Com raízes em Portugal, deputada Martha Rocha pretende ser prefeita do RJ

Por Igor Lopes

Aos 61 anos de idade, a luso-brasileira Martha Mesquita da Rocha está prestes a enfrentar um novo desafio. Há alguns dias, anunciou publicamente a sua pré-candidatura, pela legenda PDT, à prefeitura do Rio de Janeiro, cidade brasileira com cerca de sete milhões de habitantes.

Essa responsável, que é deputada estadual no Rio e que foi a primeira mulher a liderar a Polícia Civil do Rio de Janeiro, considera que é preciso “retirar a cidade maravilhosa da crise” na qual se encontra. As eleições, que inicialmente ocorreriam em outubro deste ano, em virtude da pandemia de Covid-19, foram remarcadas, para já, para o mês de novembro.

Em entrevista à e-Global, Martha Rocha, que conta com fortes ligações familiares com o concelho de Alijó, na região de Trás-os-Montes, Norte de Portugal, falou sobre os projetos que tem em mente para o Rio de Janeiro, disse não ter “medo do trabalho pesado”, ressaltou as dificuldades de se governar o Rio tendo em vista que “as finanças do município estão no vermelho”, condenou os atuais casos de corrupção no governo fluminense, sublinhou que, se eleita, irá combater de forma dura a criminalidade, afirmou ainda que, durante o seu percurso profissional e político, aprendeu a “administrar, a gerir crises e a conhecer a realidade do Rio sem hipocrisia”, e, por fim, elogiou o País de onde são naturais os seus pais e revelou como integra a comunidade portuguesa no Rio de Janeiro.

O que motivou a sua pré-candidatura?

Muita vontade e disposição de retirar o Rio de Janeiro da crise. Venho preparando-me há anos e agora estou pronta.

É a primeira vez concorre?

Sim, ao cargo de prefeita é a primeira vez.

Já tem ideia da sua equipe, uma vez eleita?

Ainda não.

Que planos tem para a cidade do Rio de Janeiro?

Quero recuperar a nossa cidade e devolver o sorriso aos cariocas.

O que pretende fazer pela cidade?

Pretendo trabalhar muito. Essa sempre foi a minha marca profissional. Eu não tenho medo do trabalho pesado. Trabalhar com dedicação absoluta, seriedade, honestidade e prazer.

O Rio tem hoje grandes problemas na área da saúde que estão ainda mais evidentes nesta época de pandemia. O que é preciso fazer para cuidar da saúde da população? Prevê novos hospitais ou postos de atendimento?

Fica difícil pensar em construção de novos hospitais ou postos de atendimento porque as finanças do município estão no vermelho. Precisamos urgentemente valorizar o profissional da saúde e fazer uma grande varredura da situação de cada unidade.

Como enxerga todos os problemas atuais de casos de corrupção na saúde do estado do Rio?

É uma tristeza, lamentável e, ao mesmo tempo, revoltante. É inimaginável que alguém tenha coragem de fraudar contratos de respiradores com pessoas morrendo à espera de um desses equipamentos. Na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), onde atuo como deputada estadual, presido à Comissão Especial que investiga os gastos do Estado na área da saúde durante a pandemia.

A segurança pública é um dos temas que mais preocupa os cariocas. Como pode trabalhar esse assunto?

A prefeitura pode ajudar muito o Estado. A Guarda Municipal será uma grande aliada, assim como o controlo de compra e venda de imóveis em áreas de milícia.

Que planos tem para as áreas da educação e cultura?

A educação precisa, sobretudo, de escola em horário integral, nos moldes dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), implantados no governo de Leonel Brizola, e a valorização dos professores. O Rio respira cultura e é dono de uma diversidade cultural ímpar, mas a pandemia fez com que o ramo amargasse perdas e prejuízos. Vamos investir nos equipamentos (museus, parques, teatros) que temos à disposição e estão esquecidos.

Fazem parte da sua meta a recuperação económica do Rio e a criação de empregos?

Sem dúvida, pois são dois fatores fundamentais para a cidade voltar a respirar aliviada. Ainda estamos estudando os caminhos.

Na sua opinião, o que é “gestão competente”, conforme defende?

