Da Redação
Com Lusa
Cinco projetos cabo-verdianos de candidatura a patrimônio da UNESCO vão ficar suspensos em 2021 devido à falta de financiamento, que o Governo justifica com a recusa do parlamento à proposta de aumento do limite do endividamento público.
Segundo uma informação oficial do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, o setor vai contar com um “corte orçamental”, que não estava previsto até agora, de 112 milhões de escudos (um milhão de euros) em 2021, pelo que a prioridade será “focar na conclusão de projetos que já estavam em curso e em fase final”.
“Com o chumbo, pela oposição, do aumento do teto da dívida pública, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas viu reduzido, drasticamente, o seu orçamento de investimento. Por isso, muitos projetos terão de ser cortados”, refere a mesma informação.
Esses cortes abrangem, nomeadamente, cinco projetos de candidatura à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla inglesa), desde logo do ex-Campo de Concentração do Tarrafal, ilha de Santiago, mas cuja obra de reabilitação do campo, construído durante o Estado Novo, que antecederia a candidatura, está na fase final, e ainda da vila de Nova Sintra (ilha Brava) e da cidade de São Filipe (ilha do Fogo), as três a Patrimônio da Humanidade.
Ficam igualmente suspensos os projetos de candidatura da Tabanca (gênero musical) e das Festas de São João (que se realizam em vários pontos do arquipélago) a Patrimônio Cultural Imaterial, também da UNESCO.
Este recuo surge quando a morna, gênero musical típico de Cabo Verde, assinala na sexta-feira o primeiro aniversário (11 de dezembro de 2019) da proclamação como Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade pela UNESCO. Há dez anos, a Cidade Velha, na ilha de Santiago, tinha já sido elevada a Patrimônio Mundial da UNESCO.
“O Governo de Cabo Verde traçou um projeto ambicioso para o setor da Cultura e Indústrias Criativas para o mandato 2016/2021. A maior parte destes projetos foram concretizados. Mas, infelizmente a pandemia do novo coronavírus teve um forte impacto no setor da cultura o que ditou grandes mudanças para a economia cabo-verdiana e para o Orçamento do Estado”, reconheceu, na mesma informação oficial, o ministro da Cultura, Abraão Vicente.
Contudo, segundo o governante, o corte orçamental que veio suspender vários projetos – além das candidaturas à UNESCO também financiamento de atividades culturais ou a reestruturação da Rádio e Televisão Caboverdiana (RTC), entre outros – resulta da não aprovação pelo parlamento da proposta do Governo para aumentar o limite do endividamento interno, dos atuais 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para 4,5% em 2021, face à necessidade de colmatar a falta de receitas fiscais, mas também devido à quebra o PIB nominal em função da crise econômica provocada pela pandemia de covid-19.
Apesar dos votos a favor da maioria do Movimento para a Democracia (MpD), a proposta de alterar, a título excecional, o limite do endividamento público interno necessitava de maioria qualificada e acabou por não passar na votação no parlamento, em 27 de novembro, por não ter o apoio da oposição.
“Há um bloqueio incompreensivo. Estamos a falar de uma pandemia nunca antes vista. E Cabo Verde terá de priorizar, obviamente, o Plano Nacional de Vacinação. E, o corte orçamental que o ministério sofre é o contributo do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas para que os cabo-verdianos possam ter acesso livre, universal e gratuito às vacinas, pois, respeita a prioridade perante a conjuntura atual: a saúde pública e a sociedade”, afirmou Abraão Vicente.
Na proposta de alteração à lei, o Governo recordava que a crise sanitária e econômica provocada pela pandemia da covid-19 obrigou à adoção de “um conjunto de medidas” de “caráter excecional” para “controlar a situação epidemiológica do país” e “mitigar o efeito da crise econômica”, com o reforço de medidas de inclusão social e apoio às empresas.
Esta proposta de lei do Governo estabelecia “uma medida temporária de aumento do limite do endividamento interno, no âmbito do contexto da covid-19”. Isto porque, para garantir a sustentabilidade das finanças públicas, a Lei de Bases do Orçamento do Estado estabelece um limite específico de endividamento anual da administração central, designadamente “o limite anual do financiamento com recursos internos até 3% do PIB a preços de mercado”, que o Governo queria subir para 4,5% durante o ano de 2021.
O Governo de Cabo Verde estima um PIB de 194.320 milhões de escudos (1.755 milhões de euros) para 2021, pelo que o endividamento interno, com um peso de 4,5% do PIB, poderia valer até quase 8.745 milhões de escudos (78,9 milhões de euros) no próximo ano. Sem esta alteração, esse endividamento (3% do PIB) poderá chegar a 5.829 milhões de escudos (52,6 milhões de euros), que será inferior ao encaixe anterior à pandemia.
Turismo
As receitas da taxa paga obrigatoriamente pelos turistas em Cabo Verde caíram 63,6% até outubro devido à crise provocada pela pandemia de covid-19, segundo dados oficiais, agravando as previsões governamentais anteriores.
De acordo com o relatório síntese da execução orçamental de janeiro a outubro de 2020, a Contribuição Turística gerou neste período receitas fiscais para o Estado de Cabo Verde de 294,3 milhões de escudos (2,7 milhões de euros), o que compara com os 809 milhões de escudos nos mesmos dez meses de 2019.
Com a ausência praticamente total de turismo desde março, devido às restrições impostas para travar a pandemia de covid-19, e depois de registar um recorde de 819 mil turistas em 2019, o setor que garante 25% do PIB de Cabo Verde viu cair a receita da Contribuição Turística em 514,9 milhões de escudos em 2020. Trata-se de uma quebra homóloga de 63,6% que contrasta com a previsão do Governo (para todo o ano, revista em julho), que apontava para uma descida inferior a 50%.
Esta queda revela “um forte impacto da crise da covid-19, uma vez que estas receitas advêm diretamente do fluxo de turismo (dormidas em estabelecimentos hoteleiros), que caiu drasticamente desde o início da pandemia e consequente encerramento das fronteiras de Cabo Verde e da maior parte dos países no mundo”, lê-se no mesmo documento.