Da Redação com Lusa
Na quarta-feira, a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) refutou as acusações de antissemitismo feitas pela Comunidade Israelita do Porto (CIP) ao Estado Português no parecer enviado para a Assembleia da República sobre as propostas de alteração da Lei da Nacionalidade.
Em nota, a CIL salienta que “a discordância (…) sobre a regulamentação da Lei, que encerra diversas inconstitucionalidades gritantes e que precisa, efetivamente, de ser melhorada, não assenta em atitudes comprovadas de antissemitismo por parte de membros do Governo ou do parlamento”, rejeitando a argumentação da comunidade portuense, ao referir que “o antissemitismo é um assunto demasiadamente sério para ser banalizado”.
Em causa está o parecer enviado há uma semana para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projetos de lei apresentados pelo PCP e pelo Livre que visam diretamente o regime de concessão de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas.
Entre diversas críticas, a CIP acusa o Estado de encetar “uma ação antissemita e terrorista contra uma comunidade judaica organizada com base em denúncias anônimas inverosímeis perpetradas pela ralé da sociedade”, segundo o documento remetido ao parlamento e a que a Lusa teve acesso, sem deixar de sublinhar que no ano 2020 “foi desencadeada uma campanha de difamação contra aquela legislação por parte de agentes do Estado”.
Para a CIL, estas acusações revelam-se “contraproducentes e desprovidas de sentido”, acrescentando que “não são aceitáveis no atual quadro de discussão legislativa, que deve ser feito com elevação e com respeito” e cuja discussão o organismo lisboeta entende merecer um “escrutínio reforçado”.
Sobre a evolução do processo legislativo, a CIL reitera que os procedimentos que se seguem na reformulação do decreto-lei “não podem, nem devem, ser confundidos como perseguição, preconceito, hostilidade ou discriminação em relação aos judeus especificamente”.
O PCP e Livre apresentaram no parlamento, na passada quinta-feira, os respectivos projetos de lei com vista a alterar o regime de obtenção de nacionalidade a partir da descendência de judeus sefarditas, sendo que o partido liderado por Rui Tavares propõe o reforço dos elementos que comprovam a ligação efetiva de requerentes ao país e os comunistas defendem mesmo o fim deste regime.
Na sequência de dúvidas levantadas por eventuais ilegalidades na atribuição da nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas, com destaque para a concessão de cidadania ao empresário russo Roman Abramovich, o rabino da CIP, Daniel Litvak, foi detido em março pela Polícia Judiciária por alegadas ilegalidades na emissão de certificados de nacionalidade e ficou a aguardar o desenvolvimento do processo com termo de identidade e residência, entregando também o passaporte.
A investigação no âmbito do processo de Abramovich implicou a realização de buscas e envolve suspeitas de vários crimes, nomeadamente tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, lavagem de dinheiro, fraude fiscal qualificada e associação criminosa, indicaram então a PJ e o MP num comunicado conjunto.
Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas (que foram expulsos de Portugal por decreto régio há mais de 500 anos) num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do Instituto dos Registos e Notariado.
Porto
Nesta quinta-feira, a Comunidade Israelita do Porto (CIP/CJP) demarcou-se da discussão em torno dos projetos de alteração à Lei da Nacionalidade, justificando a suspensão da emissão de certificados de descendentes de judeus sefarditas com uma “campanha antissemita”.
“A Comunidade Judaica do Porto nunca comentou o novo regulamento da nacionalidade, não tem interesse em debater as possíveis alterações da lei e há muito suspendeu o trabalho de certificação que realizava. O motivo foi a campanha antissemita que lhe foi dirigida, a qual já está musealizada e no futuro, quando o quadro legal o permitir, será amplamente documentada, com factos, documentos, fotografias e protagonistas”, refere a CIP/CJP.
Em comunicado, a organização portuense lembra que o “Estado português é soberano para produzir as alterações legislativas que julgue adequadas a qualquer altura” e que já apresentou “sugestões” em 2020 e 2021 para que o regulamento “contemplasse uma ligação mais atual dos requerentes a Portugal”, notando que “caberia ao Estado a última palavra”.
Paralelamente, a CIP/CJP criticou a publicação, em março deste ano, do novo regulamento da nacionalidade, considerando que “reinava uma enorme suspeição” nessa altura e que a polêmica em torno de alegados abusos na concessão da cidadania portuguesa ao abrigo do regime para descendentes de judeus sefarditas foi “criada artificialmente” contra a CIP/CJP.