É uma gestão comprometida com a sociedade, uma gestão honesta, dedicada e transparente.

Há algum tempo, ser carioca deixou de ser sinónimo de qualidade de vida, de oportunidades. Como pretende mudar esse cenário, se for eleita? É possível transformar a imagem do Rio de Janeiro no cenário nacional e internacional?

Claro que é possível. A mudança virá a reboque do trabalho árduo e sério.

De que forma o seu passado profissional como “Primeira mulher Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro” e “ex-delegada” pode ajudar a cidade?

Aprendi a administrar, a gerir crises e a conhecer a realidade do Rio sem hipocrisia. Há mais de 30 anos trabalho pelo Rio. Não é fácil administrar uma instituição com a importância e a complexidade da Polícia Civil.

Que recordações tem da época da chefia da Polícia Civil? Dessa experiência, o que pode ser implementado na cidade do Rio?

A Polícia Civil ajudou-me a enxergar a vida como ela é.

Existem muitas favelas, comunidades e locais dominados pelo tráfico de drogas e pela milícia no Rio. Essa é uma realidade que a senhora conhece bem. Como lutar contra esse cenário que devasta a cidade e afasta oportunidades, investimentos e contamina o futuro da cidade?

São dois cenários a serem levados em consideração: o de combate à criminalidade e o de apoio aos moradores desses locais. Uma polícia inteligente, educação pública de qualidade e cursos profissionalizante para os jovens são fundamentais.

Há alguns meses, passou por uma situação na qual o seu veículo foi baleado, colocando a vida da sua família em perigo. Como ficou a investigação desse caso e como se sente passando por isso, já que é uma pessoa que sempre lutou pela segurança no Rio?

Infelizmente, até hoje a Polícia Civil não concluiu o caso. É muito difícil, ainda mais quando eu penso que a minha mãe, à época com 89 anos, estava no carro também.

Como o Rio pode recuperar a sua imagem turística? Muitas pessoas deixam de visitar a cidade por conta da insegurança pública. O que pensa fazer?

Esse é um trabalho a ser feito em parceria com os governos estadual e federal. O Rio precisa recuperar a confiança.

A situação das contas públicas do Rio lhe preocupa de alguma forma?

Claro que preocupam. Os últimos prefeitos deixaram rombos absurdos nos cofres públicos.

Há algumas semanas criticou publicamente a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e disse ser necessário investigar possíveis interferências do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, sobretudo no Rio de Janeiro. Como avalia a situação atualmente?

Estamos enfrentando uma crise política gravíssima, com um Presidente da República que finge que a maior crise sanitária do mundo não existe. A prisão de Fabrício Queiroz* deixou o cenário ainda mais complicado. Vamos aguardar.

* Nota da redação: Fabrício Queiroz é policial militar e ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente Jair Bolsonaro. É investigado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro num caso de possível branqueamento de capitais e ocultação de património. Queiroz foi preso no dia 18 de junho.

Se eleita, como será o seu relacionamento com o presidente?

Os governos precisam manter um diálogo saudável e respeitoso.

Fez também críticas ao atual governo estadual do Rio, liderado por Wilson Witzel, em relação à gestão na área da saúde. O que pode explicar sobre o tema?

Foi um desastre, com investigações de superfaturamento em contratos de implementação de hospitais de campanha, de compra de respiradores, máscaras e outros produtos. Profissionais de saúde enfrentaram falta de equipamentos de proteção individual, falta de medicamentos básicos para cuidar dos pacientes. Doentes morreram em filas à espera de um leito no CTI. Um total desrespeito com a população.

Que desafios o novo prefeito do Rio terá numa época “pós-pandemia”?

Serão grandes desafios em todas as áreas. Administrar os cofres públicos no vermelho, sem dúvida, será um dos mais difíceis.

Como o Covid-19 está a mudar o Rio?

O Rio está sofrendo demais, a nossa cidade está abandonada, mas acho que o carioca percebeu que precisamos de um governo competente e comprometido.

Se for eleita, e tendo em vista a possível existência de uma vacina contra o Covid-19 já em 2021, como pensa a estratégia de imunização da população do Rio?

Isso vai depender de muitas variáveis. Mas é certo que haverá organização para não ser um período de tumulto.

A cidade conta ainda com muitos locais sem saneamento básico. O que deve ser feito, na sua opinião?

A importância do saneamento básico começa pela sua influência na saúde, qualidade de vida e no desenvolvimento da sociedade como um todo. O coronavírus expôs o grave problema de falta de saneamento no Rio. Como disse um pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o que tem de ser feito é o bom e velho saneamento básico. Ele recebe o nome de básico, não é à toa.

Que balanço faz do seu trabalho como deputada estadual? Quem é e quem foi Martha Rocha na Alerj? Que vitórias, em termos de projetos e leis, consegue ressaltar?

Muito positivo. Tenho mais de 80 leis da minha autoria sancionadas. Presidi à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Feminicídio, à CPI da Violência contra a Mulher, sou presidente do Conselho de Ética e da Comissão de Saúde da Alerj. São cinco anos de muito trabalho e muita dedicação. Entre as leis, destaco a que concede aluguer social às vítimas de violência doméstica que dependiam financeiramente do agressor e a que obriga o governo do estado a acelerar a concessão de pensão a familiares de agentes de segurança mortos em serviço.

Há quantos anos está à frente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro?

Estou no meu segundo mandato. Começou em 2015.

Vai concorrer à Prefeitura do Rio pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT)?

Sim, vou concorrer pelo PDT. O meu partido preza pela democracia. É um partido que sempre valorizou a educação pública. Luta desde sempre por uma sociedade mais justa, pelo fim da desigualdade social e respeito ao trabalhador. Sou líder do PDT na Assembleia Legislativa.

Existe a possibilidade de as eleições deste ano serem adiadas. Isso lhe preocupa?

A minha maior preocupação agora é o controlo do coronavírus na cidade. Não há mais como suportar tantas mortes.

Sente-se de alguma forma incomodada em concorrer à Prefeitura do Rio? Pergunto isso porque, popularmente, a imagem dos políticos não é das mais positivas no Brasil. Governadores e prefeitos estão, nos últimos anos, envolvidos em casos negativos que fazem com que a opinião pública “condene” a atuação política em todos os níveis. Espera conseguir resgatar a confiança dos cariocas?

Nem um pouco incomodada. Estou no segundo mandato como deputada estadual e sempre trabalhei muito pelo Rio.

É uma pessoa bastante religiosa. Como a fé lhe faz enfrentar os desafios do Rio?

A fé mantém-me em pé em todos os momentos da minha vida. Ela ajuda-me a vencer os obstáculos. Sou devota de Nossa Senhora da Conceição.

Quais são as suas ligações a Portugal?

Os meus pais vieram das aldeias Franzilhal e Carlão, concelho de Alijó, na região de Trás-os-Montes. Portugal é um país lindo, seguro, de um povo acolhedor e de ótima gastronomia. A minha cidade preferida é Lisboa. Adoro caminhar pelas praias do Algarve. Descobri na viagem do ano passado a cidade de Lagos.

Tem alguma interação com a comunidade ou cultura de Portugal no Rio?

Adoro os almoços de domingo nas casas regionais. A minha mãe e eu vamos muito a Casa de Trás-os-Montes.

Que locais de influência portuguesa gosta de frequentar no Rio?

Sempre que posso vou ao Real Gabinete Português de Leitura.

Quais são as suas formações académicas?

Sou formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tenho especialização em Direitos Humanos na Universidade Cândido Mendes e no Curso Superior de Polícia, ministrado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Também fiz pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá, como também em Administração Pública pela UERJ e pela Escola de Políticas Públicas e de Governo da UFRJ.

Por fim, que mensagem deixa para os cariocas?

Acordo todos os dias para lutar pelo nosso Rio. Acredito na mudança, no carioca. O Rio de Janeiro precisa de gestão competente, de seriedade, de honestidade e de dignidade para voltar a ser respeitado.

1 comentário em “Com raízes em Portugal, deputada Martha Rocha pretende ser prefeita do RJ”

  1. Vinicius Lima Cardoso

    Parei um momento para ler… pois estamos chegando num momento decisivo para o nosso Rio. Mas infelizmente não encontrei nada concreto em termos de propostas. Não me inspira confiança na sua capacidade de gerir.

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