ou de outra solução tratada previamente na rede consular portuguesa.
Por isso, o plano contempla o “reforço da capacidade de resposta e processamento dos postos consulares identificados como prioritários”, com o reforço de 45 elementos em 15 países, uma lista que inclui todos os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A revogação dos artigos 88 e 89 da Lei de Estrangeiros, que permitiam a legalização em Portugal de turistas estrangeiros, será seguida de uma “revisão da lei [geral] em sede parlamentar” nos próximos meses.
No entanto, todos os pedidos já apresentados serão processados, desde que “tenham sido instruídos corretamente” ou tenham “mais de um ano de descontos para a segurança social”.
O plano contempla também a “agilização e priorização dos canais de entrada de imigrantes” para reagrupamento familiar, jovens estudantes, profissionais qualificados e nacionais dos países da CPLP.
O Governo compromete-se a renovar os documentos a expirar, cujos prazos começam a terminar este mês, e a “agilizar os procedimentos de concessão de vistos e autorizações de residentes” aos restantes cidadãos lusófonos.
O plano hoje aprovado inclui a criação de uma “estrutura de missão, com recursos humanos, materiais e financeiros adicionais, viabilizados por medidas extraordinárias de contratação, que integre funcionários da AIMA, inspetores do ex-SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] e outros profissionais a recrutar”.
A essa estrutura de missão caberá a responsabilidade pela “apreciação expedita dos pedidos” e um reforço do atendimento presencial para resolver as pendências existentes.
Em paralelo, o plano prevê a “intervenção urgente nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controle de fronteiras existentes”, a recuperação do atraso na implementação dos novos sistemas de controle de fronteiras (‘smart borders’) e um “sistema de atração de capital humano”, que inclui a colaboração com “confederações e associações empresariais” para trazer trabalhadores necessários para o tecido econômico português, embora sem nunca referir qualquer política de quotas.
CPLP
O Plano do Governo português prevê a transformação do atual visto de mobilidade para imigrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa num visto comunitário (Shengen), que permite circular pela União Europeia.
O acordo de mobilidade celebrado representa “um compromisso que Portugal deve, não apenas manter, mas também empenhar-se na implementação das melhorias necessárias”, de modo a que seja permitido o seu “acesso ao Espaço Shchegen dos titulares de autorização de residência CPLP”, pode ler-se no documento sobre as migrações.
Nesse sentido, o Governo vai prolongar administrativamente os vistos CPLP por um ano que começam a expirar no final deste mês, “melhorar a monitorização dos termos de responsabilidade apresentados ao abrigo do mecanismo de demonstração dos meios de subsistência, no sentido de identificar e combater eventuais situações de fraude”.
Dos 400 mil processos de imigrantes pendentes, uma grande parte é relativa a cidadãos da CPLP que conseguiram regularizar-se em Portugal através do visto de mobilidade.
Nos serviços da AIMA será aberto um espaço ‘online’ para os cidadãos lusófonos tratarem do seu processo, com o objetivo de “agilizar os procedimentos relativos aos agendamentos para efeito de apresentação dos pedidos de visto”.
Uma das críticas aos vistos CPLP e um dos motivos do processo que corre nos tribunais europeus contra Portugal está relacionado com o fato de estes documentos terem apenas validade no território nacional, criando um problema na fiscalização com outros países do espaço Schengen.
No documento, o executivo compromete-se também a desenvolver um “plano nacional para a implementação do Pacto para as Migrações e Asilo da União Europeia”.
A CPLP é constituída por Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Guiné-Equatorial.
Fiscalização
O Governo anunciou ainda a criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) na PSP para fiscalizar a presença de imigrantes e criar centros de atendimento de emergência.
Segundo o Plano de Ação, é criada “a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) na PSP, atribuindo-lhe as competências do controle de fronteira, de retorno (hoje na AIMA) e de fiscalização no território nacional”.
Com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 29 de outubro de 2023, foi criada na PSP a unidade de segurança aéreo portuária e controlo fronteiriço, que é responsável pelo controle de entrada e saída de pessoas no país por via aérea e pela segurança nos aeroportos.
Esta “transformação não envolve a transferência de [outras] competências administrativas de regularização da AIMA para a PSP” e “implica o apoio e articulação da Polícia Judiciária e respectivos inspetores que transitaram do SEF, e o aprofundamento da articulação com as competências de coordenação da Unidade de Coordenação da Fronteiras e Estrangeiros (UCFE) do Sistema de Segurança Interna”.
Quando extinguiu o SEF, o anterior governo socialista criou a AIMA, que incorporou funções da organização e do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), uma medida criticada pelo PSD, então do PSD.
Durante as audiências com partidos políticos, o ministro da Presidência voltou a criticar o fim do SEF mas recordou que nenhuma força partidária defendeu o seu regresso.
Noutro ponto do plano, o governo prevê criar “centros de acolhimento municipal/intermunicipal de emergência de imigrantes”, o primeiro dos quais em Lisboa.
A situação de sem-abrigo de muitos imigrantes na capital tem preocupado a câmara de Lisboa e o Governo, nas suas propostas de integração, prevê “medidas que concedam incentivos aos empregadores”, com “compromissos relativos à integração digna dos imigrantes”, incluindo habitação e formação profissional.
O plano contempla ainda o aumento da “capacidade das infraestruturas necessárias para a instalação temporária de cidadãos estrangeiros nos espaços equiparados a centros de instalação temporária” e a criação de novos espaços com essa vocação.
“Uma equipa multi-forças de fiscalização para combater abusos relacionados com permanência ilegal, tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal, exploração laboral e violação de direitos humanos dentro do território nacional” é outra das medidas que constam no plano, que prevê também realizar uma “auditoria aos procedimentos de formação e avaliação linguística realizados para efeitos da obtenção da nacional portuguesa”.
O documento prevê a “reestruturação da AIMA, retirando-lhe as competências de instrução e decisão dos processos de retorno, autonomizando o Conselho para as Migrações e Asilo, clarificando as competências de atração de imigrantes qualificados (capital humano), sedimentando o Observatório para as Migrações e redefinindo a localização” dos espaços de atendimento.
A AIMA passará a ter responsabilidade pelo atendimento presencial dos pedidos de renovação de autorização de residência, atualmente no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), concentrando na instituição “o tratamento e decisão de todos os pedidos de documentação de cidadãos estrangeiros”
Em paralelo, o Governo promete “reforçar a capacidade operacional da AIMA, nomeadamente dos recursos humanos e tecnológicos”, procurando criar “um inventivo à produtividade e desempenho” dos funcionários, classificar o Observatório das Migrações como organismo do Estado para apoio à política pública, “em articulação com o Conselho para as Migrações e Asilo”, que se irá autonomizar.
No plano de atração de recursos, o executivo vai ainda fazer um “levantamento de necessidades laborais de recrutamento de trabalhadores estrangeiros”, com a rede de Gabinetes de Inserção Profissional do IEFP.
Plano de Medidas para as Migrações https://t.co/G6txGos1u8
— República Portuguesa (@govpt) June 3, 2024