Cimeira Ibérica: Costa espera que presidência espanhola da UE feche acordo com Mercosul

Bandeiras de Portugal e Espanha, Lisboa, 06 de julho de 2020. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mundo Lusíada com Lusa

O primeiro-ministro português espera que a presidência espanhola do Conselho Europeu, a partir do segundo semestre deste ano, dê um impulso decisivo e feche o acordo comercial entre a União Europeia e os países do Mercosul.

Este acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, cuja conclusão tem sido sucessivamente adiada ao longo dos últimos anos, em parte por causa de obstáculos levantados por Estados-membros europeus, é uma das principais expectativas de António Costa em relação à futura presidência espanhola.

Em várias intervenções públicas, o líder do executivo português tem defendido a perspetiva de a União Europeia possuir uma maior autonomia estratégica, mas, ao mesmo tempo, assinalou a sua recusa face a perspetivas neoprotecionistas, quer em relação aos Estados Unidos, quer em relação ao continente sul-americano.

Em fevereiro, numa conferência do Fórum Toja, em Lisboa, António Costa abordou esta questão de forma particularmente incisiva, considerando que Portugal e Espanha podem dar “um contributo relevante” para uma política externa mais aberta por parte da União Europeia.

“Portugal e Espanha têm uma vantagem sobre muitos outros países europeus. Sendo europeus, conhecem o mundo e têm um horizonte mais vasto do que quem vive num enclave entre montanhas”, referiu nessa conferência, antes de deixar uma advertência: “A Europa tem de fazer um esforço de alguma humildade e de compreender que neste mundo global se deve esforçar mais por fazer amigos”.

“Se a Europa tivesse andado mais depressa na negociação do Mercosul, provavelmente os nossos parceiros do Mercosul teriam agora uma compreensão mais assertiva sobre o momento que estamos a viver na Europa”, admitiu, numa alusão à intervenção militar russa na Ucrânia.

Neste ponto, o primeiro-ministro manifestou então a sua esperança de que a presidência espanhola da União Europeia, no segundo semestre deste ano, “dê um forte impulso para se concluir o acordo com o Mercosul.

“A janela de oportunidade é muito estreita, porque o Presidente Lula da Silva acaba de ser eleito e já disse claramente que é vontade do Brasil fechar o acordo; o Presidente da Argentina, Alberto Fernández, diz o mesmo. Portanto, é altura de se compreender que não há um quilo de bife produzido na Europa que justifique continuarmos a atrasar a celebração do acordo do Mercosul – o acordo com maior econômica que pode haver e que pode contribuir para criar uma grande aliança transatlântica”, sustentou.

Uma estratégia comum na energia é outra das aspirações de António Costa em relação aos dois países ibéricos, defendendo, designadamente, que devem unir-se e trabalhar em conjunto na exploração das reservas de lítio.

De acordo com a tese do primeiro-ministro português, Portugal e Espanha têm uma grande oportunidade de cooperação transfronteiriça, porque os dois países possuem em conjunto as maiores reservas de um recurso natural fundamental para a mobilidade elétrica dos próximos anos: O lítio.

Para António Costa, mais do que competir para cada um ter a sua fábrica de baterias e cada um ter a sua refinaria, importa que Portugal e Espanha tenham a capacidade de desenvolver em conjunto uma estratégia para valorizar em comum um recurso que, sendo a maior a reserva europeia, é ainda assim insuficiente.

Sendo insuficiente, apesar da dimensão das reservas existentes nos dois países, tal, de acordo com o primeiro-ministro, implicará sempre a importação de mais lítio para se criar uma fábrica sustentável de produção de baterias, o que aconselha “um trabalho conjunto” entre os dois países.

Ainda neste domínio da energia, perante a Câmara do Comércio Luso Espanhola, António Costa estimou que Portugal e Espanha, em conjunto, podem suprir cerca de 30% das necessidades energéticas da Europa e frisou que os dois países ibéricos estão agora perante uma oportunidade única neste domínio.

A Península Ibérica, em virtude da capacidade já instalada, sustentou, “tem condições para a prazo suprir quase 30% das necessidades da Europa”.

Cimeira cultural

Os primeiros-ministros de Portugal e de Espanha estarão hoje e quarta-feira, em Lanzarote, numa cimeira em que se celebrará o legado de José Saramago, com foco no intercâmbio cultural, mas também na agenda da União Europeia.

