Li o livro, cujo título utilizei-o para dar nome ao artigo, de Flávia Piva Almeida Leite, que examinei por ocasião de seu doutoramento e no qual se houve com particular brilho. Está centrado em tema longamente debatido na Constituinte, em 1987/88, ou seja, a inclusão dos deficientes sociais na comunidade em que vivem, facilitando-lhes, o ordenamento jurídico, a criação dos meios necessários para que isto ocorra.
Principiando a examinar os problemas que tais pessoas tiveram, no curso da história, e a luta por sua inserção na sociedade, Flávia busca, em seu livro, não só conformar, terminologicamente, o que seria uma pessoa com insuficiência física, mas chegar à amplitude conceitual que lhe permita, pelo princípio da equalização dos desiguais, a correta aplicação do princípio da isonomia, demonstrando as conquistas havidas na legislação internacional e nos Tratados de Direito Humanos, assim como na exegese mais adequada do art. 3º da Lei Suprema, que veda discriminações. Está assim redigido o inciso IV do referido artigo: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ……………..IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Definido o campo jurídico de sua formulação, examina, com percuciência e sensibilidade, as questões referentes ao direito urbanístico, a partir da realidade brasileira, da Carta de Atenas e da Carta Mundial de Direito à Cidadania, debruçando-se, principalmente, sobre os princípios constitucionais do direito urbanístico, fundado essencialmente nos três princípios: função social da cidade, função social da propriedade e do desenvolvimento urbano sustentável, hoje, transformados, em todo o mundo, nos grandes desafios, como Thomas Friedman, em seu livro “Quente, Plano e Lotado”, demonstra, com a afirmação preocupante de que, se todas as cidades do mundo tivessem o padrão das cidades americanas, não haveria energia elétrica, água e matéria-prima suficiente para mantê-las.
No segundo capítulo, Flávia discute, com rara sensibilidade e inteligência, na repartição constitucional das competências, aquelas urbanísticas e o plano diretor como principal instrumento do planejamento urbano.
Passa, então, a enfrentar a questão mais difícil, quanto aos deficientes físicos, qual seja a acessibilidade nas vias públicas, à conformação urbana, aos edifícios públicos ou de uso coletivo e os transportes públicos, objetivando enquadrá-la entre os direitos universais, para permitir aos deficientes físicos os benefícios do auxílio citadino.
No último capítulo, esclarece, para formulação de sua tese, em que o plano diretor passa a ser o instrumento essencial para efetivar a acessibilidade nas cidades, ser esta acessibilidade um direito fundamental da pessoa com deficiência. Caracteriza-o como atividade vinculada e que o princípio da eficiência constitucional, do artigo 37 da Lei Suprema, deve abranger a disponibilização de recursos para acessibilidade de tais pessoas. Configura, pois, como dever da União e das demais entidades federativas dar efetividade a tal imposição da Carta Maior, mormente o Município, onde vivem os deficientes.
Termina, por fim, com um idealístico projeto de lei para contemplar a obrigatoriedade de preservação das condições de acessibilidade urbana dos deficientes, no plano diretor.
Li e examinei o trabalho de Flávia, com particular apreço intelectual, principalmente pela maneira que expôs suas ideias, demonstrando preocupação com os mais necessitados, o que não têm sido tema de maior reflexão constitucional, neste país. Por esta razão, outorguei-lhe, como os demais ilustres componentes da banca examinadora de doutoramento na PUC (Daniela Campos Libório di Sarno, Adilson Dallari, Marcelo Figueiredo e Nelson Sauli Junior), a nota máxima na arguição, tendo estimulado a publicação deste livro, que, certamente, chamará atenção das autoridades para temática tão relevante, que realça o que de mais humano existe nas relações sociais, ou seja, a solidariedade ( Cidades Acessíveis, 1º. Edição, Editora SRS, 2012).
Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.