Com negro, o tratamento é na bala

Esta semana houve o ‘13 de Maio’, dia que relembra a Lei Áurea, aquela que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, assinada no ano de 1888. Muita gente percebeu que um momento tão importante quanto este não é comemorado com feriado, como é comum em outros dias relevantes e festivos para a nossa história. E isto acontece por conta do tratamento dispensado aos que se tornaram ex-escravos no País. Em outras palavras, porque o dia ‘14 de maio’ e todos os que vieram em seqüência, não mudaram muita coisa para aquela gente que sofreu tanto nas mãos dos seus senhores, da Casa Grande. Faltou se criar as condições para que a população negra pudesse ter um tipo de inserção mais digna na sociedade. Os ex-escravos ganharam, na prática, uma condição de subcategoria, tornando-se realmente cidadãos de 2º plano, de menor importância. Não houve, efetivamente, pelas classes dominantes, uma contribuição para a inserção dos ex-escravos no novo formato de trabalho, o trabalho assalariado.

Um ponto fundamental nessa discussão seria a facilidade, inclusive como forma de ressarcimento por um crime humanitário, da concessão de terras para seus sustentos. Para que iniciassem uma nova vida. Mas, não. Além de explorados, usados como objetos ao longo de séculos, foram jogados, de uma hora para outra, como elementos livres em uma sociedade que optava pela chegada de imigrantes europeus, inclusive como maneira de ‘branquear’ a nação. Desta forma, a data é vista pelo movimento negro como dia de luta contra o racismo no Brasil.

Até hoje essa segregação é notada na sociedade: é só observar os cargos de importância, seja no serviço público, seja no setor privado, ocupado por negros. Quantos ministros negros existem? Quantos generais, almirantes ou brigadeiros? Quantos juízes? Quantos executivos de grandes empresas? Quantos são nas profissões mais valorizadas em relação aos brancos? Sempre minorias absolutas. E é sempre bom lembrar que, segundo a Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2013, 52,9% da população brasileira é negra – soma daqueles que se declaram pretos e pardos. A porcentagem, no entanto, não se repete em espaços como a academia. A própria Pnad mostra que 0,19% da população do país cursa mestrado ou doutorado. De um total de 387,4 mil pós-graduandos, 112 mil são negros – menos da metade dos 270,6 mil brancos. E assim também no Congresso: menos de 9% dos parlamentares são negros. Vale lembrar que, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2013, a renda dos negros ainda corresponde a apenas 57,4% da dos brancos. Naquele ano, enquanto a população branca teve rendimento médio de R$ 2.396,74 a população preta e parda recebeu em média R$ 1.374,79 por mês. O valor médio para toda a população das seis regiões metropolitanas pesquisadas foi de R$ 1.929,03. Tremenda distorção social ecoando a senzala.

Coincidentemente, esta semana também trouxe o lançamento da nova edição do “Mapa da Violência no Brasil”, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz com apoio da FLACSO – Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais em parceria com a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil. Números assustadores no geral são trazidos à luz: a cada uma hora, cinco pessoas foram mortas por armas de fogo no Brasil em 2012. Ao todo, mais de 42,4 mil vidas foram perdidas após disparos de armas de fogo nos 366 dias daquele ano, pior resultado já obtido. Autentico ‘faroeste’. E, inquestionavelmente, o problema racial está destacado em seu contexto.

O estudo usa dados do SIM – Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, que registra as declarações de óbito expedidas em todo o país cruzando também dados com pesquisas do IBGE. Então, é possível se constatar que, das 39.686 vítimas de disparo de qualquer tipo de arma de fogo, em 2012, 28.946 eram negros e 10.632, brancos. Os números mostram que as vítimas desse tipo de morte foram 2,5 vezes mais de negros do que de brancos. Para cada grupo de 100 mil habitantes, a taxa de vítimas da cor branca ficou em 11,8 óbitos, enquanto a de negros chegou a 28,5 mortes, diferença de 142%. Em Alagoas e na Paraíba, a ‘seletividade racial’ da mira dos revolveres nos homicídios é espantosa. O documento registra que para cada branco vítima de arma de fogo nesses estados, morrem proporcionalmente mais de 10 negros. Das 27 unidades da Federação, nesse intenso tiroteio, apenas no Paraná matam-se mais brancos que negros.

Aponta o Mapa que enquanto as taxas de homicídios por arma de fogo caíram de 14,5 para 11,8 em 100 mil brancos, entre 2003 e 2012, os números em relação aos negros no mesmo período subiram de 24,9 para 28,5. Partindo de uma perspectiva histórica dos estudos, com esse ritmo marcadamente diferencial, a vitimização negra do país, que em 2003 era de 72,5%, em poucos anos duplicou: em 2012 foi para 142%. O que significa isto tudo: que os mais pobres, a população das periferias das grandes cidades e, marcadamente o elemento negro, sofre discriminação e violência como não existe com outros grupos. Há muito a ser conquistado ainda após a Lei Áurea e o ‘13 de Maio’, uma data absolutamente incompleta.

Muita carência de políticas públicas de proteção da população, que são direcionadas àqueles setores mais ricos, de maioria branca. Para estes há mais policiamento, mais estrutura e cuidados, enquanto nos bairros das periferias urbanas existe o caos, a desordem, o domínio dos traficantes e a ação de justiceiros constantemente. Democracia, efetivamente, não é isto que vemos nos gravíssimos estudos publicados. Avança Brasil! São Paulo, 15 de maio de 2015.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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