A 34.ª cimeira Luso Espanhola ocorre apenas quatro meses depois da anterior, em novembro, em Viana do Castelo, sobretudo por causa da agenda interna de Espanha neste ano. Espanha terá eleições regionais e municipais em 28 de maio, eleições legislativas gerais em dezembro, e assumirá a presidência do Conselho União Europeia (UE) a partir do segundo semestre.

“Optou-se por fazer já a cimeira de 2023, evitando-se assim o risco de perder por motivos de agenda o caráter anual destas cimeiras. Esta decisão mostra o interesse que os dois governos colocam nas relações bilaterais”, justificou à agência Lusa fonte do executivo de Lisboa.

Os trabalhos formais da cimeira decorrerão na quarta-feira, mas o encontro entre os dois governos arranca na véspera, com uma agenda prévia que inclui uma visita dos líderes dos Governos de Portugal e de Espanha, os socialistas António Costa e Pedro Sánchez, à casa museu do escritor português José Saramago, onde o Nobel da Literatura viveu a partir de 1993.

José Saramago, para os dois governos ibéricos, “é o símbolo dos fortes elos culturais” existentes entre Portugal e Espanha.

Neste contexto, entre os diferentes acordos que serão assinados em Lanzarote, o Governo português destaca precisamente o referente à programação cultural cruzada entre Portugal e Espanha, que será dedicada aos 50 anos da democracia. Um tema em que se pretenderá realçar o contributo dos agentes culturais portugueses e espanhóis nos processos de transição democrática dos dois países ibéricos em 1974 e 1975.

Aldeias na fronteira

Portugal e Espanha avançam na cimeira ibérica ainda com um projeto comum para “revitalizar e recuperar” aldeias na fronteira, segundo a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa. “A ideia é revitalizar, recuperar vida nestas aldeias, algumas que estão praticamente abandonadas e outras que perderam grande parte da sua população e da sua atividade”, afirmou Ana Abrunhosa.

Segundo a ministra, o objetivo do programa é “trazer investimento empresarial, inovador e competitivo, para estas aldeias”, “projetos inovadores que criem emprego”, e levar para esses locais atividades “que normalmente é mais habitual ver noutras geografias”.

Ana Abrunhosa defendeu que o crescimento do teletrabalho, por exemplo, criou oportunidades de ter nestas aldeias “atividade econômica que normalmente elas não teriam”, mas é preciso criar “as condições tecnológicas” e outras para isso se concretizar e estes puderem ser “territórios competitivos para além da agricultura, da pecuária ou da agroindústria”, numa “diversificação da base econômica e social” tradicional.

Essas condições passam por novas infraestruturas de telecomunicações, pela garantia de ligações a pequenos centros urbanos ou pela recuperação de patrimônio, segundo explicou a ministra da Coesão Territorial.

Está em causa “revitalizar casas para as pessoas viveram” e “patrimônio para empresas se instalarem, para espaços de ‘coworking’, para empresas ou associações darem formação ” ou “recuperar patrimônio para projetos culturais entre ambas as fronteiras”, afirmou.

A ministra insistiu em que se trata de “revitalizar patrimônio, mas o patrimônio que é necessário para atrair nova atividade econômica”, valorizando o potencial de cada território, “mas agora com mais conhecimento e com tecnologia”.

Ana Abrunhosa adiantou que os detalhes do programa serão apresentados em breve em Penha Garcia, uma freguesia de Idanha-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, e uma das aldeias já selecionadas para integrar o projeto.

Tanto Portugal como Espanha já identificaram várias aldeias para este programa, disse a ministra, que acrescentou que o financiamento passará também por fundos europeus.

Desde que foi anunciada em 2020, a Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço de Portugal e Espanha tem sido protagonista dos acordos saídos das cimeiras bilaterais.

A estratégia abrange 1.551 freguesias, cerca de metade das freguesias portuguesas, e abarca uma área correspondente a 62% do território nacional.

Do lado espanhol, inclui 1.231 municípios, correspondentes a 17% da superfície de Espanha.

Portugal e Espanha partilham a maior fronteira terrestre da União Europeia, um território marcado, na sua maioria, pelo despovoamento.

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