Do Abuso do Orçamento da Ideologia
Por António Justo
A comemoração do dia 10 de Junho – dia de Portugal – foi cancelada por razões de lógica e a comemoração do 25 de Abril – dia da revolução – será celebrada por razão ideológica!
O uso de dois pesos e de duas medidas na aplicação das regras adotadas na luta contra o Covid-19 parece ganhar foros de legitimação ao criar exceções para celebrações da classe política.
Diz-se que o Coronavírus 19 é democrático e não distingue classes nem ideologias. Um tal vírus também não respeita o 25 de Abril, o 1° de Maio, o 13 de Maio nem o 10 de Junho. Ou será que o vírus da ideologia política é mais forte?
É cinismo e abuso de poder proibir-se a uns o direito de enterrar os seus mortos e facilitar-se a outros o festejo da sua posse do poder, confinando para tal a democracia ao Palácio de São Bento!
Em questões de democracia, que não de democratura, o bom senso suporia, como é prática noutros países europeus, igualdade de trato nas celebrações culturais, políticas e religiosos durante o governo do Corona 19!
Dentro da Assembleia da República não há distâncias que impeçam a festa para os beneficiados do regime e o povo, esse para manter as distâncias, nem sequer pode juntar-se à porta do Parlamento. Imagine-se que o povo desalinhado, num desejo de festa e em protesto contra esta diabrura partidária, se reunisse em frente da Assembleia da República no dia 25 de Abril para celebrar a Festa da Liberdade inclusiva, num abril dos de baixo! Então da festa dos cravos vermelhos passaríamos à festa nacional de todos os cravos! Então o demo passaria da pandemia ao pandemónio da pancracia!
Em pleno reinado do Covid 19 seria altura de se fazer uma avaliação sobre regentes e regidos na democracia portuguesa questionada pelo decreto de Estado de Emergência. Ou será que o governo do Covid 19 só terá sido um pretexto, ou um evento para benefício de alguns? O povo não pode festejar convenientemente a Páscoa, mas os iluminados do poder podem celebrar a sua festa. O problema não está em celebrarmos a festa. A questão surge nos critérios usados para se proibirem umas e se justificarem outras.
O “25 de abril”- um ponto alto para a democracia portuguesa – tal como a sua comemoração, não é pertença de um partido ou ideologia, como alguns pretendem, mas sim aquisição de todos os portugueses quer estes se afirmem mais sobre o pé esquerdo ou se apoiem mais no pé direito (com o 25 de abril pretendia instalar-se uma ditadura e a democracia só foi estabelecida depois do golpe de estado!). Queremos uma sociedade unida toda ela feita de irmãos e não de inimigos, em que não haja o “ai dos vencidos” nem a arrogância triunfal dos vencedores. As liberdades, garantias, direitos políticos, económicos, sociais e culturais são da posse de todo o povo e não propriedade só de alguns; não são tão-pouco de um grupo de iluminados/espertos que procuram fazer o seu negócio em termos de guerra, numa estratégia de dividir uma parte do povo contra a outra. Acabou-se com a guerra nas colónias, mas continuou-se com ela politicamente dentro da sociedade portuguesa. O que urge é uma solução pacífica dos conflitos partidários, para que não se abuse dos instintos cinicamente fomentados no meio do povo. Se há uma luta legítima é a luta pacífica de todos contra a pobreza, a injustiça, a xenofobia, o racismo e contra a prepotência do poder. As diferentes estratégias dessa luta não legitimam uma guerra ganha sempre só por alguns e a acontecer sempre à custa do povo que se pretende reduzido a mero soldado de trincheiras. As armas e as lutas servem só senhores. Para o povo não são as armas nem as lutas que traçam o caminho, mas sim o amor que vem do coração iluminado pela luz da inteligência.
No espírito das igualdades e liberdades civis, as regalias para a classe política não deveriam contrastar com regras só para o povo cumprir. Doutro modo, os senhores da reserva do Olimpo da democracia parecem seguir a regra do” Olhem para o que eu digo e não para o que eu faço”. Precisará a nossa democracia do fanatismo engravatado como ícone das liberdades democráticas? A comemoração do 25 de abril não é a comemoração de um dia só, mas de um período em que todo o Portugal construiu a democracia; ela não é um evento de e para prosélitos em que de um lado há a clique dos “respeitáveis” e do outro a massa dos energúmenos, como dá a entender a classe política.
Dá a impressão que querem encurralar a liberdade do 25 de Abril só para alguns dentro das paredes da Assembleia da República se pavonearem, uma espécie de Olimpo onde os de dentro, são quem manda e pode e os de fora obedecem! Esta é uma maneira de ensanguentar a República só com a cor vermelha como se o povo tivesse de ter o papel de cordeiro!
A democracia portuguesa encontra-se em cuidados intensivos devido ao Estado extremo de Emergência em que foi colocada; ela não morre, mas coloca o povo fora dos seus muros e, como é sabido, cracia sem demo não existe!
Será de compreender que também a democracia terá as suas diabruras, mas esta de a classe política permitir um ajuntamento de 130 pessoas na Assembleia da República e não permitir ajuntamentos com mais de quatro a dez pessoas em funerais brada aos céus porque privilegia um dos funerais. O espaço político torna-se arbitrário em relação aos espaços cultuais e religiosos.
É natural que o 46° aniversário do 25 de Abril seja recordado, mas dentro das mesmas regras para todos. Precisava-se de maior criatividade e tino por parte da política na concretização do evento da celebração da revolução.
Na política grega antiga também já se sabia: Aí do Prometeu que pretenda levar para o povo o fogo (as regalias) com que se aquecem os “deuses”!
Cá na nossa terra os deuses do oportuno apoderaram-se do Olimpo e lá vão fazendo as suas leis para os terráqueos. Na sua assembleia falta-nos um Prometeu que traga o fogo dos deuses cá para baixo, para que o povo seja libertado e então possa libertar-se.
A História é um livro com inúmeras folhas, com títulos e capítulos a que se arrancam algumas páginas para se levarem os inocentes e os incautos a fixarem-se apenas nalgum título.
Por António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo